O Início dos Milagres de Jesus
Charles H. Spurgeon
Assim deu Jesus início aos seus sinais em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele (Jo 2.11).
Não vou entrar em maiores consideração sobre a relação desse milagre com abstinência total. O vinho que Jesus criou era bom, feito de água. Não há possibilidade de produzirmos qualquer coisa desse tipo atualmente, quando o vinho é raramente feito do puro suco de uva ou nem se sabe do que é feito. O que hoje chamamos de vinho é um líquido bastante diferente daquele que nosso Senhor produziu divinamente. Usamos nossa liberdade cristã para nos abster do vinho e achamos que o Senhor aprovaria nosso afastamento daquilo que, nos dias correntes, ofende nossos irmãos. Aqueles que abdicamos da taça intoxicante de hoje temos nossa maneira própria de ver a ação do mestre nesse episódio e não pensamos que seja difícil ver nela muita sabedoria e santidade; todavia, mesmo que não pudéssemos interpretar assim o que ele fez, não ousaríamos questioná-lo. Onde outros contestam, nós adoramos. Até mesmo isso, no entanto, é mais do que eu pretendia dizer. Meu objetivo, esta manhã, está bem longe dessa controvérsia. Busco um tema espiritual e oro pedindo ajuda do alto para tratá-lo de maneira a mais adequada.
Encontramos a descrição desse milagre apenas em João. Nem Mateus nem Marcos nem Lucas trazem uma palavra sequer sobre ele. De que maneira João ficou sabendo disso? Em parte, isso se deveu ao fato de ele estar presente. Contudo, o prefácio, referente à mãe de Jesus, chegou até ele certamente de outra maneira, penso eu. Lembremo-nos das palavras de nosso Senhor a João, quando na cruz, e de como depois o evangelista as conclui: E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa (Jo 19.27). Na verdade, na festa, ninguém mais teria ouvido a palavra de Jesus a sua mãe além dela própria. Foi típico da amabilidade do Senhor proferir sua suave reprovação apenas a ela. Mas quando, tempos depois, João e a mãe de Jesus vieram a conversar sobre o assunto, ela, com toda a certeza, ao relembrar o milagre, contou-lhe sua participação no caso. Os santos ganham coisas preciosas dos pobres de Deus e de seus servos provados; aqueles que acolhem viúvas e órfãos desamparados não deixam, assim, de ser recompensados.
Se minha conjectura estiver correta, vejo aqui a santa modéstia da mãe do Salvador — ela foi capaz de narrar sua própria falha e não coibiu João de vir a mencioná-la. O Espírito Santo moveu o evangelista a registrar não apenas o milagre, mas também o ocorrido humanamente com Maria. Isto foi bastante sábio da parte de Deus, pois tomou-se forte argumento contrário à ideia de que a mãe de Jesus pudesse alguma vez interceder por nós junto a seu Filho ou usar de autoridade sobre ele. Fica evidente, com base nesta narrativa, que nosso Senhor não aprovaria uma tal ideia, que provavelmente não estava na mente de sua mãe, mas que viria a surgir na mente dos homens. Mulher, que tenho eu contigo? (Jo 2.4) é uma sentença que faz badalar o sino da morte de qualquer ideia de que nosso Senhor pudesse ser movido ali por um relacionamento filial-materno, ou seja, segundo a came. Embora com respeito amoroso, mas de maneira decisiva, ele interrompe ali toda interferência possível vinda até mesmo de sua mãe, pois o reino que estava para inaugurar deveria ser de acordo com o espírito, e não com a came. Alegro-me em crer, todavia, em relação à mãe de Jesus, que, embora haja caído em um erro, no caso, natural, não persistiu nele nem um instante. Também não o escondeu de João, mas, provavelmente, resolveu justamente contá-lo ao apóstolo para que ninguém mais viesse a cair em erro similar ou pensar nela de maneira inadequada.
Não nos esqueçamos de que a mãe de Jesus tinha uma fé firme e prática em seu Filho, de quem anjos e profetas haviam dado testemunho. Ela o teve, o amou e criou como uma mãe a um filho, e, embora não deva ter sido fácil para ela ter de crer na divindade daquele a quem havia acalentado e amamentado na infância, ela creu. Desde seu nascimento maravilhoso, acreditou em Jesus como o Salvador prometido. Agora, ao receber dele o aviso, logo o entendeu, e sua fé não a abandonou. Pelo contrário, voltou-se tranquilamente para os servos da festa e recomendou-lhes que estivessem prontos a obedecer às ordens dele, quaisquer que fossem. Sentiu que ele estaria certo em fazer o que fosse correto e necessário. Talvez com base nas palavras de Jesus “Ainda não é chegada a minha hora”, haja provavelmente concluído que a hora de seu Filho agir certamente chegara. Sua fé podia ainda estar acompanhada de alguma imperfeição, mas já era do tipo certo. Ela creu e perseverou em face da dificuldade passageira e, ao final, sua fé foi triunfante, pois o vinho que havia acabado voltou de forma abundante, e sendo ainda esse novo fornecimento de um vinho de insuperável qualidade. Que tenhamos uma fé que sobreviva às advertências de Deus. Que tal como Maria, a serva, possamos cantar o meu espírito exulta em Deus meu Salvador (Lc 1.47). Que Jesus esteja conosco como esteve sempre, mediante sua fé, com ela — como sendo, ele, pessoa amada e de nossa total confiança, em quem nossa alma aprendeu a crer e esperar. Foi tendo este fim em vista que escolhi o tema desta mensagem. Oh, que os discípulos de Jesus possam sempre confiar nele mais e mais! Ao final de seu Evangelho, João declara em relação aos feitos, que ali narrou, de nosso Senhor: Estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome (Jo 20.31). Verdadeiramente, posso dizer que este sermão também está sendo pregado para que meus amados ouvintes possam crer no Senhor Jesus e ser salvos.
Consideraremos três coisas em relação ao texto: primeiramente, o significado desse início de milagres. Leia “sinais” em vez de milagres e você estará mais próximo do significado do original. Esse “início de milagres” tinha o objetivo, tal qual tudo o que se seguiu, de ser um sinal instrutivo. Em segundo lugar, observaremos sua singularidade como manifestação: E manifestou a sua glória (Jo 2.11). E, em terceiro lugar, sua suficiência como confirmação da fé: E os seus discípulos creram nele (Jo 2.11). Tal início fora calculado para poder estabelecer a fé deles, e assim foi.
I. Para começar, vamos refletir sobre O SIGNIFICADO DESSE INÍCIO DE SINAIS. Que o Espírito Santo graciosamente ajude os nossos pensamentos e aqueça o nosso coração!
O primeiro sinal ou maravilha que Cristo opera é a transformação de água em vinho nas bodas em Caná da Galileia. Assim como geralmente julgamos o caminho de um homem pelo seu começo e por ser o início quase sempre a chave de tudo o que se segue, que possamos aprender o sentido geral dos milagres de nosso Senhor a partir deste.
Observe-se, em primeiro lugar, que esse milagre mostrou sua autonegação. Nosso Senhor estivera pouco antes no deserto e, depois de quarenta dias de jejum, teve fome. Estava em seu poder ordenar, então, que as pedras se tornassem em pão; mas, se acaso houvesse sido este o início dos seus sinais, teria sido um milagre realizado em favor de sua própria necessidade. Tal começo não estaria de acordo com o curso de sua vida e, especialmente, estaria muito longe de sua conclusão, quando, em relação a ele, chegou-se a dizer: A outros salvou; a si mesmo não pode salvar (Mt 27.42). Ele, enfim, não criou pão para si mesmo, mas fez vinho para os outros. Além disso, o fato de haver feito vinho, e não pão, toma esse milagre inicial ainda mais notável. Ele não fez, na ocasião, simplesmente pão, que é uma necessidade, mas foi além, fazendo vinho, que é um luxo, muito embora para si mesmo não tenha feito, antes, nem pão. Veja-se então o forte contraste entre sua recusa em ajudar a si mesmo, não criando nem mesmo uma casca de pão, e sua prontidão em ajudar os homens, não lhes oferecendo propriamente o que seria estritamente necessário à vida, mas algo necessário à sua felicidade e alegria. Ao ter acabado o vinho, havia muita possibilidade de o noivo e a noiva, assim como os convidados, se sentirem desapontados e de a festa do casamento acabar em fracasso. Nosso Senhor impediu isso. Não permitiu que uma simples festa humilde de casamento de aldeões chegasse a um fim tão insípido e precoce, uma vez que haviam tão gentilmente honrado com um convite a ele, a sua família e seus discípulos. Jesus retribuiu a amável cortesia por meio de generosidade espontânea.
Quão grandemente nosso divino Senhor deve ser admirado e amado por nós! Veja sua notável benignidade! Ele não tem nenhum tipo de pretensão de heroísmo dentro de si. Cada um de nós pode dizer: “Ele me amou e se entregou por mim”. Ele entregou sua vida inteiramente pelos homens, deu aos outros tudo o que tinha. Nenhum desejo egoísta jamais atingiu sua consagrada vida. Nada guardou de seu poder para si, mas, para os outros, usou sem restrições o seu poder. Esse início de milagres é uma mostra de seu trabalho altruísta. A consideração para com os outros é apresentada nesse seu primeiro milagre tal qual o sol se mostra nos céus.
Observe-se, a seguir, que esse milagre foi marcado pela beneficência. Por ter sido o “início dos milagres”, o primeiro deles, é padrão para todos os outros. Bem-aventurados somos, portanto, por haver sido esse primeiro milagre tão cheio de bênçãos! Moisés iniciou sua obra no Egito com um milagre de julgamento. Lançou ao chão uma vara, que se tornou logo uma serpente. Com essa mesma vara, levou depois a água a se transformar em sangue. Jesus vence a serpente com a vara das Escrituras e transforma a água em vinho. Não faz ocorrer praga alguma, mas, pelo contrário, cura as nossas doenças. Bendito o nosso mestre, pois:
As mãos do Salvador
Nenhum castigo têm.
À alma do pecador
Ele deseja o bem.
A missão de Jesus é uma missão de felicidade e, por isso, se inicia numa festa de casamento. Tem o propósito essencial de trazer júbilo e ventura aos corações endurecidos e magoados e, assim, começa com um feito de verdadeira bondade. Durante a coroação dos reis, a tubulação de Cheapside era enchida de vinho¹ e, aqui, são as talhas cheias dessa bebida até a borda. Todos os milagres seguintes foram igualmente beneficentes. E bem verdade que Jesus secou uma figueira que não tinha frutos. Mas não deixou de ser um ato de beneficência secar uma árvore que oferecia aos homens uma falsa promessa de frutos e, assim, causava desapontamento aos passantes famintos e cansados, ensinando-nos uma lição prática de honestidade a um custo baixo de perder uma árvore que, afinal, para mais nada servia. Todas as ações de nosso Senhor para com os homens são cheias de benevolência e graça real. Haverá um dia em que o cordeiro, com ira divina e como Juiz, condenará o ímpio. Mas enquanto durar a atual dispensação, ele é para nós todo misericórdia, amor, bondade e generosidade. Meu ouvinte, se você se achegar a Jesus, descobrirá que o coração dele vai em sua direção e que ele há de abençoá-lo abundantemente com vida, descanso, paz e alegria. O Senhor o abençoará e removerá toda maldição para longe de você.
Esse início de milagres foi operado em uma festa de casamento para mostrar mui grande beneficência.
O casamento foi a última relíquia do paraíso deixado entre os homens, e Jesus apressa-se em honrá-lo com seu primeiro milagre. O casamento é uma ordenança do Pai. Para ele, foi o motivo pelo qual levou Eva a Adão. Nosso Senhor, trabalhando em harmonia com o Pai, toca simbolicamente na própria origem da humanidade e dá sua confirmação a essa ordenança mediante a qual a raça humana é perpetuada. Jesus vai a uma festa de casamento e dá sua bênção ali para que saibamos que nossa vida familiar está sob o seu cuidado. Quanto devemos de fato, à alegria do nosso relacionamento doméstico! E a partir dele que a vida é transformada de água em vinho. Temos refletido algumas vezes ser quase uma prova da divindade do cristianismo o fato de que possa haver lugar tão feliz como muitos de nossos lares têm sido, pela presença de nosso amado Senhor, a quem, certamente, temos tido como convidado de honra de nossa festa de casamento; o qual, aliás, nunca mais se vai, mas, sim, permanece conosco, em nosso lar, por todos os nossos anos de felicidade. Por isso, já foi um milagre seu honrar publicamente o casamento, confirmando uma instituição cheia de tanta felicidade para os seres humanos.
O primeiro dos milagres foi também um milagre dos mais compassivos. Todos os milagres de nosso Senhor foram sempre realizados para satisfazer uma necessidade. No caso, o vinho havia acabado na festa, e o milagre chegou bem na hora da emergência, quando o noivo poderia passar a ser injustamente envergonhado. Essa necessidade foi, assim, uma grande bênção. Se houvesse vinho suficiente para a festa, Jesus não teria realizado esse milagre, nem eles teriam jamais provado do mais puro e melhor vinho. Uma necessidade bendita abre espaço para Jesus entrar com seus milagres de amor. E bom ter falta, assim, para que possamos ser levados ao Senhor por causa de nossas carências, pois ele irá fazer mais por nós do que apenas supridas. Se você não tem necessidade alguma, meu caro ouvinte, Cristo não virá até você. Mas, se você tem uma carência profunda, a mão de Jesus se estenderá até sua pessoa. Se a sua necessidade se colocar diante de você como uma enorme talha para água vazia, ou se a sua alma estiver cheia de dor do mesmo modo que aqueles vasilhames foram enchidos de água até a borda, Jesus, mediante sua doce vontade, poderá transformar sua água em vinho, seu lamento em canto. Alegre-se por ser fraco, para que o poder de Deus possa repousar sobre você.
Quanto a mim, cada partícula de minha força depende mais e mais do Senhor. Diáconos e presbíteros sabem com que frequência, antes de subir ao púlpito nas manhãs de domingo, agradeço a Deus por ser assim. Sou feliz por ser inteiramente dependente do Senhor, por ter escassez do meu vinho natural de capacidade, a fim de que haja espaço para o meu Senhor vir e suprir com o seu vinho da força, que é de bem melhor qualidade porque é divino. E bem mais provável que façamos nossa obra muito melhor ao sentirmos nossa insuficiência e sermos levados a Deus em busca de ajuda. Se formos procurar fazer nosso serviço à nossa desajeitada maneira certamente fracassaremos; mas se, em vez disso, procurarmos fazê-lo de maneira tímida e trêmula, mas olhando confiantemente para o Senhor, seremos mais do que vencedores.
Se tivermos uma grande necessidade, se alguma coisa essencial acabou, se existe a possibilidade de sermos desprezados por causa de algum fracasso, esperemos, pela fé a vinda do Senhor Jesus para a nossa libertação. Aprendi com este milagre de Caná que o nosso Senhor olha sempre para a necessidade do homem, não para suas posses. Ele olha com toda a atenção para a nossa fraqueza e carência, fazendo da nossa angústia a plataforma sobre a qual manifesta a sua glória, ao suprir todas as nossas necessidades.
Não podemos deixar de notar, além disso, quão condescendente foi esse milagre! Lemos duas vezes no texto bíblico que ele foi realizado em Caná da Galileia. E isso é mencionado duas vezes, certamente, para que possamos observar que nosso Senhor não escolheu um dos lugares mais destacados de Jerusalém, nem qualquer das cidades de maior notabilidade da Palestina como cenário para o seu primeiro milagre. Estava, porém, em um pequeno e tranquilo vilarejo da Galileia — Galileia dos gentios, lugar menosprezado pelos judeus, e foi ali que realizou seu primeiro milagre — na cidadezinha dos juncos e das canas, a chamada Caná da Galileia.
Ele realizou esse sinal não em uma ocasião espiritual e sagrada, nem diante dos líderes eclesiásticos e dos sábios. Há quem imagine que tudo o que nosso Senhor faz deve ser feito em igrejas ou catedrais. Não e não. Esse milagre aconteceu em uma casa de família, e não no meio de uma reunião de oração ou de leitura bíblica, mas em uma festa do casamento de dois jovens camponeses, cujos nomes sequer sabemos. Veja como o Senhor Jesus desce até os lugares mais comuns da vida e derrama bênção sobre o lado mais comum da nossa existência!
As pessoas que promoveram essa festa eram de poucos recursos. Se fossem ricas, certamente o vinho não teria acabado tão cedo. É bem verdade que, contando-se os primeiros discípulos de Jesus, que o acompanharam, é possível que hajam comparecido à festa mais pessoas do que os anfitriões esperavam. Mesmo assim, se fossem abastados teriam tido mais do que vinho suficiente para satisfazer todos os convidados, inclusive os extras. Os ricos, no Oriente, costumavam abrir a casa para quase todo mundo durante a semana de festividades de casamento. Mas eles, de fato, não faziam parte da aristocracia nem estavam entre os ricos ou os notáveis de Israel. Por que nosso Senhor, no entanto, não deu início aos seus milagres diante do rei, ou do governador local, ou, pelo menos, na presença dos sacerdotes e dos escribas, ou doutores da lei? É que optou por não fazer seu primeiro chamado aos grandes e aos que se julgavam dignos. Sinto, pessoalmente, bastante conforto nesse fato, de o Senhor ter vindo prioritariamente ao homem comum; isso para mim é uma bênção. Nessa questão de posição social e riqueza, você e eu podemos estar até na parte de baixo da escala; mas Jesus se inclina justamente na direção de homens desse escalão, considerado socialmente inferior. O Senhor veio visitar o seu povo em lugares comuns, assim como o modesto lado sul do rio Tâmisa; aqui, ele operou transformações, e muitas vidas, cheias de água, foram mudadas, enriquecidas e vivificadas por sua graça.
Jesus pode ir até você, meu querido ouvinte, mesmo que seja um trabalhador braçal, uma criada, um pobre comerciário ou a esposa de um artesão. Nosso Senhor ama o pobre. E um frequentador constante das casas modestas. Não é muito de comparecer a lugares de destaque, mas, sim, costuma fazer sua morada habitual junto ao pobre e ao humilde. O Senhor é pleno de condescendência e amor.
Esse primeiro milagre foi bastante generoso. Jesus não multiplicou pão naquele casamento, mas, sim, um item, para eles ali, de luxo, alegrando seu coração com o mais puro sumo da uva. Quando, depois, veio a alimentar a multidão do deserto, nosso Senhor poderia ter dado apenas a cada qual um pedaço de pão, só para evitar que morressem de fome; mas ele nunca faz as coisas de maneira restrita e contada, como em um asilo público de pobres, e, assim, adicionou peixe ao alimento, para dar mais sabor e mais nutrição ao pão. Nosso Senhor não apenas nos dá existência; mas nos oferece uma existência feliz, que é a verdadeira vida. Não dá aos homens apenas o que é o suficiente para a sua necessidade imediata, mas nô-lo dá sempre em um grau muito mais elevado do que pensaríamos poder desfrutar. Aqui, ele transforma a água em uma bebida mais agradável de se tomar, mais rica, mais saborosa e mais alimentícia. Talvez nem saibamos quão verdadeiramente bom e sustentador foi aquele vinho feito por Deus para aqueles que tiveram o privilégio de prová-lo.
Nosso querido mestre dá, enfim, a todos os seus seguidores uma alegria de viver indizível e plena de glória. Eles recebem não apenas graça o suficiente para viver, como se precisassem economizar em esperança e serviço; mas, sim, hão de beber de vinhos puros, bem purificados (Is 25.6), e terão graça para cantar, graça para se regozijar, para se encherem de segurança e transbordar de deleite. Nosso Amado nos leva não apenas a uma simples refeição de pão, mas a um banquete regado a vinho. Temos, com ele, o céu aqui embaixo. Jesus não mede a graça em gotas, como são alguns remédios, mas, sim, dá liberalmente, pois suas talhas estão sempre cheias até a borda. E a qualidade é sempre tão notável quanto à quantidade: ele nos dá o melhor do melhor — júbilo, arrebatamento e êxtase. O minha alma, que maravilhosa é a mesa real junto à qual você está sentada! O Senhor lhe concede e enche de benefícios todos os dias!
Que milagre gracioso foi esse! Quão liberal! Quão irrestrito! Jesus jamais precisaria de pressão alguma para realizá-lo. Maria não poderia de fato, nem desejava, interferir. Colocou-se atrás, devidamente, a boa mulher, pois o Senhor certamente já sabia até da necessidade antes que precisassem lhe dizer. Talvez você pense, querido amigo, que deve fazer certa quantidade de orações para ser atendido, mas a verdade é que o Senhor está muito mais pronto a dar do que você a pedir. Não pense ser a sua oração que irá fazer que ele se disponha a abençoá-lo: ele está disposto a fazer agora mesmo por você muito mais abundantemente além daquilo que você possa pedir ou pensar (Ef 3.20).
Deve-se notar, ainda, que nada de especial foi exigido dos homens para se obter o extraordinário suprimento de vinho, mas tão somente algo muito simples e fácil de fazer. Vamos, servos obedientes. Tirem a água. Simplesmente, tirem-na do poço, e a derramem nas grandes talhas. Isso é tudo o que temos de fazer! O Senhor Jesus nunca vem até nós com condições complicadas e difíceis de serem cumpridas. Não fique imaginando nem acredite que para ser salvo você precisa fazer ou sentir alguma coisa diferente do comum. Você pode crer em Jesus para a vida eterna assim mesmo como está. Tenha fé suficiente para apenas tirar a água e encher a talha, cumpra a simples ordem do Senhor e, para sua grande surpresa, verá surgir vinho onde antes só água havia. O Senhor, por seu Espírito, pode mudar o seu coração e renovar o seu espírito, de modo que onde havia somente um pequeno pensamento natural haverá vida e sentimentos espirituais. E ele fará isso sem qualquer necessidade de pressão ou de persuasão. A graça que ele dá é gratuita. Jesus tem um coração temo para com os pecadores necessitados: a lança, na cruz, o deixou aberto, e uma simples oração poderá tocá-lo.
O primeiro milagre foi também profético. Nosso Senhor dá inicio aos seus sinais em uma festa de casamento. E para uma festa de casamento que ele nos convida agora e será diante de uma gloriosa ceia de casamento que tudo irá terminar. A história de nossa Bíblia termina, na verdade, tal qual um belo conto de amor: “eles se casaram e viveram felizes para sempre”. Encontramos a prova disso no livro de Apocalipse. Nele, lemos que o Senhor virá para celebrar o casamento entre ele e sua igreja. Todo o vinho a ser bebido nessa grande festa será por ele próprio fornecido, e toda alegria e satisfação serão de sua oferta própria. Ele é o sol do dia celestial; a glória do glorificado. O próprio Senhor há de cuidar para que por toda a era milenar — na verdade, por toda a eternidade — a alegria de seus escolhidos nunca acabe. Eles se alegrarão em Deus e em si mesmos, sem medida e sem barreiras.
Cristo começou com este milagre especial como que para mostrar que veio para transformar e transfigurar todas as coisas, para cumprir a lei e os seus preceitos, transformando-os em substância e realidade. Veio para tomar o homem e transformá-lo, de criatura caída, em filho e herdeiro nascido do céu. Jesus veio para livrar este planeta de sua névoa e adorná-lo com roupagens de glória e grande beleza. Em breve, veremos novos céus e nova terra. A Nova Jerusalém descerá dos céus, de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu esposo. Jesus veio para elevar e para cumprir, e ele dá a indicação disso logo no início dos seus sinais.
II. Em segundo lugar, devemos notar neste milagre a SINGULARIDADE DE SUA MANIFESTAÇÃO. Assim deu Jesus início aos seus sinais em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória (Jo 2.11). Creio que existe uma clara conexão entre o primeiro capítulo do Evangelho de João e a passagem diante de nós. No primeiro capítulo, diz João: E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai (Jo 1.14). Aqui, temos a revelação dessa graça e dessa glória.
Observe que, neste milagre, Jesus manifestou sua glória. Na verdade, glorificou o Pai, pois esse era o seu verdadeiro objetivo e fim. Contudo, manifestou sua própria glória no ato. Perceba que foi sua própria glória. Nunca se disse isso em relação a qualquer profeta ou outro santo. Moisés, Samuel, Davi, Elias — nenhum deles manifestou sua própria glória. Eles não tinham glória própria a manifestar. Aqui está alguém, no entanto, que é maior que um profeta; alguém maior que o mais santo dos homens. Jesus manifestou sua própria glória, e não poderia ser de outra maneira. Ao ler estes versículos, sinto que devo adorar meu Senhor Jesus.
Ele revelou sua própria glória como Deus e homem. Durante todos os anos anteriores, ela esteve velada. Jesus foi um menino bom e obediente, um bondoso jovem carpinteiro em Nazaré; em todos esses momentos, sua glória era como que uma fonte fechada, uma nascente selada. Ela agora começa a fluir, em forte tom avermelhado, a partir desse grande milagre. Se você pensar nisso, verá com mais clareza o que foi essa glória. Jesus era até então um homem como qualquer outro; e então, quando quis, transformou a água em vinho. Era, naquela ocasião, um simples homem jovem adulto. Sua mãe estava ali como que para nos lembrar que ele era homem comum, nascido de mulher. Era um simples homem, tendo uma mãe, como todos os demais, e, mesmo assim, revelou-se Deus sobre todas as coisas (Ef 1.22) ao criar, mediante sua própria vontade, uma abundância de vinho puro. Era até então, ali, simplesmente mais um entre os muitos convidados do casamento, acompanhado de seus humildes amigos ou seguidores; e, no entanto, em dado instante, desempenharia o papel de criador. Não estava vestido com traje sacerdotal nem usava os filactérios dos fariseus ou qualquer outra forma de ornamento que fosse a indicação de um ofício eclesiástico ou religioso. Todavia, fez maravilha maior do que sacerdotes, escribas e fariseus poderiam tentar fazer. Simplesmente um homem entre os homens, era, também, Deus entre os homens. Seu desejo era lei no mundo da matéria, de tal modo que a água recebeu as qualidades e características próprias e exclusivas do vinho. Adore-o, meu irmão! Adore-o reverentemente! Curve-se diante daquele que era um homem, um homem real, e ainda assim realizou algo que tão somente o próprio Jeová poderia ter feito! Adore aquele que não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar (Fp 2.6); mas que, achando-se como homem entre os convidados de humilde casamento, ali manifestou maravilhosamente sua divina glória.
Observe que ele manifestou sua glória ao operar além do poder da natureza. A natureza não transforma água em vinho de uma hora para outra. Isso somente poderia ser feito por um ato direto da mão de Deus. Há um processo normal por meio do qual as gotas de orvalho entram no bago da uva e, por meio de procedimentos para nós ocultos, transformam-se em saboroso suco. Mas por qual poder deveria a água, colocada em um recipiente terreno, vir a ser transmutada em vinho pouco antes de ser levada à mesa? Ninguém, a não ser o próprio Deus, poderia fazer isso; e, como Jesus o fez, ele demonstra, por meio disso, sua inquestionável divindade. Mostra que tem todo o poder na terra. Ele pode fazer o que deseja e, mediante esse ato de criação, ou transformação, toma manifesta a glória do seu poder.
Ele fez isso, em parte, ao operar sem utilizar qualquer instrumento. Para tomar doces as águas amargas, Moisés utilizou uma árvore, que o Senhor lhe mostrara. Eliseu, por sua vez, sarou as águas ao jogar sal em seu manancial. No caso presente, não; não temos qualquer instrumentalidade aqui. Todas as vezes, aliás, que nosso Senhor fez uso de meios visíveis, nunca foram suficientes para o propósito, senão parecendo justamente o oposto: quando, por exemplo, curou um homem cego ao fazer lama com saliva e colocá-la em seus olhos — o que, em circunstâncias normais, mais poderia talvez acabar com sua visão do que abrir seus olhos. Aqui, porém, o Senhor não usou de nenhum instrumento. Nem ordenou “água, transforme-se em vinho”, nem mesmo disse uma palavra sequer; simplesmente desejou e foi feito. Quão divinamente manifestou sua glória neste episódio!
Ele operou facilmente e de maneira majestosa, exatamente como é o método e a maneira de agir do grande Deus. Aqui, ele simplesmente diz: Enchei de água essas talhas (Jo 2.7), e os servos cumprem sua ordem com entusiasmo, pois quem fala é o mestre de todas as mentes e vontades. Tirai agora (Jo 2.8), diz ele, e, no processo de levá-la ao mestre-sala, a água é transformada em vinho. Não há nenhum esforço aqui, nenhuma respiração de Jesus como de alguém que estivesse reunindo forças para realizar um grande feito. A terra gira, mas a roda da natureza nunca mói o seu próprio eixo. Deus age por meio de suas leis de uma maneira perfeitamente natural e irrestrita. A criação e a providência habitam o silêncio majestoso que acompanha a onipotência. Tudo flui facilmente com ele. Mediante sua própria vontade, o Senhor pode fazer todas as coisas por nós e, num momento, transformar as águas da nossa dor em alegria.
O Senhor manifestou sua glória operando com naturalidade, sem nenhuma exibição. Tenho a impressão de que se você e eu pudéssemos realizar uma maravilha como essa, é possível que disséssemos ao mestre-sala: “Chame todos os convidados, informe-os de que o vinho terminou, mas que eu irei criar justamente agora um novo suprimento. Estão vendo essas grandes talhas? Mandei enchê-las de água, para que todos possam constatar que não havia antes nenhum vinho dentro delas. Agora, olhem bem para mim enquanto eu opero a transformação desta água em vinho”. Então, teríamos falado alto ou realizado uma longa série de atos. Jesus não fez nada disso. Mostrou que não é dado a exibição. Seu reino é para que venha sem que se perceba. Despreza a pompa, o barulho, a cerimônia. Age como um Deus cujas maravilhas são grandes demais para que necessite chamar a atenção para si mesmo. Foi sempre divino da parte de nosso Senhor realizar sua tão grande obra sem precisar mostrar que fazia algo incomum.
O fato de haver ele realizado literalmente um milagre foi certificado por testemunhas imparciais. Poderia ser que Pedro, ou Filipe, ou qualquer de seus discípulos presentes pudesse haver proposto: “Mestre, vamos encher as talhas com água?” Mas não foi assim, senão logo haveria suspeita de conluio entre o mestre e os discípulos. São os servos comuns, da festa, que irão encher as talhas com água. Ou, então, os discípulos poderiam ter-se agradado de querer levar o vinho ao mestre-sala da festa, anunciando: “Olhe, aqui está um vinho que o nosso grande e bom mestre acabou de fazer”. Não; são os servos que vão levar o vinho, sem dizer palavra alguma ao mestre-sala sobre a origem dele. A testemunha real de que aquilo que eles trazem é de fato vinho, e da melhor qualidade, será o próprio mestre-sala — um homem que não está preocupado com as coisas espirituais, mas, sim, que já tem trabalhado em muitas festas, conhece bem os hábitos e costumes a respeito e tem sempre uma palavra a dizer referente à área de sua atividade. Certamente, um homem capaz de poder julgar a qualidade de um vinho — eis por que podemos seguramente aceitar o seu veredicto, ao dizer ao noivo: Tu guardaste até agora o bom vinho (Jo 2.10). Nesse caso, quanto menos espiritual e mais franco fosse o homem, melhor testemunha seria da realidade do milagre. Se fosse um dos seguidores de Jesus, seria possível suspeitar de que o mestre estivesse combinado com seus discípulos. Vê-se, no entanto, o contrário: que o mestre-sala é homem de tipo totalmente diferente dos discípulos. E que a obra de Deus é um fato, não ficção: ela apela para a fé, mas não para a imaginação. Deus realiza sempre sua obra transformadora de tal maneira que terá testemunhas prontas a atestá-la. Assim como quando Cristo ressuscitou dos mortos havia testemunhas para certificar o fato, do mesmo modo seu primeiro milagre foi certificado acima de qualquer suspeita como real e verdadeiro pela melhor das testemunhas. Houve uma razão especial para isso.
Ó meus amados ouvintes, se vocês vierem a Cristo, ele jamais irá enganá-los. Suas bênçãos não são meros sonhos. Se você vier a Jesus e nele confiar, a obra que ele fará por você será tão real quanto a que foi feita em Caná. Até os ímpios serão forçados a reconhecer que Deus fez uma mudança em você. Quando o virem em sua nova vida, hão de refletir: “Eis uma coisa boa, que nunca vimos antes nele”. Venha a Cristo, eu oro, e o receba, para que ele seja tudo em sua vida. E ele há de ser verdadeiramente tudo o de que você precisa. Confie nele, mesmo ainda lutando com seu pecado, e ele trará o perdão real. Confie a ele os seus problemas, e ele lhe dará a solução e o descanso perfeitos. Confie nele, mesmo com sua natureza maligna, e ele irá renovar você. Ele não finge fazer coisas que não pode fazer.
Testemunhado, enfim, por todos os presentes naquela festa de casamento, ele realmente transformou a água em vinho de qualidade especial. Do mesmo modo, Jesus pode agora transformar o seu caráter e fazer algo que somente a natureza, por mais que se esforçasse, jamais poderia produzir. Digo mais uma vez: a singularidade dessa manifestação reside nisso — ela revelou o Senhor Jesus Cristo, que, mediante seu poder imenso, eleva tudo aquilo em que toca, transformando homens, coisas e fatos em coisas mais nobres do que eram antes ou que jamais poderiam ter sido. E esta a singularidade essencial desta manifestação de Cristo. Ele mesmo diz: Eis que faço novas todas as coisas (Ap 21.5). E faz as novas coisas como as melhores. Levanta o pobre da fome para o banquete. Ergue a humanidade decaída, alçando-a a algo tão glorioso quanto o de poder se aproximar do trono de Deus. Em tudo isso, Cristo é revelado, e seu nome é glorificado.
III. Por fim, acho que este milagre tem, em si, SUFICIÊNCIA COMO CONFIRMAÇÃO DA FÉ. Está escrito: Os seus discípulos creram nele (Jo 2.11). Percebam, então, irmãos: como João sabia que os discípulos haviam acreditado nele? Provavelmente porque era um deles presente e ele próprio creu. A melhor testemunha é aquela que compartilha um fato. Quando sentimos uma coisa por nós mesmos, temos plena segurança a respeito daquilo. João soube que os outros discípulos presentes também acreditaram em Jesus pelo que lhe disseram, e seus sentimentos coincidiam com o dele. Nós também compartilhamos da fé que as maravilhas do nosso Senhor produz.
Todos os convidados daquela festa certamente participaram do novo vinho, mas os discípulos ali presentes tiveram algo bem melhor: um reforço em sua fé. Isso vale mais do que todas as iguarias de uma festa. Enquanto os outros comeram, beberam e desfrutaram das delícias, aqueles homens fruíram mais: viram Deus em Cristo Jesus manifestando sua glória. Mas a pergunta é: o que havia naquele milagre que poderia confirmar sua fé? Note que eu digo confirmar sua fé. O milagre não deu origem à fé, mas a firmou. A fé desses primeiros discípulos se originara na palavra do Senhor pregada por João Batista: acreditaram em Jesus como sendo o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, como o Batista o anunciara. Em seguida, passaram a desfrutar de relacionamento pessoal com Jesus, ao andar junto com ele. Isso havia revelado sua fé. Agora, comprovavam o benefício de estarem associados a Jesus, ao verem por si mesmos o que o mestre era capaz de fazer. Com isso, sua fé se reforçou. Seus discípulos já acreditavam nele, mas esse milagre confirmou sua confiança.
O milagre, enfim, justificava grandemente o fato de os discípulos já crerem de modo implícito em Jesus, pois provava o poder de Jesus de realizar qualquer milagre. Se ele podia transformar água em vinho por sua própria vontade, podia fazer toda e qualquer coisa do gênero. De fato, se Jesus exerceu alguma vez poder além do natural, podemos crer prontamente que ele o pode fazer de novo; que não há limite para o seu poder. Ele é, portanto, Deus e, como Deus, todas as coisas lhe são possíveis. Deste modo, o primeiro milagre confirmou corretamente sua fé.
Além disso, aos discípulos mostrou a prontidão de seu mestre em resolver dificuldades inesperadas. Ninguém havia previsto que o vinho acabaria. Jesus não foi à festa de casamento preparado e munido, ou seja, “de mala e cuia”, como se costuma dizer. A demanda surgiu repentinamente, tal como também o suprimento: o vinho acabou, mas ele logo estava pronto para enfrentar a dificuldade. Isso não confirma sua fé? Cristo está sempre pronto para toda emergência. Amanhã pode acontecer algo que você não esperava; Cristo estará pronto para o inesperado. Entre este mundo e o céu, você irá se deparar com muitos eventos inesperados, mas eles não serão surpresa para Jesus. Ele os antevê com clareza. Quando a provação chegar, o Senhor trará a provisão: No monte do Senhor se proverá (Gn 22.14).
Mais ainda, a fé dos discípulos foi confirmada porque o Senhor mostrou que não permitiria o fim de nada com que tivesse contato. Gosto de ter certeza de que Jesus está comigo em toda e qualquer ocasião, pois sei que a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos (Is 53.10). Note-se que aquele não era o casamento de parente seu ou de um de seus discípulos ou de amigo íntimo, mas um casamento para o qual tinha sido convidado. Ele nada teria a perder se comentasse depois que as provisões haviam acabado quando ele estava lá. Sua ligação com a festa pode ser vista como algo bastante remoto. Para ele, no entanto, era uma ligação. Mesmo as menores ligações são observadas pelo nosso Senhor Jesus. O minha alma, se eu puder apenas tocar a orla de suas vestes, a virtude sairá dele e chegará a mim! Estou no mesmo barco com Jesus, e, se eu me afogasse Jesus também iria se afogar; então, eu sei que estou seguro! Ó meu coração, se eu simplesmente tiver a mão de Cristo junto à minha mão, estarei ligado a ele, e ninguém poderá nos separar. Nesta união está a minha vida, a minha segurança, o meu sucesso, pois tudo o que ele venha a tocar jamais acabará.
Ele era apenas mais um convidado na festa, mas, simplesmente porque ele estava lá, todas as coisas correram bem. Creio que isso deva ter animado bastante os discípulos quando, algum tempo depois, começaram a pregar Cristo. Sua confiança total era a de que Jesus estava com eles e que por isso sua palavra prevaleceria. Eram homens modestos, e muitos deles iletrados, e toda a elite daquela época estava contra eles. Contudo, disseram a si mesmos: “Não temeremos, pois Jesus está conosco, e ele conhece todas as intenções humanas”. Se Jesus estiver conosco em nossas disputas em favor da verdade e da aliança de Deus, o resultado da batalha não será mais incerto. Se o Salvador está presente na questão de sua fé na salvação, você pode descansar seguro quanto à sua vida eterna.
O milagre lhes mostrou também — e isso deve ter sido de grande importância para a confirmação de sua fé — que Jesus poderia fazer uso dos meios mais simples para seus milagres. O Senhor tinha apenas água e seis grandes talhas à sua disposição para produzir vinho. Todavia, consegue fazer um vinho bem melhor a partir da água do que aquele que os homens poderiam fazer a partir da uva. Veja seus tonéis e suas prensas: apenas seis talhas de pedra. Você e eu, também — afinal, o que somos? Somos apenas pobres vasos terrenos, até mesmo rachados, acho eu. Há pouca coisa de conteúdo espiritual em nós, e o que há é tão frágil como a água. Mas o Senhor pode produzir de nós um excelente vinho, que irá alegrar o coração de Deus e do homem — palavras de fé que irão agradar a Deus e salvar o homem. Nos tempos que se seguiram, aprenderiam os discípulos que eles mesmos não são nada além de vasos terrenos, mas sempre haveriam de se lembrar de que o seu Senhor seria capaz de realizar milagres até mesmo por meio deles.
Você não acha que a fé daqueles homens foi confirmada também quando presenciaram a majestosa tranquilidade de Jesus na realização de sua obra? Não invocou anjos, não fez uma longa oração, nem mesmo proferiu qualquer encantamento. Ele simplesmente quis, e o ato se realizou. Na próxima vez que viessem a enfrentar dificuldade, os discípulos iriam crer que o Senhor poderia facilmente ajudá-los. Esperariam tranquilamente e veriam a salvação de Deus. O Senhor, de uma maneira ou de outra, proveria e faria maravilhas, sem maior problema para eles. Irmãos, se Deus estiver conosco, tudo dará certo para nós.
O milagre também lhes mostrou que, a partir de então, eles não precisavam mais estar ansiosos. Quando lemos o Novo Testamento, está escrito e os seus discípulos creram nele (Jo2.11). E o que está escrito em nossa versão. Mas a ideia de nele como sendo dentro dele seria aqui mais correta; pois a palavra grega usada aqui é eis — literalmente, “seus discípulos creram dentro dele”. Ou seja, eles creram de tal forma que é como se houvessem mergulhado em Jesus. Dentro dele — pense no significado disso! Os discípulos jogaram todas as preocupações de sua vida sobre Jesus e sentiram não precisar mais se preocupar com coisa alguma. Jesus iria suprir todas as suas necessidades e carências, até o fim. Deixaram tudo nas mãos dele. Maria queria, de boa vontade, ajudar a resolver a questão e logo entendeu que havia errado nisso. Quanto aos discípulos, entraram diretamente em Jesus pela porta aberta do milagre confirmador da fé — e ali encontraram descanso. Que esta seja também a sua condição: lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós (1Pe 5.7). Eles creram não simplesmente em Jesus, mas dentro de Jesus. Uma coisa é acreditar nele; outra coisa é acreditá-lo. E compensador crer nele, mas o melhor de tudo é crer dentro dele, de tal modo que a nossa própria personalidade seja absorvida por Cristo e possamos sentir a bênção de uma união viva e firme, duradoura e amorosa, com ele. Aqueles homens jamais poderiam ter produzido uma única gota de vinho para a festa do casamento, mas, contando com seu mestre unido e junto a eles, seriam, certamente, até capazes de inundar as ruas com vinho, se fosse necessário e ele assim quisesse. Tendo entrado em verdadeira parceria com Jesus, sua fé se lhes despertou como uma manhã sem nuvens. Agora se sentiam seguros, firmes e fortes, pois sua fé fraca e insípida havia ganhado a plenitude e a riqueza de um vinho generoso.
Antes de terminar, quero dizer algumas palavras para os ainda não decididos por Cristo, aqui presentes. Veja, meu caro ouvinte, Jesus Cristo quer vir e visitar você do jeito que você está. Ele está disposto a ir à casa mais simples, até mesmo quando esteja acontecendo uma grande festa ali. Peça então que ele venha a você exatamente como você está. Você acabou de ver como ele é capaz de abençoar a alegria humana! Talvez você esteja pensando em vir a Jesus da próxima vez que se sinta triste — mas eu lhe digo: venha agora a ele, imediatamente, enquanto está alegre. Se você está se dando bem nos seus negócios, na sua vida profissional; se você se alegra com seus filhos, com um filhinho recém-nascido; se você se casou recentemente; se foi aprovado em um exame — venha a Jesus em meio à sua alegria. Peça a ele que aumente sua felicidade, elevando-a a um grau mais alto e de maior qualidade, até que toque a alegria do Senhor. Cristo Jesus é capaz de erguer você, meu caro amigo, daquilo que você é agora, para alguma coisa bem melhor, mais plena, mais grandiosa, mais nobre, mais santa, mais semelhante a Deus. Que ele possa fazer isso agora! Creia nele, acredite nele, creia dentro dele, e assim se fará. Amém.
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¹ [NE] Na idade média durante a coroação dos reis, a tubulação [rede de encanamento de rua] de Cheapside era enchida de vinho: http://en.wikipedia.org/wiki/Cheapside acessado em 06/08/14.
Charles H. Spurgeon. Milagres e Parábolas de Nosso Senhor: A Obra e o Ensino de Jesus em 173 Sermões Selecionados. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 122–130.