Pedindo e Recebendo
Por João Calvino
E nosso boníssimo Pai acrescenta a essa consciência de nossa necessidade duas coisas com as quais ele nos impele com extrema veemência para que recorramos intensamente à oração: um mandamento que nos impele a orar; uma promessa que nos assegura que receberemos tudo o que pedirmos. Temos esse mandamento reiterado com muita frequência: “Buscai”, “vinde a mim”, “pedi-me”, “voltai para mim”, “invocai-me no dia da necessidade”. E isso é expresso com frequência em outro lugar, como também se dá no terceiro capítulo da lei, o qual nos proíbe de tomar em vão o nome do Senhor (Lucas 11.9–13; João 16.23–29; Mateus 7.7; 11.28; Zacarias 1.3; Salmos 50.15; Êxodo 20.7). Pois, ao sermos proibidos de tomar seu nome em vão, ao mesmo tempo somos instados a que o tenhamos em glória, deferindo-lhe todo crédito pela virtude, pelo bem, pelo auxílio e pela proteção, enquanto rogamos e aguardamos da parte dele essas mesmas coisas.
Portanto, a menos que fujamos para ele quando alguma necessidade nos pressiona, a menos que o busquemos e supliquemos seu auxílio, seguramente evocamos sua ira sobre nós, justamente como se estivéssemos engendrando deuses para nós ou fabricando ídolos. Na verdade, ao menosprezarmos todos os seus mandamentos, estamos precisamente desprezando sua vontade. Em contrapartida, os que o invocam, que o buscam e que lhe rendem louvor também desfrutam de grande conforto, porque bem sabem que assim estão rendendo-lhe algo aceitável e servindo à sua vontade. A promessa é “buscai e achareis” (Mateus 7.7; cf. Jeremias 29.13–14); “e será assim convosco” (Marcos 11.24); “eu vos responderei” (Isaías 65.24); “eu te livrarei” (Salmos 5.15; 91); “eu vos aliviarei” (Mateus 11.28); “eu mesmo apascentarei minhas ovelhas, as farei repousar” (Ezequiel 34.14–16); “não sereis envergonhados” (Isaías 45.17).
Todas essas coisas, como nos foram prometidas por Deus, sem dúvida se cumprirão, se as aguardarmos com fé inabalável. Pois a oração não tem nenhum mérito ou dignidade para obter o que é solicitado, mas toda a esperança da oração repousa nessas promessas e depende delas. Portanto, em nossas orações, devemos crer que teremos a resposta, precisamente como Pedro ou Paulo, ou qualquer outro santo, foram atendidos (como se estivessem equipados com maior santidade de vida do que nós), contanto que invoquemos a Deus com a mesma fé igualmente sólida. Quando formos equipados e armados com a mesma ordem de orar e com a mesma promessa de que a oração terá resposta, Deus julga o valor da oração não pela dignidade pessoal, mas unicamente pela fé, na qual os homens obedecem ao seu mandamento e confiam em sua promessa, respectivamente. Em contrapartida, os que não estão seguros da promessa de Deus e põem sua verdade em xeque, duvidando se realmente serão atendidos, invocam o mesmo Deus e nada recebem (no dizer de Tiago). Então, visto que o Senhor afirma que sucederá a cada um em conformidade com sua fé, segue-se que nada pode suceder-nos à parte da fé (Mateus 8.13; 9.29; Marcos 11.24). Uma vez que ninguém é digno de se apresentar a Deus e chegar-se à sua presença, o próprio Pai celestial, a fim de nos livrar dessa confusão (a qual lançaria o coração de todos nós em desespero), nos deu seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor, para ser nosso Advogado (1 João 2.1) e Mediador junto a ele (1 Timóteo 2.5; cf. Hebreus 8.6 e 9.15). Mediante sua diretriz, podemos achegar-nos a ele com confiança e, com esse Intercessor, confiar que nada do que pedirmos em seu nome nos será negado, como nada poderá ser-lhe negado pelo Pai. Da mesma forma, o trono de Deus não é apenas um trono de majestade, mas também de graça, diante do qual, em seu nome, ousamos comparecer com toda a confiança, receber mercê e encontrar graça no tempo oportuno (Hebreus 4.16).
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Ed. Fiel, 2018, pp. 120–121.