O Poder de Cura do Evangelho

Por C. H. Spurgeon

Luan Tavares
30 min readNov 30, 2020

Um dia, quando ele estava ensinando, achavam-se ali sentados fariseus e doutores da lei, que tinham vindo de todas as aldeias da Galileia e da Judeia, e de Jerusalém; e o poder do Senhor estava com ele para curar (Lc 5.17).

Lucas, o autor deste evangelho, era médico. Ou seja, tinha olho clínico para enfermidades e a ocorrência de cura. Pode-se identificar perfeitamente em todo o seu texto evangélico a mão de alguém habilitado em medicina e cirurgia. Disso podemos depreender que qualquer que seja nossa vocação, ou a arte ou ciência em que formos versados, devemos voltar sempre nossa atenção para a possibilidade do uso de nossos conhecimentos em prol de Cristo. Se chamados ao serviço do Senhor sendo médicos, por exemplo, maior será a nossa chance de melhor compreender a obra do Senhor Jesus sob o ponto de vista da nossa própria atividade profissional, assim como podemos fazer mais por nosso Senhor em verdadeira e substancial utilidade junto aos nossos pacientes. Que nenhum homem despreze, portanto, sua atividade honesta e sua vocação. Seja o que for que Deus haja colocado em suas mãos como instrumento para o seu sustento e o proveito de muitos, considere que nosso grande Comandante conhece perfeitamente que arma você domina e sabe manejar melhor. Não cobice a arma de fogo ou a lança do próximo, mas, sim, use aquilo que seu Senhor lhe concedeu e avance para a batalha da vida pronto a melhor servir de acordo com suas habilidades e capacidade. Se você foi colocado nessa ou naquela parte da vinha, considere apenas que está no melhor lugar para você e para o seu Mestre. Não passe o tempo todo julgando o que os servos seus colegas deveriam fazer ou não no lugar em que foram colocados, muito menos imaginando o que você seria capaz de fazer se estivesse no lugar deles ou em qualquer outro lugar que não o seu; mas, sim, veja o que é capaz de fazer onde está e use isso para glorificar seu Mestre e Senhor.

Pode-se verificar como, na linguagem de um homem sincero, amante da verdade, ele apresenta o seu próprio eu. Davi canta com frequência como alguém que tinha sido pastor de ovelhas em sua juventude e, já rei, não se envergonha de confessar haver um dia portado o cajado de pastor. Há também uma nítida diferença entre as vidências de Amós, boieiro e cultivador de sicômoros (Am 7.14), e Isaías, profeta oficial do reino. Homens verdadeiros não imitam uns aos outros, mas cada qual, movido por Deus, fala ou age de acordo com sua vocação inata, com a posição em que a providência, basicamente, neste mundo, o colocou. Foi nefasto para a arte egípcia quando os homens poderosos da terra traçaram as normas de bom gosto e as regras de escultura e pintura pelas quais todo artista deveria se pautar, afastando com isso tudo o que se referia à novidade e à originalidade. As proporções de cada estátua colossal e de cada figura pendente das paredes foram fixadas com rigidez, de modo que a glória e a excelência da arte propriamente dita desapareceram daquela terra. Aplicar o mesmo princípio à religião é ainda mais insensato. Afirmar que “todos devem falar de um só jeito e se conformar a essa maneira de falar e viver” é uma insensatez elevada ao seu mais alto nível. Que cada homem fale de acordo com o modo que lhe é próprio, cada qual segundo seu método próprio, cada alma vivificada trazendo sua individualidade e nela buscando exaltar a Deus e anunciar a riqueza de sua graça. Essas observações me são sugeridas pelo abundante registro de curas neste capítulo e por toda parte do evangelho de Lucas. O médico evangelista não escreve como João nem copia o estilo de Mateus. Não redige como um pescador ou um publicano, mas como médico. Lucas não deixou de ser Lucas quando chamado pela graça, mas continuou sendo o mesmo homem nobre, refinado e instruído, ao consagrar os dons que adquirira em seu chamado terreno a objetivos mais elevados. Era médico antes e tornou-se “o médico amado” após sua conversão.

I. O texto lido nos mostra, em primeiro lugar, que O PODER DE CRISTO NO EVANGELHO É ESSENCIALMENTE UM PODER DE CURA. E o poder do Senhor estava com ele para curar. O poder do evangelho, do qual Cristo é a essência e substância, é um poder de cura. Ao descer à terra, irmãos, Jesus poderia ter trazido consigo um poder destruidor. Seria muito justo se Deus tivesse enviado seu único Filho acompanhado de exércitos vingadores para destroçar este mundo rebelde. No entanto,

Tua mão, Jesus, não veio armada
De tua vingadora espada;
Não era dos objetivos teus
Ir à desforra, como Deus.

Tua misericórdia se alçou
E a ira ao trono renunciou,
Quando, ó Rei, vieste em missão,
E nos trouxeste a salvação.

Pois o Filho do homem não veio para destruir as vidas dos homens, mas para salvá-las (Lc 9.56), declarou francamente Jesus. Elias clamou por fogo do céu sobre cinquenta soldados e seu chefe, que vinham detê-lo, para consumi-los; Cristo traz fogo do céu com diferente propósito: de que os homens sejam salvos da ira vindoura. O evangelho não é um poder visando à destruição dos homens. Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (Jo 3.17), enfatiza o Senhor. Se o evangelho, para alguém, tiver cheiro de morte para morte (2Co 2.16), não será por causa das qualidades e desígnios a ele inerentes, mas, sim, devido à perversidade e maldade do coração humano. Se os homens perecerem por causa do evangelho da vida, é por haverem feito pedra de tropeço para si mesmos aquilo que deve ser, essencialmente, pedra de fundação.

O evangelho nem veio ao mundo sequer para apenas revelar enfermidades. É bem verdade que ele as desvenda, detecta e descreve, no caso do homem caído. Uma das mais nítidas exposições do estado de decadência do homem é o evangelho da graça de Deus. Contudo, é muito mais um desígnio da lei que do evangelho revelar ao homem a própria ruína. Foi no clarão dos raios no Sinai que os homens interpretaram trêmulos a sentença condenatória sobre aqueles que haviam transgredido a lei divina. A luz mais terna do Calvário, eles podem ler a mesma verdade, e devem fazê-lo, mas não é esse o seu objetivo principal. O Calvário é lugar de bálsamo curativo, não da lanceta e da faca. A obra de Jesus, nosso Médico celestial, não é tanto apontar nossa enfermidade, mas indicar e aplicar o remédio.

Certos filósofos tomaram a si a incumbência e o prazer, com um sorriso sarcástico e repugnante no rosto, de apontar com o dedo e identificar a maldade e a fraqueza humanas como tema para o ridículo e a zombaria. A filosofia dos estoicos e a sabedoria de homens como Diógenes não passam de uma demonstração cruel e desapiedada da loucura e do pecado humanos. Desconhecem o remédio e não se preocupam em buscá-lo. Expõem uma humanidade pobre, sujeita a ser intoxicada, ludibriada, aviltada e pervertida e nesse estado a deixam, passando ao largo, tal como fizeram o sacerdote e o levita em relação ao homem ferido da parábola do bom samaritano. Jesus, porém, não veio em missão tão infrutífera. Ele convence o mundo do pecado, mediante seu Espírito, não para que se desespere irremediavelmente de uma possível restauração, mas, sim, para recuperá-lo pelo seu poder. Jesus traz sobre si o poder para curar. Esta é sua honra, este o seu renome. Tem olhos de águia para avistar nossas enfermidades, destemido coração de leão para ir ao encontro delas e mão gentil de médico para lhe aplicar o unguento celestial. Nele, essas três qualidades essenciais a um bom cirurgião se unem com perfeição.

Amados, posso lhes afiançar que tenho presenciado este poder de curar em nosso meio. Sabemos, com certeza, que se trata de um poder divino esse, proveniente do nosso Senhor Jesus, pois, sem sombra de dúvida, ele é Deus. É prerrogativa exclusiva de Deus curar a enfermidade espiritual. A enfermidade física pode ser sanada por meio do homem como instrumento, embora, ainda assim, a honra deva ser dada, acima de tudo, a Deus, que concede virtude à medicina e poder à estrutura humana para expulsar ou debelar a doença. Quanto à enfermidade espiritual, no entanto, sua cura permanece restrita ao grande Médico. Ele a reivindica como sua exclusiva prerrogativa: Eu faço morrer e eu faço viver; eu firo e eu saro (Dt 32.39). Um dos melhores títulos do Senhor é Jeová Rafá, “o Senhor que te cura”. Te sararei as feridas (Jr 30.17) é promessa que jamais poderia ser pronunciada por lábios de homem, mas apenas do Deus eterno. Eis por que o salmista clama ao Senhor: Sara-me, Senhor, porque os meus ossos estão perturbados (SI 6.2); e, mais uma vez: Sara a minha alma, pois pequei contra ti (SI 41.4). Por isso, também, o piedoso profeta louva o nome do Senhor com as seguintes palavras: Ele tomou sobre si as nossas enfermidades (Is 53.4). Aquele que criou o homem consegue curar o homem. Aquele que foi no princípio o criador da nossa natureza consegue recriá-la. Que conforto excelente é saber que temos na pessoa de Jesus de Nazaré a Divindade encarnada! Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2.9). Minha alma, seja qual for a tua enfermidade, o médico dos médicos tem poder para te curar. Se ele é Deus, e é, impossível haver limite ao seu infinito poder. Se ele é divino de verdade, e é, impossível haver qualquer limite à magnificência de sua força. Vem, então, com os olhos cegos do teu entendimento, vem com o pé claudicante da tua energia, vem com a mão deformada da tua fé, vem apenas, do jeito que estás, pois Aquele que é Deus pode te curar com toda a certeza. Ninguém pode dizer ao fluxo curador de seu amor: Até aqui virás, porém não mais adiante (Jó 38.11). O grau extremo da enfermidade humana consegue ser alcançado por este grande médico. Confia, ó pobre coração duvidoso! Mantém tua confiança inabalável no divino Curador.

Embora o Senhor Jesus curasse na qualidade de divino, lembremo-nos de que tinha também poder para curar sendo humano. Está escrito que o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados (Is 53.5). Cristo não usou outro remédio para curar nossa enfermidade espiritual do pecado senão levando nossas dores e enfermidades sobre si. Foi o único “cura-tudo” da história. Bendito seja ele, o Filho de Deus, pelo fato de o remédio, por menos amargo que fosse, não ter de ser bebido por nós, mas já ter sido ingerido por ele mesmo. Ele tomou para si o terrível cálice no Getsêmane, e no Calvário o bebeu todo por nossa causa. Os cortes agudos, dolorosos, apesar de curativos para nós, da lanceta cirúrgica, não foram feitos em nosso corpo; ele os suportou em sua carne. Os profundos sulcos feitos pelo arado não marcaram as costas do pecador, mas do grande Substituto dos pecadores.

Quem já ouvira falar antes, ó terra, de médico como este — que cura sofrendo ele próprio? Cuja dor, mágoa, aflição, angústia, agonia, paixão e morte são o remédio por excelência por meio do qual ele remove o sofrer dos homens? Ó bendito Filho de Deus, se eu confiar em ti, sabendo que és divino, como te amarei! E como me agarrarei a ti, Senhor, sabendo que és humano! Com que enorme gratidão te verei ao olhar para a tua cruz, ao mesmo tempo que do teu bendito manancial de cura jorra um rio púrpura de purificação, e do teu coração, fonte de toda a nossa saúde espiritual, verte uma torrente celestial eficaz para lavar o pecador de toda enfermidade! Venham, venham todos os enfermos pelo pecado contemplar o glorioso Filho de Deus, feito à semelhança da carne humana, que entrega sua vida na cruz! Venham vocês que choram pelo pecado, paralíticos e doentes que estão por sua iniquidade! Aqui há poder, poder presente no Salvador, ainda que moribundo, para curar todos vocês, qualquer que seja a sua doença, física ou espiritual. Ele curou todos os que tinham necessidade de cura enquanto permaneceu na terra, e o bálsamo precioso de sua expiação nada o fez perder de sua força, mas a revigorou.

O poder para curar que habita em Cristo e dele procede, tanto como divino quanto como humano, é aplicável, acima de tudo, na remoção da culpa pelo pecado. Ao lermos este capítulo, detemo-nos com regozijo no versículo 24, quando ele mesmo declara firmemente aos que duvidavam do seu poder: o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados. Eis uma das mais poderosas e importantes virtudes do grande Médico: ele tem poder para perdoar os pecados! Enquanto aqui na terra, e antes mesmo de pagar por nós o preço do resgate, antes mesmo que seu sangue fosse aspergido no altar da misericórdia, já detinha o poder de perdoar pecados. Então, não o teria mais, depois que passou pela morte vitoriosa? Irmãos, nem podemos calcular o poder que possui Aquele que resgatou toda a dívida do seu povo, por mais irrisória que parecesse ser! Tem poder, sim, sabendo-se que na cruz deu cabo da transgressão e do pecado. E, se alguém ainda duvida disso, veja-o ressuscitar dentre os mortos! Contemple-o no esplendor de sua ascensão e em ocupar o trono à direita de Deus! Ouça-o rogar por nós diante do Pai eterno, realçando assim as próprias feridas, os méritos de sua paixão sagrada! Que poder para perdoar há nele! Tu subiste ao alto […] recebeste dons dentre os homens (SI 68.18). Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel arrependimento e remissão de pecados (At 5.31). Neste momento, pecador, Cristo tem poder para perdoar, poder para perdoar você, assim como a milhões que se encontram na mesma situação em que você está. Ele nada mais precisa fazer para obter de Deus Pai o perdão em seu lugar. Toda a sua obra de remissão dos nossos pecados está concluída. E ele pode, então, respondendo às suas lágrimas, perdoar seus pecados hoje mesmo, fazendo, inclusive, que você saiba disso. Pode soprar em sua alma, neste exato momento, a paz com Deus, que excede todo o entendimento e que brotará da remissão perfeita que faz de suas muitas iniquidades. Crê nisso, meu irmão? Confio que sim. Que você possa experimentar agora que o poder de cura do evangelho é poder para perdoar seus pecados! Não demore em recorrer ao médico das almas; corra para ele, usando de palavras como estas:

Jesus! Mestre! Ouve o meu gemido;
Faze-me, com uma palavra, curado;
Eis-me aos teus pés desfalecido,
Meu lamento ouve, sussurrado.

Perdoar os pecados não é a única forma assumida pelo poder de cura que habita sem medida em nosso glorioso Senhor. Ele cura também a tristeza causada pelo pecado. Conforme está escrito, ele sara os quebrantados de coração, e cura-lhes as feridas (SI 147.3). Quando o pecado se manifesta à consciência, torna-se para o pecador algo muito doloroso. Ter a consciência pacificada com eficiência é, então, uma bênção incomparável. Pois a convicção do pecado toma-se mais afiada que uma seta perfurando o peito ou um punhal atravessando o coração. Quem já sofreu as torturantes ferroadas de uma consciência culpada sabe bem que não há dor do corpo que se lhes compare. Esmagado sob a mão de Deus, o homem pode chegar até a ter uma ideia de como deve ser a desgraça total no inferno. Na mesma proporção, todavia, é a alegria do alívio que o Senhor Emanuel nos oferece, quando retira de nós todo o nosso sofrimento causado pelo pecado, em um só instante. Uma só promessa aplicada por seu Espírito, uma gota somente do seu precioso sangue transportada à consciência e, na mesma hora, tamanha paz, tão íntima e profunda, se produz, que nada há que se possa comparar. No caso da cura espiritual, vale em dobro, então, o que escreveu o poeta sobre a recuperação da enfermidade física:

Vede o ser humano de há muito lançado
Sobre o mais espinhoso leito de dor;
Quando, enfim, de toda a perda de vigor,
Respirando e andando, estiver sarado,
A mínima flor que veja o vale enfeitar,
O mais leve sopro de brisa que for,
A mais suave luz do sol, o céu, o ar,
Serão para ele o Paraíso escancarado.

Deus permita que o Sol da justiça se levante para você, que teme seu nome, trazendo cura debaixo de suas asas!

Jesus cura também o homem de submissão ao poder do pecado. O pecado pode ser tão poderoso no seu caso, meu caro amigo, que o carregue como um remoinho de vento, segundo seu bel-prazer. Você se sente como uma folha seca arrastada por uma tempestade. Não tem força para resistir às próprias paixões. Talvez haja cedido há tanto tempo a determinadas formas do mal que passou a experimentar a mais completa impotência em lutar contra elas. Não se desespere, no entanto. Cristo, com toda a certeza, pode libertá-lo. O endemoninhado geraseno de Marcos 5 abrigava tamanha energia maligna dentro de si que quebrava grilhões e cadeias com as quais era preso, além de se ferir com pedras e uivar a noite inteira, perambulando em meio a túmulos, no cemitério. Mas, quando Jesus o curou, ele logo voltou a se vestir normalmente e a agir em seu juízo perfeito, sentando-se até mansamente aos pés do grande Médico. Assim será também com você, pobre prisioneiro do mal. Não ache que precisa ser um bêbado para sempre ou dominado o tempo todo pelo seu temperamento furioso. Não imagine que deva continuar sendo um escravo da luxúria ou levado cativo pela vontade do demônio. Há esperança para você onde Cristo estiver. Apesar de sua enfermidade poder lhe parecer ser tão duradoura quanto talvez sua própria vida, uma palavra dos lábios poderosos do Filho de Deus tem força suficiente para curar até você. O poder do evangelho cura a culpa, o sofrimento e a influência do pecado; pois Jesus Cristo veio ao mundo para destruir as obras do diabo sob todas as formas.

Não nos podemos esquecer, ainda, de que o Senhor Jesus é capaz de nos curar das nossas reincidências no pecado. A recaída é geralmente mais temida pelos médicos do que a ação da doença antes da cura, existindo até certo período no processo de recuperação em que o vírus, resistindo, parece demonstrar energia renovada. O médico experimenta então a sensação de que agora, mais do que da vez anterior, a verdadeira batalha contra a doença terá de ser travada. Conhecemos pessoas que se dizem convertidas, e por isso confiamos em que tenham sido transformadas de fato, mas que voltam atrás, como o cão ao vômito e o porco ao lamaçal. Temos orado e pranteado por esses, em quem a transformação parecia ser grande, quando, na verdade, não passou da superfície, de modo que depressa o mal retomou a eles. Mas você, meu ouvinte, que apostatou, saiba que Jesus é capaz de curá-lo de sua apostasia. Essa é a sua grande misericórdia! Eu sararei a sua apostasia, eu voluntariamente os amarei; porque a minha ira se apartou deles (Os 14.4). Mesmo que você se tenha tomado sete vezes mais filho do inferno do que antes, ainda assim a misericórdia eterna, a mesma que expulsou uma legião de demônios de um homem em tempos passados, pode expulsá-los de sua vida. O poder de cura do meu mestre é tamanho que, se você tiver apostatado a ponto de percorrer um longo caminho para trás, mesmo assim ele lhe diz: “Volte! Volte! Volte!” Haverá mais alegria por você, pobre ovelha perdida, do que por 99 que não se desgarraram. Ele ficará mais contente em receber você, filho pródigo a vagar pelo mundo, do que se rejubilaria pelo filho justo que permaneceu sempre na casa do Pai.

Enfim, para concluir, meu mestre, nosso médico, opera curas de maneira repentina. Ele toca o enfermo e o feito é consumado no mesmo instante. E opera curas de todos os tipos. A ponto de ser prontamente superado por ele até o que seja pedra de tropeço para outros médicos. Lembre-se: Jesus nunca falha. Em seu diário médico, não consta um único caso que haja ultrapassado seu extremo poder. E cura com eficácia, a ponto de a enfermidade nunca mais ocorrer depois que a destrói de uma vez. Cura, com sua palavra, até aqueles que pensavam não poder ser curados. Não existem hospitais para almas incuráveis simplesmente porque não existem almas nessas condições. O amigo dos pecadores pode […] salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus (Hb 7.25). Casos de doença espiritual tão terrível ou repugnante que leve alguém até a sugerir, quanto ao enfermo: “Mandem-no para um lugar afastado, onde não possamos mais vê-lo”; vícios e pecados tão detestáveis que a simples menção nos faz enrubescer — até esses a mão de Mestre do Senhor Jesus pode perfeitamente curar. Para Deus, nada é impossível; portanto, para o Filho de Deus, que é um com Deus, nada é difícil ou insuperável. Ele pode salvar o pior dos pecadores, o mais indigno dos mais abjetos. O poder do evangelho destina-se a curar no mais alto grau concebível. Venha agora, pobre pecador, e contemple, adore e aceite Aquele que é capaz de curá-lo de suas feridas mortais, para sempre. Venha agora olhar para ele — e viver.

Eleva à cruz o teu olhar em sofrimento,
E vê o príncipe da Glória ali morrendo;
Eis que falece, mas do seu corpo sangrento
Bálsamo de cura está
para ti vertendo.

II. Uma segunda observação nos vem do texto: PARECE HAVER CERTAS OCASIÕES EM QUE O PODER DE CURA DE JESUS SE MOSTRARIA MAIS ABERTAMENTE. O versículo que temos à nossa frente diz, justamente, que em determinado dia o poder do Senhor estava presente para curar. Disso se depreende não que Cristo não fosse sempre Deus, não que em algum momento fosse incapaz de curar, mas que, em determinados períodos, haveria por bem ao Pai, e a Jesus, tomar manifesta em grau incomum a energia divina para Cristo curar. O mar nunca se esvazia. Na verdade, está sempre tão cheio em um instante quanto no seguinte. No entanto, nem sempre é maré cheia. O sol jamais se turva. Brilha com igual intensidade em todas as horas. Mas nem sempre é dia, tampouco podemos sempre nos aquecer no calor do verão. Cristo é sempre plenitude, mas essa plenitude nem sempre transborda. Tem poder para curar, mas nem sempre está empenhado especificamente em curar. Há momentos em que o poder de salvar se manifesta mais do que de costume — momentos de restauração, épocas de avivamento, dias de visitação, dias aceitáveis, dias de salvação. Qualquer estudante da história mundial que a analise à luz da verdadeira religião poderá observar que há épocas visivelmente mais favoráveis, em que o poder de Deus revela-se bem mais presente para curar os homens.

Minha convicção é de que estamos vivendo exatamente uma era assim. O momento presente parece ser um dos períodos estabelecidos para que o poder de Deus se tome mais evidente. Deduzo isso de vários sinais, mas até o texto bíblico me ajuda, no caso, em minha certeza. Note-se que naquela ocasião mencionada no texto havia um grande anseio entre as multidões em se ouvir a palavra de Deus. Lemos no início do capítulo que uma multidão pressionava Jesus junto ao lago de Genezaré buscando ouvi-lo pregar. Mais adiante, deparamos com gente acorrendo de toda parte, formando multidões, para vê-lo e ouvi-lo de perto. Há, inclusive, uma menção especial aos doutores da lei e aos fariseus por serem as últimas pessoas do mundo que se deixariam por ele impressionar; e, mesmo assim, como que arrebatados pelo entusiasmo popular generalizado, foram ter com o Senhor misturados à multidão. E-nos dito também que a população enchia de tal forma a casa onde estava Jesus que o paralítico não poderia ser conduzido até ele, em meio àquela concentração, a não ser por meio do expediente que usaram os amigos do entrevado de fazer uma abertura no teto.

Quando o poder de Deus se move, há um movimento correspondente entre o povo. Ele se mostra ansioso por ouvir a palavra de Deus quando o poder divino está com quem prega. Se as casas dedicadas à adoração e pregação lotam, encare isso como sinal da graça. Considere que o Senhor está prestes a encher a rede quando os peixes se amontoam em volta do barco. Não podemos esperar que o evangelho seja bênção propriamente para quem não o ouve ou não quer ouvi-lo; mas é lídimo e apropriado esperar que seja uma bênção para quem experimenta um imenso desejo de escutá-lo. Vejo no tempo presente um despertamento de fé entre as massas, em Londres. Não tão grande, talvez, quanto gostaríamos, mas, mesmo assim, autêntico. Sejamos gratos por ele. Não somos obrigados, na verdade, a aturar por muito tempo o absurdo pernicioso do tractarianismo.¹ A opinião pública nos ajudará a derrubá-lo. Levou muito tempo para a nossa nação despertar, mas finalmente está despertando. Acho que posso perceber o fluxo do sentimento popular já se voltando para a direção correta. As pessoas estão agora mais preocupadas com o pensamento religioso em geral e, quer o considerem certo quer errado, estão dando mais atenção do que antes à verdade da fé cristã. Aos locais onde ministros pregam com simplicidade e amor o evangelho de Cristo, mais e mais ouvintes acorrem para ouvi-los. Este é um sinal claro de que o poder do Senhor está presente para curar.

Observe-se, em seguida, que o poder de cura era patente quando Cristo ensinava. Observe com atenção a oportunidade, descrita no texto: Um dia, quando ele estava ensinando… (Lc 5.17). Jesus estabelecia uma relação entre a cura e o ensino. Se assim era com a cura material, muito mais com a espiritual, pois a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo (Rm 10.17). Amados, entre os nossos irmãos de quem podemos falar com maior certeza existe agora mais ensino de Cristo como jamais houve. Estou convenci do de que a maioria dos meus irmãos prega em maior plenitude e com maior fidelidade à verdade simples de Cristo Jesus do que em épocas passadas. Ensinar é retomar ao púlpito. Veja bem, meu caro ouvinte, quer você seja salvo, quer não: se você estiver presente onde Cristo é pregado em sua plenitude, onde é exaltado, proclamado e recomendado, saiba que se encontra em lugar onde ele também está presente para curar. Não está escrito, justamente, “eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”?

Outro sinal desse poder se acha com maior clareza nas pessoas enfermas curadas por Jesus. Sabemos que nesta casa, onde nos encontramos agora, não se passa um domingo sem que almas sejam convertidas. Temos como referência das reuniões de nossa igreja casos de centenas de pessoas que Deus tem abençoado mediante o simples relato da história da cruz. Isso constitui prova positiva de que Cristo vem sendo ensinado e as almas vêm sendo abençoadas; de que ele está presente de maneira notável para curar.
Outra coisa ainda a ser observada é que a ocasião em particular a que se refere o texto foi antecedida de um momento de oração por parte de seu principal agente. Notou? Ele se havia recolhido e orado; e então o poder do Senhor se fez presente para curar. Significa que até o próprio Cristo, senhor e doador da vida, em quem habita a plenitude da divindade e possui o Espírito sem medida, antes que o Espírito se manifestasse em grau mais elevado, se submetia a um isolamento especial dedicado a fervorosa oração. Isso nos diz com toda a clareza que a igreja precisa também orar se quiser ter o pleno poder da cura! Todavia, temos orado meus irmãos. Tem havido mais oração dirigida aos céus por esta congregação como creio que nunca houve antes, só mesmo talvez nos tempos apostólicos. A última segunda-feira, por exemplo, foi um dia de luta espiritual tão intensa que a bênção não poderia ser retida. Quase parei de tanto pedir mais; e espero em alegre expectativa a visitação celestial. Assim, não me apresento hoje tanto como um semeador, mas como um ceifador. Creio que os peixes estão na rede, bastando-nos puxá-la para terra firme. Deus queira que não arrebente de tão abarrotada de peixes!

Deus está conosco, e isso vale, sobremodo, para esta casa hoje. Maravilhas da graça estão sendo aqui operadas. Enquanto falamos, homens e mulheres estão sendo chamados a olhar para Cristo. Enquanto o exaltamos, olhos cheios de lágrimas estão se voltando para ele, e em mais de um coração pode-se ouvir a resolução: Levantar-me-ei, irei ter com meu pai (Lc 15.18). Todos os sinais se reúnem agora: o desejo de ouvir, o tempo estabelecido para a oração em oculto, o ensino da Palavra e a manifesta bênção das almas debaixo da Palavra. Entendo que, com isso, chegamos no presente momento ao mesmo estado descrito no texto.

III. Passando para a nossa terceira proposição, observamos que, QUANDO O PODER DO SENHOR ESTÁ PRESENTE PARA CURAR, PODE NÃO SE MANIFESTAR EM TODOS, MAS APENAS EM ALGUNS CASOS ESPECIAIS. É uma constatação um tanto melancólica verificar que, dos homens que se encontrem na área de ação do poder divino, nem todos são alcançados por sua operação. Tenho lido este versículo muitas vezes com um objetivo: tento fazer que o texto signifique, se possível, que o poder do Senhor se manifestaria também para curar os fariseus e doutores da lei ali presentes. No entanto, o texto não nos ensina isso. O poder de Deus não se fez presente para curar os doutores e fariseus; isso não aconteceu. A descrição bíblica dos fatos poderia dar a entender que o poder para curar estava sobre o Senhor em benefício daqueles que “achavam-se ali sentados”. Todavia, não é assim; é preciso considerar que a casa onde Jesus se encontrava não apenas os abrigava, mas, sim, estava lotada de verdadeira multidão de ouvintes e enfermos, a ponto de só permitir se alcançar o grande Mestre que curava por meio de uma abertura no teto. O poder para curar se faria presente, sem dúvida, mas em benefício de outros, como o paralítico, e não dos doutores da lei nem dos fariseus. Contudo, como eles estavam tão perto de poder obtê-lo também! Se ao menos tivessem consciência da própria enfermidade e se dispusessem a confessá-la, havia poder suficiente para curar até eles. Do modo em que tudo aconteceu, no entanto, não lemos que nenhum deles tenha sido curado — nem um único doutor da lei, nem um único fariseu experimentou o poder que se encontrava tão perto deles, a ponto de deixá-los estupefatos e confusos e cometerem a falta de criticar tudo aquilo que viam e ouviam.

Ouvintes queridos, esta mesma observação melancólica pode ser aplicada a alguns dos que estão aqui presentes. Você pode se encontrar em meio a uma congregação como esta, que se encontra sob a constante visitação impressionante da graça de Deus, e, no entanto, não ocorrer poder divino algum operando em seu coração para curá-lo. Note que, no texto, quem deixou de receber essa graça não foram, por exemplo, as meretrizes; por mais desprezíveis em seu caráter que elas fossem, muitas sentiram o poder do amor de Deus mediante Jesus e vieram a ingressar em seu reino. Não vemos também que esse mesmo poder fosse recusado aos publicamos; temos no evangelho, inclusive, o exemplo de um deles que, convertido, ofereceu um banquete em sua casa para Cristo. Onde esse poder não se manifestava, nem era buscado nem sentido? Em primeiro lugar, entre os homens mais instruídos, supostamente, nas coisas de Deus, os doutores da lei. Tais mestres julgavam saber demais para se submeterem ao ensino daquele modesto, mas, na verdade, o mais sábio Rabi. Existe essa condição, como a dos doutores da lei, de saber demais a ponto de não saber nada, de ser ou se julgar tão sábio a ponto de não passar de um mero tolo. O conhecimento desses doutores era do tipo que incha, mas não de fato procedente de Deus. Ah, ouvinte querido, cuidado com o conhecimento mental sem conhecimento do coração. Cuidado para não ser tão ortodoxo a ponto de se estabelecer como juiz do pregador, de rejeitar a ideia de se submeter à verdade. Cuidado para não dizer, friamente, sem sentir: “Oh, sim, sim, sim, isso se aplica perfeitamente bem à vida de fulano de tal; muito bem colocado”. Sinta — e não critique. Seria preferível que, nesse caso, você fosse um homem rude, do campo, que assobia enquanto maneja o arado, alguém que nada sabia dessas coisas até o dia de hoje, mas que as ouviu agora em toda a sua novidade, poder e beleza pela primeira vez; seria melhor para você do que ouvi-las tanto a ponto de lhe ecoar nos ouvidos como um sino que toca todos os dias e de cuja monotonia você já está cansado. Cuidado para não descer ao inferno com uma pedra de mó de doutrina em volta do pescoço, pois, se condenado, você poderá perecer, pensando conhecer ou não realmente a verdade. Se você entender as fórmulas, adotar o credo e imaginar-se então mestre dos outros, será mais fácil perecer nesse estado do que se tivesse entrado em um lugar como este ignorante de tudo, mas desejoso de coração de ouvir a Palavra em sua mais simples mensagem. Foi o caso desses homens instruídos, que não alcançaram o poder para serem curados.

Aqueles outros que tinham uma boa opinião sobre si mesmos também ficaram sem bênção. Os fariseus! Não haveria pessoas melhores, de Dã a Berseba, do que eles, se você os considerasse pelo juízo que faziam de si mesmos. Observe com o devido respeito sua apresentação e seu procedimento públicos. Não eram dos mais notáveis? Repare na largura da orla de suas vestes! Quão visíveis os seus filactérios! Com que diligência lavavam as mãos antes de comer! Quão escrupulosos se mostravam ao retirar moscas do vinho! Quão cuidadosos ao pagar o dízimo da hortelã, do endro e do cominho! No entanto, foram essas mesmas pessoas que também não obtiveram nenhuma bênção de Jesus. Eram “boas demais” para serem salvas. Quantas existem desse tipo! “Ora”, poderá alguém alegar, “nunca roubei ninguém. Criei minha família com todo o respeito e sempre me conduzi com tanto decoro que seria impossível alguém encontrar falha em mim”. Certo. Mas justamente por ser tão “perfeito” você “não precisa” e não terá Cristo; simplesmente, não se julga enfermo, de modo que não tem necessidade de médico. “Ah”, exclama outro, “mas basta cumprirmos nossos deveres da melhor maneira possível e tudo o mais dará certo para nós”. Está bem. Se pensa assim, você acabará descobrindo que, depois de cumprir seu dever da melhor maneira possível, continuará sem ter parte alguma, nem porção alguma, do Salvador; pois é evidente, como você mesmo demonstrou, que isso é coisa de que não precisa nem faz questão. O Senhor Jesus levará em conta essa sua demonstração e então lhe dirá: “Eu não o conheço. E como poderia? Você nunca ficou doente e, se ficou, nunca precisou de mim. Você sempre se declarou perfeito e completo e afirmou que jamais se curvaria para aceitar a salvação que eu, o Salvador, vim trazer”. Assim Jesus se dirigirá a você, que, orgulhoso, hoje despreza sua graça.

Além disso, no texto, os que não obtiveram a bênção não foram somente os instruídos e os que se julgavam muito bons; mas também aqueles que ficaram olhando de longe, sem querer se envolver. Como alguém já comentou, eles não tinham ido até ali receber o ensino de Cristo, mas apenas assistir à pregação. O antigo estilo do prólogo dos sermões costumava ser o seguinte: “Sermão pregado diante do ilustre ou do venerável fulano de tal”. Esse é o pior tipo de sermão que existe: aquele que é feito diante das pessoas, sem que elas se envolvam. A pregação feita diretamente para as pessoas é a única digna de se ouvir e que vale a pena ser proferida. Na ocasião da narrativa que lemos, é de supor que havia ali certo número de pessoas que não se aproximaram de Cristo para que operasse na vida delas. Não eram propriamente pacientes, mas “visitas de hospital”. Como visitas, davam voltas em tomo dos leitos, liam as prescrições médicas para os enfermos, observavam curiosos caso a caso; e, quando o médico entrava e começava a exercitar sua arte sobre o doente, punham-se de lado, observando, para depois criticar seu tratamento. Imaginavam, o tempo todo, que eles próprios gozavam de perfeita saúde. Se ocupassem um daqueles leitos, reconhecendo ser tão ou mais enfermos que os demais, teriam sido curados também. Manifestavam, porém, um interesse apenas superficial na cura, pois não tinham ido até ali para tomarem parte nela.

Cuidado, querido ouvinte, para não frequentar locais de adoração como simples espectador. Não haverá espectador algum no céu nem no inferno. Cuidado, portanto, para não bancar o espectador na adoração a Deus aqui. Cada verdade proferida pelos servos de Deus está relacionada diretamente a você. Se for ameaçadora e você se sentir em amargor de espírito, ela então é sua, é para você; trema debaixo dela! Se, pelo contrário, for uma promessa de amor divino e você sentir não ter parte alguma nela, tema e trema também, envergonhe-se, tome como sinal de alerta e corra para Cristo, a fim de poder se tornar dela um ativo participante. Quem não alcança bênção alguma são justamente aqueles que imaginam não necessitar dela, colocando-se ao largo, comparecendo tão somente para ver e serem vistos, mas não para receber a cura.

Quem não experimentou o poder da cura ficou assistindo à cena com desdém e criticando. Mais à frente, no capítulo, vemos que alguns deles questionam: Quem pode perdoar pecados, senão só Deus? (Mc 2.7). Se uma pessoa nada extrai de bom para si do ministério, certamente irá concluir nada haver de bom no ministério. Se não consegue obter água do rio por não querer se curvar para beber, poderá concluir erroneamente que o rio está seco. Na verdade, é o seu joelho teimoso que se recusa a dobrar ou a sua boca resistente que não aceita se abrir para receber a água do evangelho. Mas, quando reclamam, criticam, levantam questão, contendem, logo reconhecemos a que tipo de gente essas pessoas pertencem. Identificamos imediatamente sua espécie ao nos lembrarmos de como Jesus as classificou, ao repreendê-las severamente: Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? (Mt 23.33). Sim; não escaparão da condenação aqueles que, ao ouvirem o evangelho, só lhes serve para tomá-lo alvo de sarcasmo e objeto de ridículo e chacota; que olham com ar irônico para a cruz sobre a qual está seu único e autêntico Salvador e fazem pilhéria do sofrimento e da agonia do verdadeiro Redentor do mundo. Cuidado para que tal pilhéria que se ache constantemente em sua boca aqui na terra e você não a tenha de engolir no inferno. Cuidado para que seu escárnio não se volte contra você no último grande dia, quando deverão se cumprir as palavras de Salomão: Mas porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a minha mão, e não houve quem desse atenção (Pv 1.24); […] também eu me rirei no dia da vossa calamidade (Pv 1.26). Houve pessoas, portanto, naquela oportunidade, a quem de nada serviu o poder presente de Cristo para curar. Pode ser que outras haja, agora, semelhantes. Você, meu amigo, minha irmã, não é uma delas, é?

IV. Por último, quero que o povo cristão aqui reunido observe que, UMA VEZ PRESENTE, O PODER DE CRISTO, AO MESMO TEMPO QUE SE MANIFESTA, COLOCA EM OPERAÇÃO A ENERGIA DE SEUS AMIGOS E SEGUIDORES.

Queridos irmãos, a vocês em especial dirijo o que tenho agora a dizer, com toda a ênfase. Notem, no texto, que, assim que se descobriu estar presente ali o poder de cura do Senhor, corações amorosos trataram de trazer doentes para o experimentar. Quatro homens, segurando firmemente os cantos de um leito, levaram até Jesus um homem paralítico, incapaz de ir até ele por si mesmo, fazendo-o descer, com toda a dificuldade, por uma abertura que fizeram no telhado. Deus está abençoando a igreja agora. Unam-se, portanto, homens e mulheres cristãos, unam-se para orar por seus amigos que não possam ou mesmo não queiram orar por si mesmos. E, ao depararem com alguém em profunda aflição, paralisado de tal modo pelo desespero que seja incapaz de levantar um dedo sequer de fé, empenhem-se por trazê-lo de todo modo possível para ouvir o evangelho. Tragam-no até onde Cristo opera milagres. Se você sozinho não conseguir ser bem-sucedido nem na apresentação de um enfermo espiritual ao Senhor, junte-se a mais alguém; se dois não forem suficientes, que três e logo quatro combinem suas súplicas, em perfeita harmonia. Se quatro, mesmo assim, não bastarem, convoquem a igreja, peçam a todos que orem com vocês. Esforcem-se, enfim, por trazer pecadores moribundos até onde Cristo está operando milagres de cura e de vida.

Continuando a ler o capítulo de Lucas, você logo ficará sabendo, com toda a certeza, como fazer chegar até o Salvador pessoas que jamais o ouviriam. Vemos então que o publicano Levi, ou seja, Mateus, deu um lauto banquete em sua casa, com uma excelente intenção: “Eu gostaria que Jesus viesse à minha casa e pregasse aos cobradores de impostos, meus colegas. Eles são grandes pecadores, eu sei, assim como eu também. Se ao menos conseguisse fazer que o ouvissem, pode ser que muitos deles, tal como eu, viessem a se converter. Mas”, raciocinou, “se os convidar a ouvir Jesus, na mesma hora responderão que não têm tempo nem condições de perder algumas horas de trabalho. Não vão querer vir só para ouvir um sermão, mesmo sendo do mestre. Ah, sim”, ele teve então uma ideia, “vou convidá-los para um banquete em minha casa! Virão com certeza, e aí pedirei a Jesus que venha também e coma conosco. Sei que Jesus não os deixará ir embora sem lhes dirigir uma boa palavra!” Como você pode ver, Mateus usou de uma atração, semelhante, de algum modo, à dos caçadores para pegar suas presas. Você não se sente assim, vigilante e zeloso para com seus amigos e parentes, como aconteceu com ele? Não consegue atrair os proscritos, os que não guardam o dia do Senhor ou nunca vão à igreja, à sua casa ou de outro crente, usando de uma forma de poder expô-los à sã Palavra de Deus? Se você mantém flores em um vaso dentro de casa, quando chove no verão não as leva para fora, não as coloca ao ar livre para que tomem um pouco de chuva? Faça o mesmo com seus amigos, vizinhos, filhos, parentes. A chuva da graça está caindo. Procure, então, colocá-los debaixo dela! Se não quiserem ir de um jeito, experimente outro, mas faça que vão até onde o poder do Senhor está presente! Jesus olhará diretamente para eles, e eles, para Jesus, e serão curados.

Permitam-me lhes assegurar, por fim, que, se eles não forem salvos, a responsabilidade, nesse caso, não recairá sobre vocês, como também a responsabilidade quanto a vocês, esta manhã, não repousa sobre mim. Temos proclamado, vezes sem conta, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores. Temos dito insistentemente que o Pai celestial está disposto a receber os pecadores de volta; que se deleita na misericórdia e é poderoso para apagar para sempre o pecado. Temos repetido sem cessar que o sangue de Cristo pode purificar o mais impuro pecador e que todas as formas de pecado e blasfêmia serão perdoadas aos que se arrependam. Temos instado, enfim, para que vocês acorram como pombos para junto de Jesus. O poder do Espírito de Deus tem trazido a ele muitos de vocês, que, hoje, são salvos. Mas, ah, meu Deus, permanece ainda uma multidão sem ser salva! Se perecerem, porém, não será porque Cristo deixou de ser aqui ensinado. Se alguns de vocês descerem ao inferno, certamente terão até uma luz brilhando nas pálpebras, mas mantendo, infelizmente, os olhos cerrados de propósito para ela. Perecerão fechados para a luz, mesmo com a voz da misericórdia ecoando em seus ouvidos. Uma vez no inferno, talvez venham a ser então tremendos monumentos da justiça de Deus, que provavelmente lhes dirá: “Vocês pecaram contra a luz e o conhecimento, contra o amor e a misericórdia”. Vejam bem: se pereceram aqueles que desprezaram a lei de Moisés, como escaparão vocês se negligenciarem tão grande salvação? Possa o Espírito Santo agora, com poderosa energia, aplicar o sangue precioso de Jesus em cada ouvinte. E a Deus seja a glória para sempre. Amém.

Bendito Salvador, a teus pés prostrado,
Eis-me aqui para morrer ou ser curado;
Tua graça impeça o meu temor pungente,
Graça que triunfa, graça onipotente.

“Afasta de mim o dardo envenenado,
Trata e medica meu coração magoado;
Dá à minha face saúde exuberante,
Muda a sombria noite em manhã radiante.

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¹ [NT] Também conhecido por Movimento de Oxford, pretendia demonstrar que a Igreja Anglicana descendia diretamente da igreja estabelecida pelos apóstolos.

C. H. Spurgeon. Milagres e parábolas de nosso Senhor: a obra e o ensino de Jesus em 173 sermões selecionados. Tradução de Jurandyr Bravo, Lilian Jenkino, Emirson Justino. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 706–715.

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Luan Tavares
Luan Tavares

Written by Luan Tavares

“Tudo é possível àquele que crê.” (Marcos 9:23 NVI)

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