Os Demônios Creem e Tremem!
Tim Shaughnessy
“Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem!” (Tiago 2:19 NVI)
Este é um dos versículos mais mal compreendidos da Bíblia, e a confusão que o cerca é tão generalizada que é difícil expressar totalmente a magnitude de seu impacto na igreja. É frequentemente citado para argumentar que a crença, definida como conhecimento com assentimento ou compreensão com assentimento, no Evangelho não é suficiente para salvar, mas que também se deve ter confiança ou compromisso. Isso é inferido do simples fato de que os demônios creem e perecem.
Para ilustrar essa visão, consideremos os escritos de William Webster em seu livro The Church of Rome at the Bar of History:
Para que a fé seja verdadeiramente bíblica, ela deve envolver mais do que apenas o assentimento da mente à verdade objetiva sobre Deus, Cristo e a salvação […]. A fé é fundamental para o verdadeiro Cristianismo e envolve conhecimento, assentimento, confiança e compromisso.
[…] a Epístola de Tiago nos adverte contra uma fé que é vazia e vã; aquela que reconhece os fatos objetivos de Deus, Cristo e salvação como verdadeiros, mas nega ou negligencia o outro elemento essencial de confiança e compromisso. Os demônios creem nesse sentido, mas eles perecem (Tiago 2:19). O assentimento intelectual sozinho é vazio, Tiago argumenta.[2]
Webster argumenta que, de acordo com Tiago, o assentimento intelectual é vazio e vão. Não é suficiente reconhecer que os fatos objetivos de Deus, Cristo e Salvação são verdadeiros porque também devemos ter os “elementos essenciais de confiança e compromisso”. Ele então se refere a Tiago 2:19 e conclui que os demônios creem nesse sentido, mas eles perecem. Da mesma forma, R. C. Sproul declarou: “De acordo com Tiago, mesmo que eu esteja ciente da obra de Jesus, intelectualmente convencido de que Jesus é o Filho de Deus, que ele morreu na cruz pelos meus pecados e que ressuscitou dos mortos, nesse ponto, eu me qualificaria para ser um demônio”.[3]
O entendimento de Webster e Sproul sobre este versículo é parcialmente influenciado pela definição tríplice latina de fé, que é notitia (conhecimento), assensus (assentimento) e fiducia (confiança). A grande maioria dos teólogos reformados de língua inglesa usa a definição tríplice de fé. O terceiro elemento fiducia é mais comumente traduzido como confiança, mas também tem sido traduzido de várias maneiras como compromisso, obediência, arrependimento, descanso, transformação, etc. Essa compreensão da fé está profundamente enraizada na tradição reformada, mas também foi vigorosamente apresentada pelos proponentes da Salvação do Senhorio em um esforço para combater o antinomianismo do movimento da Livre Graça. A visão de que alguém pode ser salvo apenas pela crença, definida como conhecimento e assentimento ou compreensão com assentimento, é frequentemente denegrida como crença fácil, e somos informados de que o mero assentimento intelectual é insuficiente para salvar. Doug Barnes argumenta que “a salvação é somente pela fé em Cristo somente, mas ‘fé somente’ não é ‘somente a crença’” e, portanto, ele conclui que “somente a crença não é suficiente”.[4]
Nenhum desses homens entendeu o ponto de Tiago, e o uso deles da definição latina de fé os levou a incluir uma visão errada neste texto. Infelizmente, isso resultou em vários problemas que podem ser difíceis de filtrar. Portanto, trataremos disso em três partes. Primeiro, vamos abordar o uso impróprio da definição latina. Em seguida, mostraremos as conclusões inválidas das opiniões já expressas e demonstraremos suas implicações lógicas. Finalmente, explicaremos o que Tiago realmente quis dizer.
A Definição Latina
Esta definição latina de fé como notitia (conhecimento ou compreensão), assensus (assentimento) e fiducia (confiança) pode parecer apropriada por várias razões. Primeiro, a partir de uma leitura superficial, parece que Tiago diz que a crença por si só não é suficiente para salvar. Obviamente, os demônios sabem e concordam com a verdade, mas eles perecem. Em segundo lugar, é correto advogar por uma confiança pessoal em Cristo. Ninguém pode ser salvo a menos que confie em Jesus. Qual é o problema então? Por que discordaríamos do que Sproul, Webster e Barnes disseram?
Os argumentos deles se baseiam na noção de que a crença é diferente da fé porque carece de confiança. Portanto, eles definem a crença como notitia (conhecimento ou compreensão) com assensus (assentimento) e definem fé como notitia (conhecimento ou compreensão), assensus (assentimento) e fiducia (confiança ou compromisso). O problema é que a Bíblia não foi escrita em latim. O Novo Testamento foi escrito em grego, e ambas as palavras fé e crença são traduzidas da mesma palavra grega pistis. É por isso que Luke Miner apontou que “estes não são dois conceitos diferentes em grego, mas um (“ fé ”e“ crença ”são apenas traduções alternativas da palavra grega πιστiς). Que esses são conceitos intercambiáveis é sugerido pelo fato de que as traduções da Bíblia geralmente usam ‘fé’ no lugar de ‘crença’ ou ‘ter fé’ no lugar de ‘crer’”.[5]
Se as palavras fé e crença são traduzidas da mesma palavra grega em todo o Novo Testamento, então não há precedente bíblico para defini-las de maneira diferente quando chegarmos em Tiago 2:19. Isso significa que fé e crença são definidas como compreensão com assentimento. Isso é o que Gordon Clark argumentou em sua definição de fé. Em What Is Saving Faith? [O Que é Fé Salvadora?] ele explicou que “Fé, por definição, é assentimento a proposições compreendidas. Nem todos os casos de assentimento, mesmo assentimento às proposições bíblicas, são fé salvadora, mas toda fé salvadora é assentimento a uma ou mais proposições bíblicas”.[6]
Isso, é claro, deixa uma questão persistente: e quanto ao terceiro elemento essencial da fiducia (confiança)? Como podemos dizer que somos salvos somente pela fé se ela é definida apenas como notitia (conhecimento ou compreensão) e assenso (assentimento)? Já não admitimos que a fiducia era necessária para a salvação? Parece contraditório dizer que é preciso ter confiança para ser salvo, e que somos salvos pela fé ou crença somente, que são definidas apenas como compreensão com assentimento. John Robbins, no entanto, explicou que:
Crença, isto é, fé (há apenas uma palavra no Novo Testamento para crença, pistis) e confiança são a mesma coisa; eles são sinônimos. Se você crê no que uma pessoa diz, você confia nela. Se você confia em uma pessoa, você crê no que ela diz. Se você tem fé nela, você crê no que ela diz e confia em suas palavras.[7]
Em outras palavras, confiança é sinônimo de crença, e é por isso que é errado sugerir que se pode crer e não confiar. Argumentar que precisamos de confiança juntamente com crença é simplesmente redundante. É por isso que Clark argumentou que adicionar fiducia à fé é uma tautologia:
O ponto crucial da dificuldade com a análise popular da fé em notitia (compreensão), assensus (assentimento) e fiducia (confiança) é que fiducia vem da mesma raiz que fides (fé). Consequentemente, essa análise popular se reduz à definição obviamente absurda de que a fé consiste em compreensão, assentimento e fé. Algo melhor do que essa tautologia deve ser encontrado.[8]
Fiducia (confiança) é frequentemente apresentada como um elemento “psicológico” extra que muitos protestantes adicionam à fé que Clark e Robbins incansavelmente refutaram como confusa, sem sentido e redundante. Concluir a partir desse versículo que a crença é mais do que compreensão com assentimento e, portanto, a confiança é necessária juntamente com crença é logicamente inválido. Isso nos levará à próxima seção, à medida que exporemos a conclusão inválida e suas implicações lógicas.
A Inferência Inválida
Observe que nem Sproul nem Webster realmente citam Tiago, mas simplesmente referem-se a este versículo e então fazem uma inferência. Eles inferiram que a crença no Evangelho é insuficiente para salvar porque Tiago diz: “Até mesmo os demônios creem — e tremem!”. Portanto, algo mais é necessário. É preciso não apenas compreender e assentir, mas também confiar no Evangelho para ser salvo. Como já mostramos, isso é confuso, sem sentido, redundante e antibíblico, mas agora mostraremos que também é logicamente inválido.
A razão pela qual as inferências deles são inválidas e erradas é porque Tiago nada diz sobre os demônios reconhecerem os “fatos objetivos de Deus, Cristo e salvação como verdadeiros”, como afirmou Webster. Ele também não disse nada sobre os demônios creem que Jesus “morreu na cruz pelos [seus] pecados e que ressuscitou dos mortos”, como Sproul declarou. Alguém poderia argumentar que eles estão colocando suas próprias palavras na boca de Tiago. Aqui está novamente o que Tiago 2:19 realmente diz: “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem!”.
Como Robbins apontou, “Tiago menciona apenas a crença em um Deus — o monoteísmo. Visto que a crença em um Deus é a crença em uma proposição verdadeira, Tiago diz: ‘Muito bem’. Mas o monoteísmo não é uma crença salvadora porque não se trata de Jesus Cristo e sua obra”.[9] Clark também corrigiu esta inferência errada: “[O] argumento aqui é que, visto que os demônios concordam e os verdadeiros crentes também concordam, algo diferente do assentimento é necessário para a fé salvadora. Este é um erro lógico. O texto diz que os demônios creem no monoteísmo”.[10]
É claro que isso é inválido porque Tiago nada diz sobre os demônios que creem no Evangelho. Mas Tiago diz, no entanto, que eles creem. Se então, alguém espera estabelecer com base neste versículo que a diferença entre aqueles que são salvos e aqueles que não são salvos repousa no elemento necessário de confiança juntamente com crença, então nos deparamos com três conclusões logicamente inválidas. Para mostrar isso, vamos aceitar, por uma questão de argumento, que os demônios estão perdidos porque eles creem, mas não confiam e, portanto, para sermos salvos, devemos não apenas crer, mas também confiar. Esse erro lógico, que resulta de inferir algo que não está no texto, leva a três conclusões inválidas: 1) O assentimento intelectual é diferente da confiança. 2) Só a crença no Evangelho é insuficiente para salvar. 3) A fé ou crença demoníaca carece de confiança.
Assentimento e Confiança
Imediatamente depois de citar Tiago 2:19, no qual se diz que os demônios perdidos creem, Webster conclui: “O assentimento intelectual sozinho é vazio”. Clark, no entanto, apontou que “É ilógico concluir que a crença não é assentimento apenas porque a crença no monoteísmo não salva”.[11] Tiago em nenhum lugar distingue o tipo de fé ou crença entre os cristãos e os demônios perdidos, mas sim a diferença nas proposições em que se crê. A proposição em que se diz que os demônios creem é que há um Deus, e é claro pelo fato de que eles tremem que eles confiam na veracidade dessa proposição. Quando os demônios encontraram Jesus, eles “clamaram, dizendo: Que temos nós contigo, Jesus, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?” ( Mateus 8:29 ARC). Os demônios clamaram e perguntaram se ele estava lá para atormentá-los, porque eles criam ou confiavam que ele poderia atormentá-los. Eles não confiam nele para a salvação porque ela não é oferecida a eles, mas eles confiam que ele pode atormentá-los. Portanto, não se pode inferir logicamente que os demônios mencionados por Tiago não confiam na veracidade da proposição em que se diz que creem. É por isso que Robbins apontou que “usar as palavras crer e confiar de forma intercambiável é um bom inglês [português] e uma boa teologia porque são sinônimas”.[12]
Somente a Crença é Insuficiente
Vamos primeiro nos lembrar das palavras de Barnes quando ele afirmou, “somente a fé não é somente a crença” e, em seguida, concluiu que “somente a fé não é suficiente”. Depois de dar ao Sr. Barnes uma repreensão muito necessária para a erudição pobre, Robbins ofereceu uma refutação muito simples e sólida de sua conclusão:
Segue-se, pois, que quando Cristo disse: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (ARC), ele estava enganando Nicodemos? E quando o apóstolo Paulo disse: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo” ele estava enganando o carcereiro? Pode-se citar dezenas de versículos semelhantes, mas esses dois servirão para mostrar o quão longe Barnes está da soteriologia cristã. De acordo com as Escrituras, a fé no Evangelho, e somente a fé no Evangelho, salva.[13]
As refutações escriturísticas da posição de Barnes são suficientes para resolver o assunto, mas vamos fornecer a refutação lógica por via de dúvidas. Esta visão de que a fé não é suficiente implicaria logicamente que alguns que creem no Evangelho não são salvos, ao que Robbins respondeu:
Se a fé consiste em três elementos — conhecimento, assentimento (ou crença) e confiança — e se uma pessoa não tem fé a menos que todos os três elementos estejam presentes, então as pessoas não regeneradas podem compreender e crer — assentir à — verdade. De fato, aqueles que defendem a visão dos três elementos insistem que pessoas não regeneradas podem entender e crer na verdade — seu principal exemplo de tais pessoas são os demônios. Mas se pessoas não regeneradas podem crer na verdade, então o homem natural pode de fato receber as coisas do Espírito de Deus, pois elas não são loucura para ele, ao contrário de 1 Coríntios 2 e dezenas de outros versículos. A crença — e toda a salvação — não é um dom de Deus. Os homens naturais podem fazer suas próprias crenças, muito obrigado. A visão de três elementos da fé leva direto a uma contradição — crentes sem fé — e, portanto, deve ser falsa.[14]
A Crença Demoníaca Carece de Confiança
As opiniões defendidas por Webster, Sproul e Barnes implicariam logicamente que, se os demônios tivessem confiança, eles também seriam salvos. Concluir que crer, compreender e assentir com as proposições do Evangelho não é suficiente para salvar, do fato de que isso não salva os demônios, e de que um terceiro elemento de confiança é necessário, logicamente implica que se os demônios tivessem este terceiro elemento de confiança, então eles também seriam salvos. Mas isso simplesmente não é o caso e, portanto, todo o argumento desmorona. A razão pela qual os demônios não são salvos é porque eles não têm Salvador. Não é porque eles não tenham o tipo certo de fé. É inválido deduzir deste versículo que a crença (assentindo em proposições compreendidas) no Evangelho é insuficiente para salvar porque Tiago nada diz sobre os demônios que crêem no Evangelho. Devemos lembrar que é uma regra básica de dedução lógica que o conteúdo da conclusão deve ser derivado de uma ou mais das premissas. Visto que Tiago 2:19 não faz menção dos demônios assentindo com as proposições do Evangelho, não podemos logicamente deduzir que a compreensão com assentimento com as proposições do Evangelho é insuficiente para salvar.
Todas essas conclusões são logicamente absurdas. Portanto, a diferença não pode estar em uma crença que seja distinta de fé ou confiança. Existem várias razões para rejeitar este entendimento de Tiago 2:19, que é influenciado pela imposição de uma definição latina e sugere que somente a crença é insuficiente para salvar.
1. A Bíblia não foi escrita em latim, e as palavras fé e crença são ambas traduzidas da mesma palavra grega pistis. Portanto, não há precedente bíblico para defini-los de forma diferente quando chegamos em Tiago 2:19.
2. Crença e fé são sinônimos de confiança e, portanto, é errado sugerir que se pode crer e não confiar.
3. Fiducia vem da mesma raiz que fides (fé). Consequentemente, essa análise popular se reduz à definição obviamente absurda de que a fé consiste em compreensão, assentimento e fé. Isso é uma tautologia.
4. É uma inferência inválida concluir que a crença no Evangelho não é suficiente para salvar porque Tiago diz que os demônios creem no monoteísmo.
5. Isso leva a uma contradição absurda de que alguns que creem no Evangelho perecerão.
6. Argumentar que compreensão e assentimento não são suficientes para salvar porque não salva os demônios, e que é necessário o elemento extra de confiança, logicamente implica que, se os demônios o tivessem, eles também seriam salvos.
O Que Tiago Realmente Quis Dizer
Por que então Tiago traz à tona sua crença de que Deus é um e faz referência aos demônios? Temos que lembrar o contexto da passagem e o contexto mais amplo da carta de Tiago. Esta carta foi escrita por Tiago, irmão de Jesus (Mateus 13:55) e líder da igreja de Jerusalém (Atos 15). Foi escrita por volta de 40–45 d. C. para cristãos judeus que viviam fora da Palestina. Tiago está falando a convertidos judeus e o contexto imediato dessa passagem mostra que ele está se referindo a um tipo específico de hipocrisia — a hipocrisia religiosa.
Tanto Paulo quanto Tiago enfrentam questões diferentes com membros da mesma congregação de convertidos judeus em Jerusalém. Em Gálatas, Paulo confronta os judaizantes sobre a questão do legalismo e os identifica como o grupo da circuncisão que veio de Tiago em Gálatas 2:12. Este foi o mesmo grupo que ele e Barnabé contenderam sobre o Evangelho em Atos 15, e é o mesmo grupo que ele anatematizou em Gálatas1:6–9. Tiago, no entanto, está enfrentando a questão do antinomianismo com membros da mesma congregação em Jerusalém. A princípio, isso pode parecer estranho, porque tendemos a pensar que o legalismo e o antinomianismo são antitéticos um ao outro. Mas eles não são tão antitéticos entre si, mas sim contra o Evangelho. À parte da luz do Evangelho, o legalismo produzirá antinomianismo e vice-versa.
Isso porque o homem natural que rejeita o Evangelho deve tentar estabelecer sua própria justiça pela lei e, portanto, se tornar um legalista. Mas porque ele é incapaz de guardar a lei e ainda assim é hipócrita, ele é um antinomiano. É por isso que Jesus se refere aos legalistas que professam suas boas obras para ele no juízo final como “praticantes da iniquidade” (Mateus 7:21–23).
O antinomianismo que Tiago agora enfrenta é manifestado por uma forma de hipocrisia religiosa entre os membros desta congregação judaica. Portanto, ele faz referência ao Shemá quando reconhece: “Você crê que existe um só Deus?”.
O Shemá era a oração mais importante em Israel e servia como ponto central dos serviços de oração judaicos da manhã e da noite. “O primeiro versículo resume a essência monoteísta do Judaísmo: ‘Ouça, ó Israel: O SENHOR, o nosso Deus, é o único SENHOR’ (hebraico: שְׁ מַ ע יִשְׁ רָ אֵ ל יְׁהוָה אֱֹלהֵינּו יְׁהוָה), encontrado em Deuteronômio 6:4. Os judeus observadores consideram o Shemá a parte mais importante do serviço de oração no judaísmo”.[15] Esses convertidos judeus teriam reconhecido imediatamente a referência de Tiago, e eles teriam entendido seu ponto.
Ele não estava dizendo que apenas a fé, o entendimento com assentimento, no Evangelho não é suficiente para salvar, como alguns cristãos modernos de língua inglesa [portuguesa] tendem a pensar. Em vez disso, ele estava confrontando sua hipocrisia religiosa, e a ferroada de comparar sua piedade com a dos demônios teria sido entendida como uma clara acusação contra eles. Pode-se até dizer que os demônios tiveram uma resposta mais adequada do que esses hipócritas porque pelo menos eles tremeram.
Esta é a chave para entender o ponto de Tiago neste versículo. Os hipócritas religiosos que estão na igreja visível tendem a crer em alguma medida da verdade revelada na Escritura. Eles, portanto, têm uma forma de piedade religiosa, mas não uma vida transformada, porque apesar de crerem que certas proposições sejam verdadeiras, eles não creem no Evangelho (“tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder” — 2 Timóteo 3:5). Há um tipo de fé religiosa que não produz obras porque não é uma fé dotada por Deus e a regeneração não ocorreu. A diferença, entretanto, não está no tipo de fé ou crença, mas nas proposições em que se crê.
Sean Gerety extrai outras percepções valiosas do tremor dos demônios que nos ajudam a entender a natureza da hipocrisia religiosa na igreja visível. Os falsos convertidos ou hipócritas religiosos não apenas creem em proposições verdadeiras reveladas na Escritura, mas também podem sentir paixão ou emoção sincera por causa dessas crenças. Gerety escreve:
Outro aspecto esquecido de Tiago não é apenas o que os demônios creem (Deus é um), mas sua reação em resposta a essa crença (tremor). Tiago está nos ensinando não apenas que a fé em Deus e o monoteísmo não são suficientes para tornar alguém um cristão, mas a sinceridade e a natureza “sincera” dessa crença também não é algo que salva uma pessoa — nem devemos ser enganados por tais exibições. Claro, isso colocaria a maioria dos televangelistas fora do mercado. Você pode dizer que Tiago está fornecendo uma refutação interessante da ideia kierkegaardiana de “paixão infinita” e a ideia de que é a “paixão” ou convicção que alguém traz aos objetos de suas crenças que salva, e não as proposições em que se crê.[16]
A perspicácia de Gerety é extremamente valiosa para nos ajudar a compreender a natureza e o engano dos falsos conversos. Muitas pessoas são enganadas a pensar que são crentes genuínos precisamente porque creem em alguma medida da verdade, e muitas vezes demonstram emoções sinceras. Infelizmente, essa percepção se perde para a maioria dos teólogos hoje, porque eles não têm tempo para entender Tiago. O pior é que eles têm insistido em perpetuar falsas noções de fé e inserir suas visões erradas no texto. Isso, sem dúvida, tem atormentado e continuará a atormentar a igreja com muita confusão.
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[1] SHAUGHNESSY, Tim. “The Demons Believe and Shudder!” ThornCrown Ministries, 14 de fevereiro de 2020, https://thorncrownministries.com/blog/2020/2/12/the-demons-believe-and-shudder.
[2] WEBSTER, William. The Church of Rome at the Bar of History. Banner of Truth Trust, 1996, pp. 133-134, ênfase adicionada.
[3] ROBBINS, John W. “R. C. Sproul on Saving Faith”. The Trinity Review, março de 2007, 3.
[4] BARNES, Doug. “Gordon Clark e o Sandemanianism”. Banner of Truth USA, 10 de janeiro de 2005, acessado em 12 de fevereiro de 2020, https://banneroftruth.org/us/resources/articles/2005/ gordon-clark-and-sandemanianism/.
[5] MINER, Luke. “What Is It to Believe on the Lord Jesus Christ?” The Trinity Review, setembro, outubro de 2017, 8.
[6] CLARK, Gordon H. What Is Saving Faith? The Trinity Foundation, 2004, p. 88.
[7] ROBBINS. “R. C. Sproul on Saving Faith”, 2.
[8] CLARK, Gordon H. “Saving Faith”. The Trinity Review, dezembro de 1979, p. 3.
[9] ROBBINS. “R. C. Sproul on Saving Faith”, p. 3.
[10] CLARK, Gordon H. What Is Saving Faith? The Trinity Foundation, 2004, 152
[11] CLARK. What Is Saving Faith?, p. 153
[12] ROBBINS. “R. C. Sproul on Saving Faith”, 2.
[13] BARNES “Gordon Clark and Sandemanianism”.
[14] ROBBINS, John W. “The Church”. The Trinity Review, setembro, outubro de 1989, 8, 9.
[15] “Shema Yisrael”, Wikipedia. 20 de janeiro de 2020, https://en.wikipedia.org/wiki/Shema_Yisrael
[16] GERETY, Sean. “Demonic Theology”, God’s Hammer, 1 de maio de 2009, acessado em 14 de fevereiro de 2020, https://godshammer.wordpress.com/2007/09/17/demonic-theology/
Tim Shaughnessy. The Demons Believe and Tremble! The Trinity Foundation Review, março de 2020. Tradução: Luan Tavares.