Fé Onipotente

C. H. Spurgeon

Luan Tavares
28 min readDec 30, 2020

Ao que lhe disse Jesus: Se podes! — tudo é possível ao que crê (Mc 9.23).

Quero guiar a mente de vocês mais uma vez à cena em meio à qual Cristo proferiu estas palavras memoráveis. Ele tinha estado no monte em que se havia transfigurado na presença de três de seus discípulos. Durante sua ausência, os demais discípulos foram tomados de perplexidade: viram-se incapazes, pela falta de fé, de operar um milagre. Escribas e fariseus, ali presentes, triunfaram. Cristo desceu nesse exato momento e virou o jogo.

Encontramos caso equivalente com Moisés, quando, juntamente com seu servo Josué, subiu ao monte e contemplou a glória do Senhor. Enquanto ele e Josué estavam ausentes, o mal ergueu sua cabeça e aqueles que se guiavam por vista prevaleceram sobre a fé pobre e fraca de Arão, de forma que Arão acabou fazendo para eles um bezerro de ouro; e, ao retomar, Moisés deparou com o povo adorando aquela imagem, um deus que podiam ver e tocar. A fé havia deixado derrotada o acampamento, cujo defensor ali não estava, e a visão pecadora tomou-se por um momento vencedora. Moisés se arrojou, então, corajosamente, em meio ao povo, e no mesmo instante tudo virou uma balbúrdia; alguns tremeram e até os mais abusados tiveram de recuar. Ele destruiu o bezerro de ouro, reduziu-o a pó, derramou o pó na água e dela os fez beber.

Agora, nosso Senhor com seus três Josués — Pedro, Tiago e João, os três eleitos do eleito — desciam do monte da transfiguração. Tal como Arão, os demais apóstolos viam-se atacados por aqueles que desejavam ver sinais e maravilhas. Por serem incapazes de provê-los, devido à falta de fé, os fariseus levaram ampla vantagem, e as hostes de Deus pareciam fugir diante deles. De repente, como um grande Rei, Cristo surge; os fariseus ficam confusos; um milagre é realizado; a fé triunfa e os que duvidavam se envergonham. Assim como um general poderoso que, tendo se ausentado do campo de batalha, encontra de volta seus comandados engajados em ação imprudente e sendo derrotados — a fileira da esquerda se rompendo, a da direita procurando abrigo, o centro começando a recuar — , Jesus ergue o estandarte entre as tropas e chama a todos para se reunir em tomo dele; eles se reúnem, e ele avança sobre o inimigo antes quase triunfante, logo recuperando o equilíbrio com a vitória e fazendo os ex-quase vencedores voltarem com ignomínia as costas e baterem em retirada.

Irmãos, aqui está, logo de início, uma lição. O que nos falta à conquista é o comando de um poderoso rei no meio de nós. A presença de Cristo é vitória para sua igreja; a ausência do Senhor Jesus pode nos levar a uma derrota deplorável. Ó exércitos do Deus vivo, não fiquem contando consigo mesmos; não confiem em sua força; não se apoiem na capacidade de seus ministros; não louvem o poder humano; não temam por serem poucos nem tremam por serem fracos. Se o Senhor está com vocês, vocês são mais poderosos do que todos aqueles do lado oposto. Se Cristo estiver entre vocês, cavalos e carruagens de fogo estão junto a vocês e ao seu redor.

Quando suas mangas arregaça,
Quem pode impedir sua ação?
Se a causa de seu povo abraça,
Quem pode deter sua mão?

Ergam seus olhos para o alto, de onde vem Jesus em seu auxílio, e não lhe supliquem em nome de seu povo, mas, sim, que permaneça com o povo e que junto com o povo e à frente dele caminhe sempre.

Surgira ali antes uma disputa com os escribas, porque certo homem tinha um filho possuído por um demônio, um espírito surdo-mudo, o qual o lançava em convulsões e delírios, semelhantes aos da epilepsia, da mais horrorosa espécie; e os discípulos de Jesus não haviam conseguido expulsá-lo. Diante desse fracasso do desempenho dos discípulos, o pai parece perder a fé no próprio Jesus Cristo; e, quando convocado pelo Mestre a trazer seu filho para junto dele, diz então a Jesus: Mas se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos (Mc 9.22). Havia agora um se na questão; só que o pobre e trêmulo pai colocara o se no lugar errado. Jesus, sem lhe dizer para desdizer o se, apenas o coloca na posição correta. “Na verdade”, é o que ele parece dizer, “não deveria haver se algum em relação ao meu poder, tampouco à minha disposição; o se, no caso, deverá ser quanto a ti: se tu podes!… — pois tudo é possível ao que crê (Mc 9.23)”. O homem recebe imediatamente a mensagem de fé. No mesmo instante, faz uma petição simples e humilde de crescimento em sua crença. Logo Cristo profere a sagrada palavra, e o demônio é expulso, com a ordem de nunca mais voltar.

Irmãos, vemos muitas vezes que existe um se; mas continuamos a cometer o mesmo grave erro de colocá-lo no lugar errado. Se Cristo pode converter alguém? Não! Se a igreja crer, ele o consegue. Se Cristo pode fazer um ministério ser bem-sucedido? Não! Se pudermos crer, ele pode. Se Cristo pode me perdoar os pecados?; se ele pode me conferir grandes alegrias?; se o Senhor pode me tirar da dúvida e do medo? Não, meus irmãos, não dessa forma; pois os seus “ses” estão colocados aí no lugar errado. O correto é: se vocês podem crer; pois, se vocês puderem, exatamente como todas as coisas são possíveis a Cristo, assim também todas as coisas serão possíveis a vocês, se crerem. A fé se apoia no poder e na magnificência de Deus; ela se reveste do manto real e cavalga no cavalo do rei; pois ela é a própria graça, que o rei se deleita em honrar. Cercada do poder glorioso do Espírito Santo, que tudo opera, a fé se torna, pela onipotência de Deus, poderosa em realizar, ousar e suportar. Tudo — tudo, sem limites — é possível ao que crê.

Nesta manhã, devo me estender sobre algumas realizações da fé, para, em seguida, examinarmos onde se encontra o grande poder da fé. Que Deus nos ajude a abordar com poder divino esse dois pontos.

I. Em primeiro lugar, vejamos ALGUMAS REALIZAÇÕES DA FÉ.

Se eu apenas me ativesse a dar um simples registro que fosse daqueles que já obtiveram uma bela conquista mediante a fé, faltaria certamente tempo necessário para isso. Não é preciso que minha humilde fala recapitule o que Paulo, com lábios inspirados, declara aos ouvidos da igreja. Vá também ao capítulo 11 de Hebreus e veja ali um arco triunfal imenso, que o Espírito Santo de Deus inspirou em comemoração aos sucessos esplêndidos alcançados pela fé. Veja na torre de Davi, construída para ser uma fortaleza na qual milhares se encontram, todos os escudos de homens poderosos. A igreja recorda com júbilo seus muitos integrantes valorosos, pois o Senhor revela sua voz diante de seu exército e seus campos são extensos. Não é necessário, porém, que eu lhes relembre essas vitórias antigas; em vez disso, prefiro falar de algumas que a fé pode realizar ainda hoje.

1. Primeiro, quero considerar a fé em sua relação com a culpa. Aqui, devemos dizer que, se você puder crer, sua culpa pode ser removida. O perdão perfeito e a justificação completa são possíveis até para o pecador mais vil, se puder crer em Cristo. Veja a fé ao entrar em conflito com o pecado. Acompanhe por alguns momentos determinadas lutas suas, mas veja-a regressando como Davi trazendo a cabeça de Golias nas mãos — uma conquista poderosa, mediante a força de Deus. Ao lidar com o pecado, a fé não menospreza sua grandeza. Nosso pecado é tremendo; impossível superestimar sua culpa. Pecador algum, mesmo sob a mais terrível das culpas, jamais se excedeu quanto ao mal do pecado, que é algo horrível e amargo; mas a fé sabe lidar com ele. “E se o meu pecado for grande demais? Tenho um grande Salvador. Ele toma a si, sem dúvida, o meu pecado, mesmo que pudesse ser centenas de vezes maior do que parece, e o lança nas profundezas do mar. Sei que me tenho rebelado muito e pecado contra Deus gravemente; mas creio em sua imensa misericórdia e que Deus é capaz de dissolver meus pecados como se fossem uma simples nebulosidade e as minhas piores transgressões como se fossem uma nuvem.” A fé não diminui a consciência do mal do pecado pelo pecador; mas, sim, exalta Cristo de tal forma que o pecador crê firme e inteiramente que mesmo que, o seu pecado possa ser multiplicado, o Senhor, que é poderoso em salvar, pode lançar longe todo esse fardo e o tomar livre para sempre. Se você pode crer, a grandiosidade de pecado não é barreira à sua remoção.

Muitos, porém, estão preocupados com suas impressões do árido deserto do pecado. Estão prontos a olhar somente para o inferno e parecem até ouvir gemidos como que procedentes do lugar de tormento. Em suas mentes inquietas, acham-se sempre presentes passagens da Bíblia como estas: Porque uma fogueira está, de há muito, preparada; […] a sua pira é fogo, e tem muita lenha (Is 30.33). Melhor é entrares no reino de Deus com um só olho, do que, tendo dois olhos, seres lançado no inferno, onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga (Mc 9.47). Mas a fé diz: “Sim; apesar de tudo isso, no entanto, grande foi a agonia de Cristo, uma expiação justa e completa, pela qual aquele que crê e confia em Jesus é dispensado de todo esse tormento, pela misericórdia de Deus, podendo, até mesmo, ascender aos lugares mais elevados do céu”. Conhecer o deserto do pecado, mas, ainda assim, crer que Cristo pode perdoar — eis a obra da fé; ou seja, não entender o pecado como simples pecadilho, como ofensa pequena e trivial, mas, sim, aceitar que o braço eterno de Deus nunca é pesado demais para recair sobre o homem que ousa insultar suas leis — e crer que, apesar de tudo, a reparação promovida mediante o sangue na cruz foi suficiente, mais que suficiente, para remir toda culpa. Essa é a vitória da fé: saber que o sangue de Jesus Cristo, o Filho querido de Deus, nos purifica de todo pecado.

Grande número de pessoas, também, sente-se atormentada só em pensar no que a culpa tem causado nelas. “Eu sou tão dura de coração” — diz uma dessas pessoas — “tenho tão pouco arrependimento, oro tão pouco, não tenho nada de bom em mim; sou tudo o que pode haver de mais vil; nada existe de recomendável em mim que possa atrair a piedade de Deus”. Vem a fé e, então, diz: “É verdade; apesar de tudo isso, porém, acredito na pura e simples promessa de Deus; apresento-me a Jesus como sou, nada tendo em mim, mas possuo todas as coisas nele”. A fé não permite que a dureza de coração nem a teimosia da vontade sirvam de argumento para que a alma não deva descansar em Cristo, mas, crendo que tudo pode assumir e se arrependendo tristemente de tudo, a fé diz ainda: “Está escrito: […] o que vem a mim de modo nenhum o lançarei fora (Jo 6.37). Eu vou a Jesus, e ele não me lançará fora, não irá querer fazer isso”. Se sentimos nossa alma suavizada, ou o mover do fogo vivo em nós, então crer que Cristo pode nos salvar não é uma grande fé; mas se não sentimos uma vida espiritual, se o nosso coração é rijo como pedra e nos vemos tão corruptos quanto a maior impureza, então crer nele, que justifica o incrédulo, receber a misericórdia que Cristo concede até ao maior dos pecadores, essa é uma obra-prima de fé; e é essa a fé que toma todas as coisas possíveis àquele que crê.

Em esperança, contra toda esperança,
Eu acredito, mesmo desesperado,
Que a tua palavra avivadora me alcança,
E teu Espírito me ergue, renovado.

Mesmo que algo domine meu pensamento,
Fiel a mim meu Senhor sempre será;
Não vacilarei em descrença um momento,
Pois Deus me deu a palavra que o fará.

Vê a fé, poderosa fé, a promessa
E tão somente nela é que então confia;
Ri da impossibilidade, não teme essa,
E clama: Há de ser feito o que Deus queria.

Pecadores há, ainda, que se tomam muito preocupados quanto ao futuro. “Você vai pecar novamente”, diz Satanás, “do mesmo modo que já tem pecado; toda a sua pretensão de uma vida nova será um tremendo fracasso; você voltará como o cachorro volta para o vômito; voltará, como o porco que foi lavado volta a se espojar na lama”. A mente avivada logo percebe claramente que, de fato, esse será o resultado inevitável se a obra vier a ser realizada pela força humana; a fé, no entanto, nega essa acusação ao olhar tão somente para o Senhor. Mesmo que em nós, isto é, em nossa carne, nada habite de bom, Cristo pode salvar até o último daqueles que vêm a Deus por seu intermédio; e a fé se apega à promessa: As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão (Jo 10.27,28); ela olha para o futuro com os mesmos olhos de fé com que vê o passado perdoado e descansa na fidelidade de Deus e em seu poder para salvar.

Às vezes, os velhos pecados entram de volta de roldão, com uma força tremenda, na mente do fiel. Pela força terrível da justiça de Deus, nossos pensamentos podem ser atormentados com a visão de um Deus bravo, com a espada desembainhada, pronto a nos punir por nossas ofensas. Gloriosa é aquela fé que consegue se lançar nos braços de Deus mesmo tendo ele a espada à mão, crendo que Deus não irá atacar o pecador que confia no sangue de Jesus. Poderosa é aquela fé que, observando a justiça dura e severa, mesmo assim não treme, mas clama: “Ó Senhor, és misericordioso e justo para me perdoar os pecados, porque eu os confessei. Cristo expiou todos eles, e sei que não hás de me cobrar a mesma dívida, já paga por teu amado Filho; sei que não hás de acrescentar ônus algum à minha conta, que ele por mim já pagou”. Triunfante é aquela fé que marcha diretamente até o céu, que se coloca diante do trono resplandecente do grande e sagrado Deus e clama: “Quem poderá acrescentar algo ao fardo do eleito de Deus? Deus já o justificou; quem poderá condenar? E Cristo quem morreu; mais propriamente, quem ressuscitou” — e isso, mesmo quando o pecado se levante como uma torrente negra, e a recordação do passado venha fustigar a alma como uma tempestade.

Quando alcançamos conhecer verdadeiramente o mérito abençoado do sangue de Jesus; quando entendemos plenamente a misericórdia superlativa de Deus; quando nos damos conta do amor transbordante do Pai para com seus filhos amados — não olhamos propriamente para o pecado como se fosse menos pecado do que antes, mas já não tememos suas consequências punitivas, confiantemente seguros em nossa alma de que nenhuma de nossas iniquidades nos poderá destruir; de que nem mesmo todos os nossos pecados juntos poderão, por um momento sequer, abalar nossa posição em Cristo, nem nos colocar, por quaisquer meios, sob algum risco da ira eterna, visto estarmos cobertos pela justiça de Cristo e lavados em seu sangue.

Irmãos, nossos pecados quando perdoados deveriam aumentar nosso deleite em Deus, pois nos fornecem prova de sua graça e de seu amor excessivamente abundantes. Amalie Sieveking, notável heroína cristã, uma das mais zelosas obreiras dos nossos tempos, escreve: “O senso de minha própria falta de poder só me leva mais para junto daquele cuja força se aperfeiçoa em nossa fraqueza. Eu me entrego à sua orientação, com a feliz confiança de que ele há de completar o trabalho que começou e ajudará vezes sem conta esta pobre criança vacilante a subir, sim, mesmo que ela tropece uma centena de vezes por dia”. Eis, porém, o ponto no qual eu gostaria que vocês reparassem: “Sinto às vezes que deveria revelar aos outros todo o montante acumulado da minha culpa, pois em mim poderiam admirar as riquezas da longanimidade divina”. E essa a maneira com que a fé aprende a lidar com o pecado: transformando-o em um fundo de ornato que faça realçar o brilho da misericórdia — um engaste no qual o diamante do amor divino fulgure com resplendor superlativo. O coração fiel sempre se lembra de seu pecado com vergonha; mas se lembra, muito mais, com gratidão, do amor perdoador de Deus, e a tristeza ajuda a aumentar seu reconhecimento. Quanto mais afundamos por causa da queda, mais alto se ergue o nosso amor a Deus ao refletirmos sobre quanto sua mão forte nos tem livrado: “Também me tirou duma cova de destruição, dum charco de lodo; pôs os meus pés sobre uma rocha, firmou os meus passos”. Oh! Eu gostaria que nesta manhã aqueles que estão cheios de pecado cressem que Cristo pode salvá-los! Tudo é possível ao que crê. Se você se considera o pior pecador fora do inferno, ainda assim confie em Cristo esta manhã; lembre-se: Tudo é possível ao que crê. Em um instante, sua alma se tomará mais branca que a neve, se você puder descansar em Jesus, o único capaz de salvar.

2. Observemos agora a fé em meio aos ataques constantes de que são alvo os herdeiros do céu. Aqui também a fé realiza todas as coisas. Assim que nasce um cristão, meus irmãos é deflagrado contra ele um grande conflito relativo ao próprio Cristo, pois Herodes busca ainda a criança que pode vir a destruí-lo. Sabemos como o mundo nos ataca constantemente, sobretudo se desejarmos ser diferentes, se quisermos manter brancas nossas vestes, se desejarmos não nos entregar aos prazeres comuns nem ser guiados pelas regras usuais da sociedade. O mundo uiva para nós como uma matilha de lobos. E daí? A fé encontra aqui uma fácil tarefa, pois logo aprende a glorificar a Deus nas tribulações, lembrando com muita alegria as bem-aventuranças de Jesus: Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós (Mt 5.11,12). Eis uma conquista diária do cristão: rir das ameaças de Satanás. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé (1Jo 5.4). O mundo, todavia, nos ataca também com seus sorrisos enganosamente agradáveis, e infeliz é o homem que não tem fé, pois logo as adulações do mundo o vencerão; mas aquele que está cheio de fé, quando o mundo lhe oferece prata, responde: “Não, já tenho muito ouro”, e, mesmo que o mundo lhe dê um tesouro, pode recusar: “Tenho muito mais do que aquilo que vocês possam me oferecer. Você deseja ganhar um rei apenas com tostões ou um príncipe com as parcas provisões de um mendigo? Em Cristo, eu sou herdeiro de todas as coisas; este mundo é meu e o céu também”. Assim ri o crente, em resposta a todos os sorrisos do mal, do mesmo modo que o faz do seu olhar de reprovação.

Ah, irmãos, somos, ainda, atacados pela carne. A luxúria interior não morre; ela busca sempre voltar a agir com eficácia, e sabemos quanto isso nos pode custar caro. Aqui também vence a fé; pois, conhecendo o poder da carne e da lascívia, a fé aquieta-se junto a Cristo, sendo então alçada aos lugares divinos e colocando a corrupção sob seus pés. A fé diz ao fiel: “Esteja certo de que, não obstante toda a calamidade do seu próprio coração e de sua natureza, você há de se sair tão vitorioso quanto Cristo e um dia será tão puro e imaculado quanto ele próprio diante do trono do Pai”. Revide sua luxúria, fiel! Não existe pecado que não se renda à fé. Não há necessidade alguma de continuarmos sempre pecando enquanto vivermos: podemos vencer nossa lascívia. Você pode expulsar os “cananeus”: embora eles habitem em cidades fortificadas até o céu e tenham carruagens de ferro, você é capaz, mesmo assim, de pôr os pés em seu pescoço e destruí-los totalmente. Você pode expulsá-los gradativamente e tão somente pela fé; não, porém, mediante notáveis feitos individuais; não pela confiança em sua própria ação; mas, sim, pela confiança total no sangue derramado de Jesus, com o qual pode vencer toda tentação e subjugar todo pecado.

Com minha funda e minha pedra eu vou
Lutar agora contra os filisteus;
Vencerei, o Senhor já me falou,
Sobre o pecado os triunfos serão meus;
Em sua promessa eu posso confiar,
Contando com ele, o Todo-poderoso;
A vitória completa hei de alcançar,
Pois o afirma meu Deus maravilhoso.
Na força do Senhor vou então me erguer
E avançar ao encontro do inimigo;
À fé se une a palavra de poder,
Que destrói o gigante e o maior perigo.
Fé no potente nome de Jesus!
Atiro a pedra direto ao pecado,
Atinjo o alvo, pois Deus a conduz,
E cai o monstro logo derrotado.

Assim é com o mal. O mal se revela contra nós, mas somos mais que simples adversários para ele se a nossa fé for firme. Sob o escudo da fé, suas flechas envenenadas, e com a espada da fé o ferimos em suas entranhas. Não há tentação que deixe de assaltar o fiel, mas a fé pode, sem dúvida, lhe fornecer total defesa. Se eu creio em Jesus e tenho sua promessa de que vencerei, vencerei, porque creio nessa promessa. Mesmo que me encontre sob os pés do mal e haja ele erguido sua espada para me ferir, possa eu clamar: “Não te alegres, inimigo meu, a meu respeito; quando eu cair, levantar-me-ei”, e a vitória será minha. A fé vence o próprio inferno e seu monarca: conta para defesa com armadura completa, e para o ataque, com a lança da intrepidez, além de outras armas de guerra.

Quanto às provações desta vida, é maravilhoso que as dificuldades existam para a afirmação da fé, ao perceber que procedem de Deus os infortúnios. Crisóstomo faz uma observação sobre a passagem em Jó em que este diz, referindo-se à grande perda que sofrerá: O Senhor o deu, e o Senhor tomou (Jó 1.21). Jó não declara que os sabeus ou os caldeus o tomaram, não obstante serem estes os principais instrumentos, no caso; mas, sim, que o Senhor o tomou, o levou. O fiel que vê a mão de Deus em tudo que acontece a ele se sente agradecido por tudo ao seu redor. Como a providência está nas mãos do Pai, sabe que é sempre guiado por seu amor, sabedoria e graça; e, assim, considera seus piores dias como sendo tão bons quanto os melhores; seus dias mais feios, quanto os mais belos; os dias escuros, como luminosos. Crê, em total confiança, que todas as coisas concorrem para seu bem e deixa a obra de Deus inteiramente com Deus. Oh, amados, é apenas a ausência de fé que toma este mundo um lugar de sofrimento; quando nos apropriamos da fé, ela supera toda e qualquer tribulação, seja qual for, venha de onde vier.

Mostrei a vocês, deste modo, que tudo é possível ao que crê (Mc 9.23). Levantem-se, ó hostes do inferno, e atirem suas flechas!; ó céus, preparem suas tempestades!; lance, ó terra, seus dilúvios; e você, ó carne, venha com toda a sua blasfêmia e maldade — a fé há de caminhar incólume por entre toda a fúria, tanto quanto, ou mais, caminharia um conquistador que a enfrentasse.

3. Voltamos a atenção de vocês, agora, para outro ponto: a obtenção da eminência na graça. Cristãos existem que estão sempre duvidando e temendo, e que julgam seja o temor ou a dúvida o estado ideal dos fiéis. De jeito nenhum, irmãos! Tudo é possível ao que crê. Pode acontecer de eventualmente você vir a se achar em situação em que surja uma dúvida ou um temor, mas que seja como um pássaro que vem voando e pousa por breve tempo em sua alma, sem se demorar. Há quem leia sobre comunhões elevadas e encantadoras desfrutadas por santos e suspire: “Ah, isso não é para mim, não”. Ó você, que busca ir em direção ao alto! Se você tiver fé, poderá chegar até mesmo ao pináculo extremo do templo; porque todas as coisas são possíveis àquele que crê. Se você lê a respeito do que grandes homens fizeram com a ajuda de Jesus, sobre o que desfrutaram dele, quanto viveram como ele e como perseveraram pela causa de Cristo, por que duvida, dizendo: “Isso não seria possível para mim, pois não passo de um verme”? Nada há que um salvo, ou santo, de tempos passados, tenha feito que você não possa fazer. Não existe extensão de fé, talento para espiritualidade, local, garantia, ministério ou ação de responsabilidade que não possam ser igualmente franqueados a você, se tiver o poder de crer. Levante-se, levante-se de seu leito; livre-se de suas roupas de pano de saco e de suas cinzas. Não é próprio para você rastejar na poeira, ó filho do rei. Suba! O trono dourado da certeza está esperando por você! A coroa da confiança em Jesus está pronta para ornamentar sua fronte! Vista-se, espiritualmente, de fino linho púrpura, suntuosamente bem, todos os dias; pois quem crê pode comer da melhor espécie do trigo; toda a sua terra será inundada com óleo, vinho e mel, sua alma será um jardim irrigado e seu espírito saciado com fartura e abundância. Tudo é possível ao que crê.

4. Ainda um quarto ponto: o poder da fé com referência à oração. Aqui também, tudo é possível ao que crê. Ao orarmos, hesitamos por vezes quanto a grandes coisas que poderíamos e desejaríamos pedir; mas a fé, ao contemplar as imensas promessas, o excelso Deus e seu inigualável amor, só pode considerar as grandes coisas como benignas migalhas caídas da mesa do mestre. Se, então, mais uma vez, nos reprimimos, por causa de um sentimento de indignidade, a fé contempla a dignidade de Cristo e crê que sua honra e seu mérito são suficientes para livrar totalmente nossa indignidade do juízo em que a colocamos. Somos levados então a pensar sobre o direito de Deus de adiar o cumprimento de suas promessas; mas logo nos lembra a fé que Deus jamais se recusa a cumprir o que promete, apesar de poder ou não protelar seu cumprimento; espera, pois, que a promessa seja o mais breve possível realizada. Apesar de a visão por vezes parecer tardar, a fé espera sempre até que ela venha, pois certa está de que realmente virá. E, oh!, que maravilhoso é ver a fé esperar em Deus em oração e recusar todos os recursos carnais, dependendo, simples e totalmente, da promessa em si, crendo que Deus é inteiramente capaz de realizar sua própria obra e executar sua própria palavra.

Irmãos, nenhum homem deveria duvidar, nestes tempos modernos, de que Deus responde à oração e de que a fé com oração é capaz de tomar qualquer coisa realidade. Já ouviram falar de George Müller, de Bristol? Ali, em Bristol, sob a forma de magníficos abrigos cheios de órfãos, sustentados sem necessidade de comitês nem secretarias, sustentados apenas pela oração e pela fé desse homem, ali se encontra, em tijolos e cimento sólidos, o testemunho vivo de que Deus ouve as orações. Mas, vocês sabem, o caso Müller é apenas um, entre muitos. Lembrem-se do trabalho de Francke, em Halle. Olhem também para a obra do dr. Wichern nos arredores de Hamburgo, que, tendo começado com alguns meninos abandonados e com tando apenas com a ajuda e a bondade de Deus, tem agora toda uma aldeia cheia de meninos e meninas recuperados e salvos e tem enviado irmãos para exercer atividades úteis em lugares diversos. Lembrem-se também do irmão Grossner, de Berlim, e de quão poderosamente Deus o ajudou a enviar não menos que duzentos missionários para todas as longitudes e latitudes da terra para pregar Cristo. Teve como apoio nada além da mera promessa de Deus e a fé mediante a qual aprendeu a alcançar a mão de Deus e dela obter tudo o de que necessita.

Não posso, porém, deixar de lhes falar, mais uma vez, sobre quem já discorremos na noite da última sexta-feira — o pastor Harms, de Hermaunsburgo. Pelo poder de sua fé na pregação da Palavra, ele viu florescer um deserto estéril e sua igreja se transformar em verdadeiro modelo do que uma igreja de Deus deve ser um corpo vivo em funcionamento, de onde são enviados missionários para a África, não tendo nada para provisão senão ofertas espontâneas e pessoas concentradas no exercício da oração e da fé. Estive lendo uma passagem de sua vida, em que conta que estava esperando para enviar missionários para a tribo africana dos galas, na Núbia, mas não conseguia obter recursos. Diz ele: “Então bati solicitamente à porta do querido Deus, em oração; mas, já que um homem em oração não deve sentar-se tranquilamente, com suas mãos sobre o colo, procurei companhias marítimas, sem sucesso; dirigi-me ao bispo Gobat, em Jerusalém, mas não obtive resposta; então, escrevi ao missionário Krapf, em Mombaz, mas a carta se perdeu, nunca chegou. Então, um dos ajudantes que me restavam sugeriu: ‘Por que não construir um navio? Pois assim poderá enviar quantos missionários quiser e quando desejar’. A proposta era boa, mas e o dinheiro? Aqueles eram tempos de conflito, e eu lutava com Deus. Nada e ninguém estava comigo senão o revés; até mesmo amigos e irmãos mais fiéis insinuavam que eu não estava em meu juízo perfeito. Quando o duque George da Saxônia jazia em seu leito de morte, e ainda se encontrava em dúvida sobre a quem deveria entregar sua alma, se ao Senhor Cristo e seus méritos ou se ao papa e suas boas obras, ali lhe falou um cortesão fiel: ‘Alteza, seguir em linha reta é o que faz o melhor corredor. Aquelas palavras repousaram rapidamente na minha alma. Eu havia batido nas portas dos homens e as encontrara fechadas; mas o plano era ainda notoriamente bom e para a glória de Deus. Que deveria fazer? Seguir em linha reta é o que faz o melhor corredor. Orei fervorosamente ao Senhor, colocando o assunto em suas mãos. Quando à meia-noite me levantei da minha genuflexão, exclamei, com uma voz que a mim mesmo quase me assustou, no silêncio da sala: Avante, em nome de Deus! A partir desse momento, nunca mais passou um pensamento de dúvida em minha mente”’.

Amigos! As igrejas de Cristo não precisam do maquinário moderno que tomou o lugar da simplicidade da fé. Eu, verdadeiramente, acredito que, se o Senhor varresse muitas das juntas, secretarias e sociedades missionárias para fora do universo, deveríamos estar melhores sem elas, pois as nossas igrejas confiariam em Deus, enviariam seus próprios missionários, levantariam fundos para sustentá-los e creriam que Deus ha veria de abençoá-las. Espero que a igreja de Cristo possa logo dizer como disse Davi da armadura pesada que lhe emprestou Saul, para enfrentar Golias: “Não posso andar com isto, pois não estou acostumado” — e apenas com sua funda e sua pedra e confiante em seu Deus, tenho fé de que poderá confrontar o inimigo. Se pudermos confiar em Cristo, tudo poderemos fazer. Tudo é possível ao que crê; mas nada é possível aos esquemas e seus sistemas humanos. Deus um dia os varrerá a todos, e feliz será o homem que levar à destruição total essas coisas vãs. Voltem-se contra elas e tomem seus baluartes, porque não são do Senhor; ele não as ordenou, nem as sustentará. Ajam somente com fé, ó vocês, que são de Deus, e comprovem o poder da oração, comprovem que tudo é possível ao que crê.

5. Outro ponto no qual tenho me entrincheirado é: Tudo é possível ao que crê quando no serviço de Deus. O mal pode até lhe dizer: “Você não tem dom algum para isso”. Que dom você não tem? Se tiver o dom de fé, você pode cumprir sua missão. Talvez você seja um ministro trabalhando em um vilarejo com pouco sucesso. Será que você não acreditou que Deus poderia lhe dar sucesso? Se tivesse crido, certamente o teria alcançado. Você não é limitado em Deus, mas limitado em você mesmo. Eu sei o que é ir para o meu quarto sentindo vergonha de um sermão que preguei e lamentar muito por causa disso; mas sei também o que é descobrir, espantado, dentro de um mês, que esse sermão foi mais útil em conversão do que outros que eu pensava tivessem algo que os tomasse mais eficazes. A verdade é que Deus não quer o nosso poder, mas a nossa fraqueza; não quer a nossa falsa grandiosidade, mas a nossa real insignificância. Ó irmão, se Deus o chamou para um serviço que seja dez vezes mais pesado do que as suas forças consigam desempenhar, vá e o faça com fé e a sua força, pois tudo é possível ao que crê.

Gostaria que a nossa era tivesse mais homens incomuns: estamos ficando tão insípidos, tão frios, tão lugares-comuns — seguimos todos o mesmo andar da carruagem, imitando uns ao outros; em vista dos heróis do passado, somos seres pequeninos caminhando sob suas enormes pernas, murmurando porque nos achamos em ignóbeis sepulturas; tudo isso, por termos abandonado a fé. Deixe só que um homem creia que Deus o chamou a uma missão e proclame: “Avante, em nome de Deus!”; e verá como esse homem será mencionado sobre seu tempo, terá seu nome gravado na rocha das eras e deixará atrás de si lembranças que os anjos ainda contemplarão quando os nomes de reis e imperadores já tiverem sido varridos pelo esquecimento. Irmãos desta igreja! Muitas e muitas vezes os tenho incitado à fé e alguns começaram já a compreender o que a fé significa; mas, oh, receio que muitos há que ainda não chegaram à plenitude desse significado. Viver na região dos milagres, ser chamado de crente fiel, ver as mãos de Deus tão visíveis quanto você vê a si mesmo, reconhecer Deus como maior do que as causas secundárias, encontrá-lo como alguém em cujos braços você pode descansar, cujo poder você consegue receber e estar numa posição extraordinária, muito acima de onde a razão poderia colocá-lo — a de saber que é um filho distinto, diferenciado, especialmente favorecido de Deus — , oh, isso é o paraíso começando aqui embaixo. Acreditem-me, eu sempre me espanto de ver como as pessoas podem pensar que as conquistas atuais da igreja são tudo aquilo que a igreja poderia esperar. Vejo comerciantes honestos, ministros respeitáveis, mulheres amáveis e muitas outras pessoas fazendo algo, mas fazendo muito pouco, e me inclino a dizer: “Mas o que é isso? Foi só por isso que Cristo derramou seu precioso sangue, foi só para fazermos isso? Isso é tudo que o Espírito Santo consegue? Fazer um homem ouvir um sermão sério em um domingo? E só? É essa a obra de Deus? Vejo a obra de Deus na natureza, e aí estão os Alpes imponentes, os oceanos estrondosos, as cachoeiras em fúria; mas, quando olho para a obra de Deus na igreja, vejo pouco, muito pouco e pouco, por toda parte. A insignificância está estampada nas frontes nos dias de hoje; não fazemos e não ousamos; e chego a pensar que até que vejamos algo grandioso, até que uma ação mais intrépida seja tentada, até que alguma coisa destacável seja feita para Cristo, não teremos a glória do Senhor revelada, de tal modo que toda a humanidade possa conhecê-la. O que estamos fazendo aqui, todos nós que nos achamos confinados nesta pequena ilha, todos nós que vivemos na Inglaterra, se o mundo inteiro jaz no maligno? (1Jo 5.19). Quanto nosso coração bate pelos pagãos? Nós ficaríamos tanto aqui, se ouvíssemos mais essa solicitação. Mas não seria o chamado de Deus ainda mais alto, se ao menos tivéssemos fé? Somos, no entanto, tão carnais — vivemos tanto para as “coisas visíveis” que não ousamos realizar uma ação arrojada, valente e audaciosa para o mestre. Que Deus nos ajude a fazê-lo! Então, a igreja se levantará e vestirá os seus trajes mais vistosos! E ai de você, Ascalom, quando o Deus de Israel estiver no acampamento!; ai de você, Gaza, pois seus portões serão levantados em nossos ombros quando crermos de vez que somos fortes o suficiente para levá-los até o topo da colina, com pilares, barras e tudo o mais! Tudo é possível, no serviço de Deus, ao que crê.

Por fim, ao alcançarmos a morte, a doença não nos causará ansiedade; os mistérios solenes da última cláusula não nos alarmarão; a sepultura não será um local de trevas; o juízo não será carregado de terror; a eternidade não será horrenda; pois, para aquele que crê tudo é possível, e a morte e a sombra da morte recuarão diante da fé. Os céus à fé se renderão; o inferno tremerá perante ela; a terra será impotente diante da fé, e ela estará sempre ao alcance do homem fiel: tal como o barro na roda do oleiro, a fé será moldada segundo o seu desejo de servir a Deus.

II. Chego ao meu último ponto, e que Deus nos abençoe. ONDE RESIDE, ENTÃO, A FORÇA SECRETA DA FÉ? Reside no alimento que a sustenta; pois a fé compreende o que é a promessa — uma emanação da graça divina, um transbordamento do grande coração de Deus; e diz: “Meu Deus não poderia ter feito essa promessa não fosse por amor e graça; por isso, é totalmente certo que essa promessa será cumprida”. Pois a fé só indaga: “Quem fez essa promessa?” e nem sequer irá questionar sua grandiosidade porque sabe quem é o autor; mas tem em mente quem é Deus, que não pode mentir — Deus onipotente, Deus imutável. Então, deduzindo que a promessa irá ser cumprida, vai adiante, nessa firme convicção; e constata por que a promessa foi feita — ou seja, para a glória de Deus. Sabe com toda a certeza que a glória de Deus está resguardada; que o Senhor nunca irá manchar seu próprio brasão nem arruinar o brilho da própria coroa; e conclui então que a promessa estará firmemente de pé. A fé considera, daí, a incrível obra de Cristo como sendo a prova clara da intenção do Pai em cumprir sua palavra. Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas? (Rm 8.32). Então se volta ao passado, para as batalhas que a fortaleceram, para as vitórias que lhe deram coragem. Lembra-se de que Deus nunca falhou com ela; de que jamais falhou com qualquer de seus filhos. Recorda tempos de grande perigo, de momentos de libertação — instantes de terrível necessidade diária e constante de sua força e presença; e diz: “Não; jamais poderei vir a crer que Deus possa negar a si mesmo, mudar seu caráter e abandonar um servo seu”. A fé sente como se não conseguisse crer em algo tão severo da parte do querido Deus. Devo usar tal expressão? Sim, devo usá-la, pois Deus é querido para mim! Creio que algo do qual me arrependi acima de outros pecados que tenha cometido foi o pecado de duvidar dele, que tanto me ama e que preferiu morrer a me deixar perecer, como, de fato, morreu para que eu vivesse.

Ora, esse Deus tão querido à minha alma, como duvidar dele? Eu jamais afirmaria que meu pai seria um mentiroso ou que minha mãe renegasse sob juramento. Não; mas, se o fizesse, meus abençoados pais não seriam severos comigo. Meu abençoado Deus, minha fé sabe muito bem que ele não pode ser inclemente; seu amor, por si só, o faria fiel, mesmo que sua fidelidade não bastasse. Se o nosso Deus pudesse nos abandonar, então realmente eu estaria enganado sobre seu caráter. Se eu pudesse ousar algo contando com Deus e ele me abandonasse, então eu teria lido mal as Escrituras. Não acredito, portanto, meu jovem guerreiro, que, se Deus o ordenar que se lance na densidade da batalha, vá abandoná-lo, como Joabe a Urias, para tombar pela flecha do inimigo. Apenas ouse, e Deus será maior que sua ousadia. Todavia, nós nos recusamos a ser intrépidos. O menor problema, a menor dificuldade, o menor perigo, e nos encolhemos de volta a nossa ignóbil indolência. Oh, se nos erguêssemos à glória da crença!

Tento, portanto, amados irmãos, encorajar sua alma; mas ciente estou de que não conseguiremos ter tal fé em Cristo se não tivermos mais de seu Espírito Santo. Lembremo-nos, então, da promessa: Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem? (Mt 7.11). Peça por mais fé. Esta igreja é bastante para a conversão do mundo inteiro se Deus nos der fé suficiente para tal. Se o pequeno grupo de Jerusalém foi tudo o que era necessário, um grupo de mais de dois mil homens e mulheres fiéis pode ser mais que suficiente, se tivermos fé. Olhe para igrejas à sua volta: o sucesso delas seria tão pequeno se tivessem mais fé? Tudo é possível, e ainda assim, não fazemos nada! Tudo está ao nosso alcance e, no entanto, somos pobres! O próprio céu está ao nosso lado, e ainda assim somos derrotados! Vergonhosa incredulidade, seja colocada à morte para sempre! Fé gloriosa, viva em nossa alma! Que tanto o pecador quanto o salvo possam realmente crer na misericórdia, na bondade e na verdade de Deus, como reveladas em Cristo; e que levemos para casa conosco, para nossa nutrição, como se fosse uma refeição diária, estas palavras: — Tudo é possível ao que crê.

Na terra e no inferno a fé põe-se a marchar,
Subjugando a morte e qualquer inquietação;
E não nos admiremos poder afirmar
Que até o céu conquista mediante oração.

Ordena que, por mais escarlate em pecado,
Alvo como a neve possa o ser se tomar;
Faze o pecador às alturas elevado
Para junto dos anjos de luz habitar.

SPURGEON, Charles H. Milagres e Parábolas de Nosso Senhor: A Obra e o Ensino de Jesus em 173 Sermões Selecionados. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 877–886.

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Luan Tavares
Luan Tavares

Written by Luan Tavares

“Tudo é possível àquele que crê.” (Marcos 9:23 NVI)

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