Primeiro o Perdão, Depois a Cura
Charles H. Spurgeon
E vendo-lhes a fé, disse ele: Homem, são-te perdoados os teus pecados (Lc 5.20).
Li para vocês a narrativa da cura de um homem acometido de paralisia. Muitos aqui se lembram de que, na noite do último sábado, preguei sobre os fariseus e os doutores da lei que permaneceram sentados (Lc 5.17). Procurei representar a posição de muitos dos frequentadores de nossas congregações, que ficam apenas “sentados” o tempo todo. Preguei para os estranhos à nossa congregação sobre os diversos motivos que levam a essa atitude de apenas “ficar sentado”. Devo confessar que não contava com bênção tão grande como a que vi resultante daquele sermão. Na segunda-feira à tarde, quando vim para cá — segunda-feira posterior ao domingo do Pentecostes, quando se imagina que todo mundo esteja aproveitando o feriado — , fui surpreendido, já na chegada, por volta das quinze horas, por um amigo correndo em minha direção e dizendo: “Estamos muito contentes que tenha vindo, pois a casa está cheia!” Também um bom número de amigos veio à frente, e, um após o outro, confessaram: “Não podemos ficar apenas sentados por mais tempo. Sentimos ser impossível continuarmos entre os que passam o tempo todo assistindo apenas, mas que devemos participar da festa do evangelho, unindo-nos aos discípulos do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.
Esse bendito resultado do meu sermão fez os sinos do meu coração badalarem a semana toda, e sinto uma profunda gratidão a Deus por causa disso. Assim, cheguei à conclusão de que, se a primeira seta disparada dessa aljava foi certeira ao alvo, poderia disparar mais outra. Tendo me dirigido àqueles que permanecem sentados, acho que agora poderia falar àqueles que não o fazem, mas que na verdade são as principais pessoas da congregação, ou seja, as que estão enfermas e sofrendo e que necessitam do Salvador. O paralítico que desceu por cordas pelo teto mostrou ser justamente uma das pessoas mais importantes naquela congregação. Podemos nos esquecer com facilidade dos fariseus e demais cavalheiros ilustres ali presentes, mas jamais conseguiremos esquecer do homem ao qual, assim que seus amigos, por entre as telhas, o baixaram com o leito, diante de Jesus (Lc 5.19), o Salvador disse: Homem, são-te perdoados os teus pecados. Confio em que estejam presentes nesta platéia alguns dos que não se contentam em ficar apenas sentados, mas oram: “Deus, tem misericórdia de mim!” Gente cuja oração sobe aos céus em exclamações como esta: “Senhor, ajuda-me!”; “Senhor, salva-me, ou perecerei!” São vocês as pessoas mais importantes da congregação, não só para o pregador, mas, sobretudo, para o mestre. Ele se importa muito mais com vocês e com o que lhes possa acontecer do que com quaisquer fariseus ou doutores da lei que queiram permanecer o tempo todo sentados. Deus é glorificado em distribuir seus milagres de misericórdia onde são mais necessários. Assim que o pobre homem foi baixado pelos quatro amigos pelo teto, no mesmo instante o Senhor Jesus lhe anunciou: Homem, são-te perdoados os teus pecados. Mateus coloca as palavras do Salvador da seguinte forma: Tem ânimo, filho; perdoados são os teus pecados (Mc 2.5). Ao passo que no registro de Marcos lemos: Filho, perdoados são os teus pecados. Jesus pode ter proferido de um modo ou de outro essas palavras e as diferentes versões da narrativa serem todas corretas, pois o ouvido do homem não capta todas as frases exatamente conforme elas nos são ditas. Podemos nos dar por felizes por três evangelistas haverem registrado a ocorrência do milagre e o que o Salvador disse, sem haver diferença real nem de conteúdo nem de sentido entre eles, e suas palavras semelhantes só comprovam que Jesus deve ter de fato proferido a frase, de uma das três formas.
Quero agora falar um pouco sobre esse paralítico. Primeiro, sobre antes de ele ser perdoado. Depois, um pouco sobre o seu perdão. Enfim, sobre o que aconteceu depois do seu perdão.
I. Pensemos então neste homem antes do seu perdão.
Não nos é relatado muito a seu respeito. Se eu der um pouco de asas à imaginação, vocês terão um quadro pelo menos verossímil da realidade. Este homem, quer me parecer, tinha, antes de mais nada, uma fé que se projetou em direção ao Senhor Jesus. Pelo que encontramos na narrativa, considero possível que ele haja ficado paralítico de repente. A paralisia é uma doença que pode e costuma atacar repentinamente. Pessoas que cuidam normalmente de sua vida, sempre ativas, de uma hora para outra podem ser acometidas dessa enfermidade. Esse homem parece ter ficado inteiramente paralisado, a ponto de ser incapaz de se locomover. Prostrado em sua invalidez, ouviu falar que Jesus de Nazaré chegara à cidade e, provavelmente conhecendo sua fama, creu que seria capaz de Jesus curar até mesmo alguém como ele. Não me parece que seus amigos o ter iam levado ao mestre sem que fosse para atender um rogo seu. Para mim, a explicação mais racional para todo aquele procedimento é a seguinte: o paralítico creu em Jesus como alguém capaz de curá-lo e passou a clamar a Deus com determinação, a orar suplicando poder, de um jeito ou de outro, ser conduzido à presença de Cristo. Não conseguia mover mãos ou pés, mas tinha amigos, aos quais pediu então que o levassem a Jesus.
Nunca houve nem haverá alma que possa ter mais fé em Cristo do que ele mesmo se revele em plenitude de amor para aquela alma. Se você sabe que não tem como salvar a si mesmo, se crê realmente que somente Cristo pode fazê-lo e sua única esperança é lançar-se a seus pés para que venha a olhar para você e curá-lo, ele com toda a certeza o receberá e há de curar você. O que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora (Jo 6.37), disse o Senhor. Quer você chegue a ele correndo, caminhando, rastejando ou carregado por outros, desde que chegue a ele, Cristo indubitavelmente o receberá. Se sua fé tiver pelo menos o diminuto tamanho de um grão de mostarda, nosso Senhor não deixará jamais que ela venha a perecer. Se houver um resquício que seja do fogo da fé, ele não há de apagar, de modo algum, o pavio que fumega. Você crê nisso, meu irmão? Que sirva então para alegrá-lo e confortá-lo você saber que alguma coisa já vai bem com sua alma. É melhor estar paralisado, mas ter fé em Cristo, do que andar muito ereto como os fariseus e doutores da lei e não ter fé alguma. A aparente desgraça de sua condição, nesse caso, não é a verdadeira; e pode até acabar se revelando uma bênção e um motivo de esperança. Se você crê em Jesus, não importa quão fundo possa ter caído nem quão grande seja sua aparente incapacidade; se você crê, será levado a entrar em contato com a onipotência divina que está em Cristo, e essa onipotência haverá de curá-lo.
Aquele homem, penso eu, creu que Cristo podia curá-lo, mas começou também a sentir o peso da sua própria condição de pecador. Estou certo de que isso aconteceu porque Jesus jamais perdoa onde não há arrependimento. Antes que a ele fosse proferida a declaração são-te perdoados os teus pecados, deveria haver uma consciência sua do pecado, seguida de confissão, mesmo que interior, desse pecado. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 Jo 1.9). Aquele homem ali deitado, paralisado, deve ter chorado ao pensar em sua vida pregressa, suas omissões e seus atos, seus fracassos e transgressões. Seu coração pesou. Parecia dizer aos amigos: “Levem-me de algum modo ao grande profeta. Façam que eu fique dentro do campo de visão do maravilhoso Salvador. Oh, levem-me a tocar nele, para que eu seja restaurado, para que esse grande fardo que me oprime tão dolorosamente seja retirado do meu coração! Pior para mim do que a paralisia é esse terrível senso de pecado. Levem-me, levem-me à presença do Messias, do Filho de Deus, para que ele possa ter misericórdia de mim!” Essa, imagino, deve ter sido sua condição antes que fosse pronunciada a palavra de seu perdão.
Direi então que ele, esperançoso, como passou a manifestar, inspirou esperança aos amigos. Ninguém o levaria a Cristo se não tivesse alguma fé de que ele pudesse ser curado. É maravilhoso constatar do que pessoas enfermas são por vezes capazes quando não conseguem fazer coisa alguma sozinhas. Muitas delas, quando parecem se encontrar impotentes por completo, encontram força justamente na própria fraqueza. Seu próprio desamparo parece servir de motivação para o que existe de generosidade no coração de quem seja capaz de ajudar. De modo que, quando esse paralítico clamou: “Creio que Jesus me curará, creio que ele terá misericórdia de mim, levem-me até ele, por favor, levem-me até ele”, seus amigos logo decidiram atendê-lo em tudo o que fosse possível. Ele então se dispôs a ser carregado até Cristo, e quatro amigos fortes e resolutos disseram: “Sim, nós o levaremos até junto dele de alguma forma, embora possa ser uma tarefa difícil quando chegarmos lá, porque o lugar é pequeno e apertado e certamente está abarrotado de uma multidão, que impedirá a passagem desde a porta até o mestre”. “Mas tentem”, insistiu o pobre paralítico, “tentem, por favor, porque é minha única esperança! Se ao menos eu conseguir chegar onde Jesus possa me ver, ele olhará para mim e me salvará. Oh, levem-me até lá, levem-me até ele!”
Eles não tinham nem como prever nem discutir de que modo isso poderia melhor ser feito, de modo que o transportaram até a porta da casa e, lá chegando, devem ter pedido ao povo que ali se amontoava: “Por favor, abram caminho para um pobre paralítico!” Ele também certamente deve ter insistido: “Rogo a todos, meus amigos, meus vizinhos, abram caminho, por favor, para eu chegar ao Mestre Jesus!” Não conseguiam, no entanto, avançar um passo sequer. E que, na maior parte da multidão, muitas outras pessoas estavam naturalmente desejosas de serem elas mesmas curadas, ou conduzirem amigos ou parentes ao grande Curador, ou ansiavam por ouvir as sábias e santas palavras do grande Mestre nazareno, sem perder uma só. De maneira que todos ali se empurravam, espremiam e acotovelavam, com o intuito de chegar e permanecer tão perto quanto possível dele. Vejam vocês, ainda, que provavelmente os fariseus e doutores da lei apegados às suas ninharias, porque haviam chegado e entrado primeiro, haviam contribuído para bloquear ainda mais o caminho de acesso a Jesus. Esse tipo de gente está sempre no caminho do pobre pecador até Deus. O que fazer nesse caso? Os carregadores do pobre paralítico teriam abandonado sua empreitada, imagino, quando então ele pode ter suplicado: “Não, não desistam de tentar me levar para dentro! Essa é a minha única esperança. Levem-me lá para dentro! Levem-me para perto dele, de qualquer maneira!”
E bem provável, assim, que aquele homem deva ter-se mostrado inteiramente disposto até a ser baixado desde o telhado à presença de Cristo. Eles podem tê-lo consultado, e ele, aprovado sua ousada ação. Não havia outro jeito à vista, na verdade; e, sem temer, como outros naturalmente o teriam feito, mas com toda a fé, seus quatro amigos, procedentes de uma aldeia de pescadores e peritos no uso de cordas, prepararam em um instante o equipamento necessário e abriram caminho para ele pelo telhado até Jesus. Como eu disse durante a leitura do texto bíblico, sempre me sinto bem com a ideia de poeira, restinhos de cacos e cal caindo na cabeça dos fariseus e dos doutores da lei. Sempre me deleita pensar que aqueles cavalheiros ficaram com a cabeça, embora protegida certamente por véus ou turbantes, coberta desse leve entulho, pelo menos uma vez na vida. No lugar em que se encontravam, corriam o risco, de fato, de receber um pouco desse lixo. É evidente que quando cavalheiros como aqueles vêm a um lugar de adoração, como este, as pessoas se veem um tanto constrangidas a ter de se mostrar respeitosas para com eles, e é o que geralmente fazem. Se chegam em uma hora inoportuna, quando há um atento trabalho em andamento, que não deva ser interrompido, ninguém comenta nem se queixa; todavia, enquanto almas estão sendo salvas, não podemos nem lhes devemos pedir perdão, tampouco lhes apresentar qualquer desculpa. Naquele caso, uma obra como a que Cristo tinha por fazer não podia ficar parada por causa de reverência aos fariseus e doutores da lei; de modo que o telhado foi aberto, e o homem, embora sendo paralítico, não teve medo de ser baixado pelos amigos, cheios de fé. Não consta que ele haja clamado, mostrando receio, quando passaram a descê-lo. Acho que, se fosse comigo, eu ficaria com medo, pelo menos, de uma corda ser descida mais depressa do que outra, e eu me despencar lá embaixo. Mas não, o homem se manteve tranquilo, quieto, em sua mistura de paralisia, fé e coragem, até que foi colocado frente a frente com o Salvador.
Lá está ele, deitado em seu catre, bem à frente dos olhos do Salvador, no ponto exato que tanto desejara. Dirijo-me agora a alguns dos que aqui se encontram e que dariam tudo para ser levados até diante dos olhos de Jesus. A ideia fixa de quem sofre parece ser esta: “Oh, se eu pudesse chegar perto dele! Se pudesse me aproximar do Senhor! Se ele olhasse para mim, me curasse de tudo, perdoasse meus pecados!” Que imagem maravilhosa, então, a dessa cena: a multidão não cedendo em abrir espaço, é preciso baixar um homem paralítico, em seu leito, por cima da cabeça das pessoas. E, da forma em que é baixado, no meio da multidão, ali permanece. O grande mestre está pregando, e para. Seu discurso é interrompido por um minuto para ser ilustrado com a ação de um milagre, de modo que, no futuro, os homens venham a saber que o que conhecem a respeito não é apenas um simples relato, um mero texto. O milagre que está prestes a ser operado será registrado de tal modo que irá melhor transmitir as maravilhas que o Pregador tem a dizer a todos.
Sim, um pobre homem paralítico está deitado ante o Salvador. É esse também o lugar onde você desejaria ficar, meu caro amigo? Em seu sofrimento mortal, em seu pecado e fraqueza, gostaria de ficar deitado, ou prostrado, aos pés do Salvador? E onde eu também gostaria que você se colocasse. Se é esse o seu desejo, trate então de realizá-lo. O Senhor Jesus está em nosso meio, esta noite. Você pode lançar-se em terra diante dele agora mesmo. Faça isso. Conte a ele sobre sua paralisia, sua enfermidade física e espiritual, quanto você sabe e confessa ser pecador. Não é preciso, de modo algum, falar de maneira que eu possa ouvi-lo. Pelo contrário. Os ouvidos do Senhor entendem perfeitamente os sussurros de sua triste alma. As batidas de seu coração angustiado são sons captáveis pelo coração dele, que há de ouvir e gravar com o máximo de cuidado e atenção tudo o que você diz ou sente no mais secreto de sua alma. Basta até ficar somente prostrado diante de Jesus. Enquanto estiver prostrado, o que você fará? O homem do texto bíblico não disse uma palavra sequer; mas creio que, enquanto esteve ali deitado, ele se arrependeu de ter vivido como viveu e lamentou haver desperdiçado sua vida e dissipado tanto seu tempo. Acho também que não deixou de crer um só instante, olhando sem cessar para aquele homem extraordinário e confiando em que todo o poder de cura e salvação estava nele. Que Jesus só teria de proferir uma palavra e ele, pecador, e seria perdoado no mesmo instante. Permaneceu assim na presença de Jesus, na esperança e na expectativa de receber perdão e cura.
II. Em segundo lugar, consideraremos o perdão em si.
Esse pobre paralítico não ficou muito tempo prostrado até que o bendito mestre rompesse o silêncio e lhe dissesse: “Homem, são-te perdoados os teus pecados”. Acho que seus quatro amigos, que certamente estavam ainda no telhado, olhando para baixo e acompanhando tudo o que acontecia, devem ter tido dificuldade para compreender o sentido dessa frase. Eles o haviam levado a Jesus devido à sua paralisia; mas ele mesmo, provavelmente, quisera estar ali, antes de mais nada, por ser um pecador. Desejava ser curado da paralisia, sim; mas no íntimo de sua alma havia uma questão que seus amigos talvez não entendessem se ele tivesse tentado explicar. Seu pecado era seu fardo mais pesado; e o Salvador, o grande leitor de pensamentos, sabia tudo tanto sobre o pecado quanto sobre aquele pecador. De forma que a primeira coisa que ele lhe disse não foi: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa (Mc 2.11); mas, sim, começou pela questão fundamental para aquele doente: Homem, são-te perdoados os teus pecados.
Note ainda que o perdão dos pecados foi dado em uma só sentença. Jesus falou, e aconteceu. Ele disse: Homem, são-te perdoados os teus pecados, e eles foram. A palavra de Cristo era investida de tamanha onipotência que não precisava ser transmitida mediante muitos vocábulos. Não havia necessidade de uma lição comprida para o pobre homem aprender; não havia problema complexo algum para ele ter de trabalhar em sua mente. O mestre disse tudo o que era necessário em uma frase única: São-te perdoados os teus pecados. Para o Senhor, o fardo de um pecador não leva nem dois tiques do relógio para serem retirados. Mais veloz que o clarão do raio é o veredicto de absolvição procedente dos lábios eternos, quando o pecador jaz à espera, crendo e se arrependendo aos pés de Jesus.
Lembremo-nos também de que a frase foi proferida por Aquele que era o único autorizado a absolver. Fora enviado pelo Pai com o propósito de perdoar o pecado. Não se há de imaginar que ele tenha perdido a autorização para perdoar, pois “Deus, com a sua destra, o elevou a príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão de pecados”. Jesus foi nomeado sumo sacerdote, justamente com o propósito de se colocar como representante de Deus e declarar a remissão dos pecados. Ele falava com autoridade divina. É inútil um sacerdote terreno anunciar ao pecador: “Eu te absolvo”. O que ele pode, então, fazer realmente, com relação a isso? Qualquer homem que não se autodenomine sacerdote pode falar em nome do Senhor, explicando ao pecador: “Se você se arrepender com sinceridade e crer de verdade será absolvido por Cristo Jesus, nosso Senhor; e eu o conforto com a garantia dessa absolvição, se você assim proceder”. Quanto a isso, tudo bem. Só o Senhor pode conceder absolvição de fato. Ela tem de vir somente dele, que tem poder sobre a terra para perdoar os pecados.
E você, caro ouvinte, já foi perdoado de seus pecados? Se não foi, você está aí, em seu banco, e ao mesmo tempo prostrado aos pés do amado mestre, desejando acima de tudo que ele lhe diga são-te perdoados os teus pecados? Crê que ele pode dizer isso e o aceita dele como sendo de legítima autoridade divina? Pois, então, saiba que ele o diz pessoalmente a você, pois declara em sua Palavra que aqueles que creem nele serão perdoados. A cada pecador arrependido que crê em sua graça, ele afirma: são-te perdoados os teus pecados. É assim que Jesus Cristo, pela pregação do evangelho e pela palavra de Deus revelada, fala com autoridade a cada penitente. Aceite sua absolvição e siga em frente. Faça como Martinho Lutero, nos dias de obscura aflição, quando um monge irmão lhe disse: “Não tem fé no Credo, ao dizer ‘creio na remissão dos pecados’? Pois, então, creia no perdão dos seus próprios pecados”. Confie na palavra de Cristo e você estará crendo na mais absoluta verdade. Confie, extraia dela conforto e siga o seu caminho.
Observe ainda que essa frase, embora única e tão curta, foi de uma abrangência maravilhosa: Homem, são-te perdoados os teus pecados. Não somente um pecado, nem alguns ou muitos dos pecados, mas todos os pecados são por ele perdoados, de uma vez. Ao se descer a particularidades, corre-se risco de omitir alguma parte. Eis por que a declaração abrange tudo, e não partes específicas. São-te perdoados os teus pecados. Pecados contra o santo Deus? Contra a lei? Contra o evangelho? Pecados contra a natureza? Pecados desse ou daquele tipo? Não, não há especificidade alguma. O sangue de Jesus seu Filho nos purifica de todo pecado (1Jo 1.7). Assassinato, adultério, roubo, fornicação, blasfêmia? Sim. Em uma palavra: Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens (Mt 12.31). Homem, são-te perdoados os teus pecados. Que amplo alcance tem esse perdão! São-te perdoados os teus pecados. Com um só movimento repentino da divina onda de misericórdia, todos eles são lavados de uma vez. Não existe essa coisa de meio perdão de pecado. Ouvi alguém aventando, outro dia, sobre o pecado original ser perdoado e outros pecados, não. Acontece que o pecado é um todo; ou ele vai embora ou fica inteiro; não pode ser dividido em pedaços; está tudo ali ou não está nada. Não estará mais se você crer em Jesus. Eis, portanto, uma frase bendita e abrangente, que libera cada partícula de sujeira e mancha de culpa: Homem, são-te perdoados os teus pecados.
Perceba-se, também, que a frase não contém nenhuma condição. O evangelho confere perdão absoluto ao se referir a todo pecador arrependido e crente. A escritura de sua dívida está rasgada; o registro dos seus débitos está pregado na cruz. Quanto aos pecados, eles são como os egípcios: o mar Vermelho os tragou, as profundezas os cobriram, não restou um só com vida, por maior ou muitos que fossem. Se você crê no Senhor Jesus Cristo, ele lhe diz, por sua palavra: Homem, são-te perdoados os teus pecados. Oro para que o Senhor, mediante o seu Espírito Santo, faça sua palavra atingir muitos aqui com poder. Oh, que seus lábios queridos, como lírios gotejando mirra, falem agora particularmente a você! Que possam as suas chagas, como que declarando amor aos pecadores, lhe dizer são-te perdoados os teus pecados! Não há o que nos fale mais de seu perdão que as feridas produzidas quando de seu santo sacrifício, pelas quais seu coração se manifesta, dizendo: “Tenho te amado e me entreguei à morte por ti. Teus pecados carreguei sobre o madeiro e lancei-os fora de uma vez por todas. Homem, são-te perdoados os teus pecados”. Oh, que Jesus em pessoa possa falar assim com eficácia a muitos de vocês!
Contudo, notem que a frase foi suficiente para seu receptor. Quando depois o Salvador convidou o paralítico a se levantar com toda a saúde e força, não o fez para confirmar ao homem que seus pecados estavam perdoados. Ele já sabia disso, não precisava de evidências do fato. Jesus agiu assim por outro motivo, que apresentou aos escribas e fariseus: Para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados [disse ao paralítico], a ti te digo: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa (Mc 2.10,11). Aqueles homens incrédulos achavam não ter prova de que Cristo pudesse perdoar, mas o homem a quem dirigira a palavra não queria outras provas além do poder daquela voz manifesto em sua própria consciência. Ao falar ele com você assim, meu ouvinte, você não precisará de livros dando mostras de seu poder nas Escrituras, provas de inspiração nele e assim por diante. O milagre incontestável do pecado perdoado se erguerá para sempre em seu coração como um memorial santo da graça poderosa de Deus. Será para você um sinal, um símbolo perpétuo, que jamais será removido, de que Deus o perdoou e ordenou a paz em sua alma. Este Deus será o seu Deus para todo o sempre. Para cada pessoa em situação semelhante à do pobre paralítico, deitada, arrependida e crendo, aos pés de Jesus, sua Palavra oferece a confortável garantia: “Crê, e teus pecados, que são muitos, te serão todos perdoados”. Sim, creia e vá em paz.
III. Encerro, observando, em terceiro lugar, o que aconteceu após o perdão desse homem.
Ele havia sido completamente, irreversivelmente, eternamente perdoado, porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento (Rm 11.29). Deus nunca age como um irresponsável para com os homens. Jamais emite um perdão do seu trono para depois condenar e executar o pobre pecador antes perdoado. Seu perdão cobre tudo o que possa acontecer depois, tal como tudo que já aconteceu antes. O que houve, então, depois, com o paralítico?
Em primeiro lugar, creio que uma paz interior se instalou tranquilamente em sua alma. Se fosse possível ver-lhe o rosto, enquanto ainda paralítico e deitado em seu leito, constataríamos que uma transformação maravilhosa ocorrera. Já viram um rosto transfigurado? Quem é ganhador de almas está acostumado a vê-lo com frequência. Nem todos os rostos humanos, naturalmente, são belos. Na verdade, alguns são até bastante rejeitáveis. O semblante da pessoa que vive há muito tempo no pecado geralmente é terrível de se contemplar. Todavia, tenho notado que rostos de pessoas, que a princípio eu mal conseguia encarar, me parecem belos, de fato, após essas pessoas terem sido conduzidas ao Salvador e perceberem o amor de Deus por elas, passando afinal a crer e sentir na alma o beijo da paz! Gostaria de até fotografá-los, e só não faço isso por se tratar de algo sagrado demais. A graça de Deus é tamanho embelezadora que um rosto do qual você se desviaria até com asco, dizendo: “Não pode haver nada de bom por trás desse semblante”, é inteiramente transformado pela obra poderosa do Senhor. Não se trata de dizer, com isso, que um ou outro traço seja alterado. A pessoa pode manter a mesma feição de sempre, mas, ah, que maravilhosa diferença na expressão de toda a sua fisionomia quando a graça e o amor imorredouros lançam seu encanto sobre seu espírito, tendo o Espírito Santo feito sua alma reviver e a pessoa nascer de novo em Cristo Jesus.
Essa transformação aconteceu na mente e no coração do homem paralisado, estou certo disso, quando Jesus lhe disse são-te perdoados os teus pecados. Ele pareceu não mostrar mais ansiedade por deixar sua condição de paralítico. Os escribas e fariseus continuavam observando tudo com seu semblante malévolo, mas não o assustavam. Permaneceu deitado, sem se mover, como que aguardando pacientemente receber agora a bênção da cura do mestre. A bênção viria, ele parecia ter tomado consciência disso; e viria no devido tempo, ele confiava nisso. Estava até de bom humor. Afinal de contas, Jesus lhe dissera Tem ânimo, filho; perdoados são os teus pecados. Isso valia mais que tudo.
Em seguida, viria a sua cura imediata. O Mestre lhe ordenou: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. Nosso bendito Mestre costumava pregar e praticar o evangelho de um jeito que tenho ouvido alguns questionar. Dizem que não devemos convidar os homens a crer e se arrepender, pois eles não podem fazer isso. Existem dois partidos, no caso, opostos. Um deles argumenta: “Se você disser a um homem que creia e se arrependa, isso prova que ele sozinho pode fazê-lo” — coisa em que eu não acredito. O outro alega: “Se ele não pode se arrepender, você então não deveria exortá-lo a que o faça” — coisa em que não acredito também. Embora eu saiba que todo pecado é tão inválido e impotente quanto aquele pobre paralítico, incapaz de levantar uma das mãos ou um pé, ainda assim, declaramos em nome do Senhor, exatamente como ele costumava dizer: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. “Oh”, alguém poderá contestar, “mas eu não poderia dizer isso a um homem não regenerado”. Se não puder, meu irmão, não diga. Vá para sua casa e deite-se. Que utilidade tem você para um trabalho desse? O homem capaz de proferir milagres é do que se necessita; aquele que consiga falar como seu Mestre lhe ordena a fazer. A fé, com toda a certeza, não está em crer que o homem possa por si mesmo cumprir o que lhe seja ordenado por Deus. A fé está em crer que Cristo, sim, pode perfeitamente fazê-lo, e, portanto, agindo em nome dele, dizermos ao pecador como o Senhor fez com o homem da mão atrofiada: “Estende a tua mão” — e ele obedeceu. Olhe para Ezequiel se dirigindo aos ossos secos no vale. “Ezequiel, você crê que esses ossos secos possam viver?” “Eu não”, responde ele, “sei que estão mortos”. O Senhor então lhe ordena: Ezequiel, profetiza sobre estes ossos secos (Ez 37.4)! Como ele pode obedecer? Seria incoerente com o que acaba de dizer? “Bem, não tenho nada a ver pessoalmente com isso”, pensa ele então, “mas recebi a ordem do Senhor para fazer isso e obedeço em nome de Deus”. Aquilo que pode parecer incoerente com a razão toma-se bastante coerente quando a fé introduz o elemento sobrenatural, com que Deus faz agir aqueles aos quais deu a comissão de pregar e praticar o evangelho em seu nome.
O Salvador disse ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. Observe que ele obedeceu com toda a precisão: Imediatamente se levantou diante deles (Lc 5.25), diz Lucas. A tendência da pessoa paralítica é sempre a de ficar imobilizada também na vontade. Há algumas doenças de que seus portadores podem ser curados com facilidade se crerem nessa possibilidade, porque o problema não é tão íntimo, afinal de contas. Não era bem o caso desse homem, paralisado de verdade, de corpo e alma. Ele, porém, creu em Cristo, e tão inteiramente, que logo se levantou, se pôs de pé diante do mestre que isso lhe ordenara. Quando Jesus lhe disse toma o teu leito, acho que consigo vê-lo desatar as quatro cordas e pôr depressa o leito sobre os ombros. Vai para tua casa, disse por fim o mestre, e ele saiu andando e foi. Poderia ter hesitado e alegado: “Senhor, deixe-me ficar. Gostaria de ouvir seu sermão até o fim”. Mas não. Nem uma palavra saiu de seus lábios sobre o assunto. Em vez disso, partiu para casa, feliz, obedecendo.
Oh, que todos sejamos tão obedientes a Cristo quanto esse homem; que possamos demonstrar com a simplicidade da fé a mais plena obediência a ele! A norma é que, ao recebermos o perdão, recebamos também uma consciência sensível, uma mente bem-disposta e um espírito consagrado a Cristo. Fazei tudo quanto ele vos disser (Jo 2.5), recomendou a mãe do Senhor aos servos, nas bodas em Caná da Galileia. E esse é um bom conselho para todos nós. Se Cristo o curou, obedeça-o; obedeça-o de pronto, obedeça-o com precisão, obedeça-o em tudo, seja pouco, seja muito. Se alguém argumentar que isso ou aquilo não é essencial, não se iluda. Lembre-se de que o que realmente não é essencial à salvação o pode ser, no entanto, como prova de gratidão e lealdade a Cristo, e aí pode estar a razão da obediência; ou, mesmo, essencialmente necessário à obra. Se Jesus ordenou, faça. Faça, quer lhe pareça necessário quer não, essencial ou não — essa é uma questão que não lhe compete. Jesus o curou, Jesus o salvou. Faça tudo conforme e quando ele lhe ordenar, sem levantar nenhum questionamento sobre o assunto. Obedeça em tudo Àquele que merece ser em tudo obedecido.
Por fim, conforme está escrito, o paralítico “imediatamente se levantou diante deles, tomou o leito em que estivera deitado e foi para sua casa, glorificando a Deus (Lc 5.25)”. “Glória!”, ele certamente clamava, “glória seja dada a Deus!” Sentia-se tão alegre, tão feliz, que tomou o leito do chão e, na frente de todos, enquanto se ia, glorificava em voz alta a Deus. Você não faria o mesmo se tivesse estado paralisado e fosse restaurado como ele foi? Se o pecado o aprisiona ainda e Cristo hoje o libertar, você não irá contar na primeira oportunidade aos outros o que ele fez e buscar glorificar seu nome? E claro que irá! Não fiquei admirado quando um irmão me disse há pouco tempo: “Passei a manhã inteira na oficina contando aos rapazes que encontrei o Salvador”. E outro, no último domingo, virou-se para a esposa aqui neste Tabernáculo e exclamou: “Estou salvo!” Ela ainda o admoestou, baixinho: “Não atrapalhe o culto”, mas eu, na verdade, fiquei muito feliz que ele o tivesse feito. Que grande misericórdia de Deus é sermos salvos! A salvação faz brilhar um novo sol em nosso céu e um novo júbilo em nosso coração. Creia você também em Jesus, e essa salvação será sua. Deus conceda que assim seja, em nome de seu Filho querido! Amém.
Charles H. Spurgeon. Milagres e Parábolas de Nosso Senhor: A Obra e o Ensino de Jesus em 173 Sermões Selecionados. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 726–732.