Derramando o Sêmen

Por Greg L. Price

Luan Tavares
12 min readFeb 8, 2023

A seguir, examinaremos brevemente a prática de intencionalmente derramar a semente da copulação (seja dentro de uma camisinha, espermicida, diafragma, DIU, no chão, etc) para o propósito expresso de impedir uma vida. Ao passo que temos testemunhos explícitos — e consequências boas e necessárias — relativos à abstenção da relação sexual em certas circunstâncias estabelecidas na Palavra de Deus (piedade, misericórdia, modéstia e necessidade), não temos nenhuma testemunha em toda Escritura a respeito do uso de métodos que previnam a concepção e envolvam o derramamento intencional da semente da copulação. Mesmo que alguém argumente que ele está derramando o sêmen pelo motivo correto (amor por Deus) e pelo propósito certo (bem-estar da sua mulher), mesmo assim, ele ainda precisa considerar se o ato em si é sancionado pela Palavra de Deus. Eu digo que o derramamento intencional do sêmen de alguém com o fim de impedir uma vida não é um ato sancionado pela Palavra de Deus.

A passagem clássica que a Igreja usou por centenas de anos para demonstrar a pecaminosidade do derramamento intencional do sêmen com a finalidade de impedir a vida é Gênesis 38.9. Essa é a única passagem em toda Escritura que especificamente fala sobre o uso de algum método de controle de natalidade. E, como eu espero provar, Deus não apenas não sanciona o uso intencional do desperdício do sêmen a fim de evitar a concepção, como, na verdade, condena a prática. Pelo relato de Onã, vamos examinar o seguinte: As circunstâncias que levaram ao pecado dele; O pecado em si; O julgamento divino sobre Onã e o testemunho da história sobre o pecado de Onã.

AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE LEVARAM AO PECADO DE ONĀ

Somos informados que o irmão de Onã, Er, casou- se com uma mulher chamada Tamar (Gênesis 38.6), mas devido a alguma maldade cometida por Er, Deus o matou (Gênesis 38.7). Como resultado de sua morte, Judá, o pai de Er e Onã, disse a Onã para se casar com Tamar e suscitar uma “semente” (ou criança) para ser descendência legal de Er. É importante notar que não havia uma Lei Divina explicitamente declarada autorizando essa relação marital até o tempo da lei mosaica cerca 300 anos depois (Deuteronômio 25.5,6). Onã obedeceu ao seu pai e tomou Tamar como sua esposa, mas ao invés de copular com vista a trazer à vida uma criança, ele intencionalmente “derramou” seu sêmen no chão a fim de não suscitar descendência a seu irmão.

Até o século 20, a visão universal de comentaristas cristãos e judeus era de que Onã foi morto particularmente pelo pecado de intencionalmente derramar seu sêmen no chão a fim de evitar a concepção de uma criança. Desde o início do século 20, vários métodos de contracepção começaram gradativamente a ser tolerados, e depois aceitos, e finalmente promovidos dentro da Igreja de Cristo. E junto com essa tendência dentro do cristianismo, também veio outra interpretação do pecado de Onã: A saber, ele foi morto por ter se recusado a suscitar descendência para o seu irmão. Ninguém está negando que Onã jogou fora seu sêmen a fim de que seu irmão não tivesse um herdeiro legal. Ninguém está sugerindo que ele não foi motivado por egoísmo e cobiça.

Mas a questão que deve ser respondida é essa: Deus teria matado Onã se ele não estivesse intencionalmente derramado seu sêmen, mas simplesmente tivesse se recusado a suscitar descendência para seu irmão? Interessantemente, essa questão é respondida a nós em Deuteronômio 25.7–10, onde a penalidade pela recusa a suscitar descendência para um irmão morto não é a morte, e sim, vergonha.

Então, como explicamos a severidade da punição recebida? Eu digo, o pecado de Onã foi agravado pelo ato específico que ele cometeu. O ato específico não foi inconsequente à punição que ele recebeu. O texto constata:

“Isso, porém, que fazia, era mau perante o SENHOR, pelo que também a este fez morrer.” (Gênesis 38.10)

A coisa que ele fazia era que ele intencionalmente derramava seu sêmen no chão. E ele fazia isso a fim de impedir a concepção. Assim, o que é expressamente abominável no pecado de Onã era sua prática intencional de uma forma de copulação (coito interrompido) a fim de evitar a concepção. Da mesma forma, essencialmente, qualquer forma de contracepção que intencionalmente desperdice a semente da copulação com a finalidade de impedir a concepção (pode ser numa camisinha, pílulas anticoncepcionais, diafragma, DIU, espermicida, ligamento tubário, vasectomia, etc) é condenado aqui por Deus como uma maneira de tomar a vida de uma pessoa real — mesmo que essa pessoa não exista ainda. Isso é usurpar o lugar de Deus que diz que Ele sozinho é quem dá vida e a tira (Deuteronômio 32.39; 1 Samuel 2.6), que abre o ventre e o fecha (Gênesis 29.31; Gênesis 30.2,22; 1 Samuel 1.5,6).

Não é sem razão que a Escritura usa a mesma palavra hebraica para “semente” (zerah) tanto para se referir ao sêmen (Levítico 15.16,18,32) quanto para se referir a uma criança que já foi concebida ou que já nasceu (Levítico 12.2, Levítico 18.21). Em Gênesis 38 existe uma conexão notável entre a semente da copulação e a semente da concepção/nascimento. No verso 8 deste capítulo, Onã é ordenado pelo seu pai, Judá, a suscitar a “semente” da concepção/nascimento (isto é, um herdeiro homem) para o seu irmão morto. No verso seguinte, ele sabia que a semente da concepção/nascimento (isto é, um bebê homem) não seria seu herdeiro legal, mas de seu irmão, então, ele “a” derrama (isto é, a semente da copulação) sobre o chão para que não haja a semente da concepção/nascimento — na forma de um herdeiro do sexo masculino — para seu irmão. Agora o ponto não é se a semente da copulação é uma pessoa como a semente da concepção/ nascimento, mas sim que o Senhor faz uma conexão íntima entre a semente da concepção ou nascimento e a semente da copulação. Em outras palavras, é a semente da copulação que se torna a semente da concepção. Assim, destruir intencionalmente a semente da copulação é intencionalmente destruir a semente da concepção. Deus intencionalmente juntou no mesmo verso a semente da copulação (mesmo que declarada implicitamente) com a semente da concepção e com a semente do nascimento (embora declarado explicitamente) usando a mesma palavra hebraica (zerah). Porque existem vários estágios para a semente da humanidade. Não existe, assim, nenhum ato insignificante no que diz respeito a destruir intencionalmente a semente humana de copulação a fim de prevenir a concepção. É uma violação do Sexto Mandamento (“Não matarás”), que nos dá a única razão sólida para Deus ter julgado Onã com uma penalidade tão severa: a morte. Onã tirou a vida, portanto, sua própria vida foi tirada de igual modo.

Note cuidadosamente que mesmo quando um homem acidentalmente derramava seu sêmen, como, por exemplo, durante o sono, ele era tratado por Deus como “imundo” pela lei levítica, o que requeria separação, limpeza e expiação (Levítico 15.16–18,30–32). Agora, se a semente da copulação é vista por Deus com tanto significado — porque ela carrega Sua vida — que derramá-la acidentalmente requeria separação, limpeza e expiação, quanto mais seriamente Deus leva em conta derramar intencionalmente a semente da copulação a fim de evitar a concepção? O julgamento que caiu sobre Onã nos diz quão seriamente Deus vê o pecado de intencionalmente derramar o sêmen para evitar a concepção.

O JULGAMENTO DIVINO SOBRE ONĀ

Finalmente, vamos considerar o julgamento divino que caiu sobre Onã pelo seu pecado. Nós aprendemos que como resultado de seu pecado Deus “o matou” (Gênesis 38.10). Que lei ele violou para que fosse julgado tão severamente? Onã violou alguma Lei Divina em relação ao casamento de levirato, em que um irmão era ordenado a casar-se com a viúva de seu irmão morto a fim de suscitar um herdeiro legal para seu irmão? Se sim, esta era uma lei que não havia sido sistematizada, porque ela só viria a existir nas Escrituras no tempo de Moisés, cerca 300 anos depois (Deuteronômio 25.5–10).

A Lei de Deus pode ser dividida em 3 categorias: moral, cerimonial e judicial. A Lei moral é uma regra perfeita de retidão que obriga a todos os homens em todas as épocas e está resumida nos 10 mandamentos. A Lei cerimonial é aquela que foi dada a Israel como uma sociedade eclesiástica contendo várias cerimônias, objetos e ofícios típicos (como sacrifícios, templo, sacerdócio) que prefiguravam Cristo e Seus benefícios. Esse aspecto da Lei foi revogado na sua forma exterior na crucificação de Cristo, exceto pelos princípios morais que estão por trás dela, que continuam obrigando a todos os homens e igrejas em todas as épocas. A Lei judicial é aquela que foi dada a Israel como uma sociedade civil contendo várias ordenanças para regular as pessoas dentro da Terra Prometida. Esse aspecto da lei expirou quando o estado de Israel cessou com a destruição de Israel em 70 d.C, exceto pelos princípios morais que estão por trás das leis que ainda obrigam a todas as pessoas e nações em todas as épocas.

Agora, se Onã foi ordenado pela Lei de Deus a casar-se com a viúva de seu irmão morto e lhe suscitar uma descendência, qual das três categorias, listadas acima, da Lei Divina ele violou quando se recusou a suscitar descendência a seu irmão? Em outras palavras, sob qual categoria da Lei de Deus estava compreendido o casamento de levirato e seus deveres no tempo de Onã? Na época dele, o levirato certamente não estava compreendido na Lei judicial, porque ela ainda não havia sido dada a Israel através de Moisés. O levirato nunca esteve compreendido na Lei cerimonial (nem antes, nem depois de Moisés), porque o casamento de levirato não era um tipo de Cristo e de Seus benefícios, nem tinha algo a ver com a adoração formal. A lei do levirato também não poderia estar compreendida na Lei moral, porque não obriga a todos os homens em todas as épocas. Quando o levirato foi institucionalizado como uma Lei judicial dentro de Israel, no tempo de Moisés, tinha-se em mente manter a hereditariedade das tribos puras para que famílias e tribos dentro de Israel não perdessem seus bens para estrangeiros. Isso prevenia que estranhos de fora de Israel confiscassem a herança dos israelitas. Ela era, portanto, uma lei que pertencia a Israel na Terra Santa. Assim, como o casamento de levirato de Onã não era um aspecto da Lei judicial, cerimonial ou moral, não era uma lei divina. Eu diria que o casamento de levirato na época de Onã era uma prática cultural (não uma lei moral). Sendo este o caso, é provável que Deus o tenha matado por violar uma prática meramente cultural? Eu acho que isso é bem improvável.

Qual, então, foi a razão para o julgamento severo de Deus contra Onã? Eu digo que foi por causa do derramamento intencional da semente da copulação por Onã para impedir a concepção de uma criança. Isso era uma abominação para Deus. Era praticar o mesmo tipo de relação sexual (não-procriativa) que os sodomitas praticavam, o que era também uma abominação para o Senhor (Levítico 18.22).

O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SOBRE O PECADO DE ONÃ

Porque sempre existiram vários métodos contraceptivos que envolvem o desperdício intencional da semente da copulação com a finalidade de prevenir a concepção de uma criança, Igrejas e ministros fiéis aproveitaram a ocasião para falarem contra o ato de Onã como um pecado grave e proibido pela Palavra de Deus. Eu estou em débito com Charles Provan pelo que seu trabalho histórico tem provido nesse tratamento dado ao assunto, “A Bíblia e o Controle de Natalidade” (tradução livre, disponível através de Still Waters Revival Books).

Agostinho é claro em sua denúncia do pecado de Onã:

“Porque é ilícito e vergonhoso para um homem mentir até mesmo para sua mulher fiel de modo a prevenir a concepção de uma prole. Foi isso que Onã, filho de Judá, costumava fazer. E por isso, Deus o executou.”¹

João Calvino, considerando o caso de Onã, vincula ao aborto o desperdício intencional do sêmen do homem a fim de evitar a concepção:

“O derramar voluntário de sêmen fora da relação sexual entre homem e mulher é algo monstruoso. Deliberadamente retirar-se do coito para que o sêmen caia no chão é duplamente monstruoso. O motivo é que isso é extinguir a esperança da raça humana e matar antes que venha a nascer a prole esperada. Essa impiedade é especialmente condenada pelo Espírito, através da boca de Moisés, agora que Onã, por assim dizer, como por um aborto violento, cruelmente atira no chão sujo o descendente de seu irmão, arrancando-o do ventre materno. Além disso, ele tentou, na medida em que lhe era possível, aniquilar uma parte da raça humana. Se alguma mulher expulsa um feto de seu útero por drogas, isto é considerado um crime sem possibilidade de expiação e, com total merecimento, Onã deveria incorrer no mesmo tipo de castigo, infectando a Terra pelo seu sêmen, para que Tamar não concebesse um futuro ser humano como habitante da terra.”²

O Sínodo de Dort, em 1618, comissionou anotações a serem escritas para toda a Bíblia (que foram completadas e publicadas pela autoridade da Igreja Reformada da Holanda em 1637). Nas anotações Holandesas sobre a bíblia toda, notamos o comentário a seguir sobre o incidente de Onã em que seu pecado foi relacionado a assassinato premeditado:

“Isso foi tanto quanto como se ele tivesse (de alguma forma) retirado o fruto da barriga da mãe e o destruído.”

Andrew Willet (um ministro na Inglaterra) escreveu um comentário massivo sobre o livro de Gênesis, Hexapla in Gênesis, publicado em 1632. Ele afirma que o pecado de intencionalmente derramar o sêmen em Gênesis 38 consistia nos diversos pecados abaixo:

“(Isso era) contra a ordem natural, usando o ato da geração para prazer apenas, não para gerar; era contra Deus, cuja instituição ele quebrou; contra sua esposa, a quem ele defraudou do fruto de seu ventre; contra ele mesmo, em prevenir seu filho; contra a humanidade, que deveria ter crescido e sido propagada (…) esse pecado de inveja (foi) contra seu irmão, a quem ele deveria ter dado uma descendência.”

William Gouge, ministro presbiteriano e membro da Assembleia de Westminster, discursou sobre a benevolência devida que um marido e uma esposa devem um ao outro (de acordo com Paulo em 1 Coríntios 7.3), mencionando que o pecado de Onã não deveria estar presente no casamento:

“Negar esse dever justamente exigido é negar uma dívida devida e dar a Satanás grande vantagem. A punição infligida a Onã (Gn 38.9,10) mostra quão grande erro isso é. Por essa punição, os hebreus apreendem que esse pecado é um tipo de assassinato. É muito mais odioso quando o ódio, a corpulência, bondade, medo de ter muitos filhos, ou qualquer coisa semelhante são a causa disso.”³

Vários ministros em Londres, em 1657, completaram anotações sobre todo o Antigo e Novo Testamentos. Os comentários de Gênesis 38.9 são como segue:

“Verso 9: A lascívia desse fato era composta de luxúria, de inveja e assassinato; O primeiro aparece, em que ele foi precipitadamente até isso, parece que ele não esperou até a noite, para o tempo de privacidade para tal propósito, senão a cama teria sido mencionada, ao invés do chão; O segundo é facilmente deduzida do texto, ele invejou a honra de seu irmão morto, pois ele não seria pai de nenhum filho, que deveria ser considerado do seu irmão, e não dele próprio; o terceiro, que existe uma virtude seminal vital, que perece quando a semente é derramada, e fazer isso para impedir o nascimento de uma criança vivente é o primeiro grau de assassinato que pode ser cometido, e o próximo é o estrago da concepção, que, quando é feita, causa o aborto: agora tais atos são notados na Escritura como crimes horríveis, porque, de outra forma, muitos poderiam cometê-los e não saber o mal deles.”

As observações de Matthew Poole de igual modo coincidem com os ensinamentos da Igreja, apresentados acima, sobre esse texto da Escritura:

“Duas coisas são vistas aqui: 1. O pecado por si mesmo, que aqui é particularmente descrito pelo Santo Espírito, para que os homens sejam instruídos a respeito da natureza e do grande mal desse pecado de auto poluição, que é tal que trouxe sobre o autor dele a vingança extraordinária de Deus, e que é condenado não só pela Escritura, mas também pela luz da natureza e pelo juízo dos pagãos, que expressamente censuraram esse ato como um grande pecado, e como uma espécie de assassinato. Dos quais, ver minha sinopse latina. De modo que podemos compreender suficientemente quão perversa e abominável é esta prática entre os cristãos, e à luz do evangelho, que nos impõe obrigações maiores e mais severas sobre pureza, e proíbe severamente toda a poluição da carne e do espírito. 2. A causa dessa maldade; Que parece ter sido ódio de seu irmão, ou inveja do nome e da honra de seu irmão, brotando do orgulho de seu próprio coração”.

Nas atas do Encontro Geral da Igreja Presbiteriana Reformada (que ocorreu em 1888, o ano depois da morte de David Steele), o seguinte é listado como uma das causas do jejum:

“Nós acreditamos que a impureza, em todas as suas formas poluentes e degradantes, está aumentando. Nós tememos que muitos que são membros da Igreja utilizam meios de prevenção da prole, usando o leito matrimonial para satisfazer suas luxúrias, destruindo suas próprias vidas e trazendo sobre si mesmos a ira de um Deus Santo.”

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¹ Agostinho, De adulterinis coniugiis ad Pollentium 1b.IIc.12 (PL 40 [1887] 479).
² Comentário Latino de Calvino sobre Gn 38.10, citado no livro de Charles Provans, “A Bíblia e o controle de natalidade”, p. 26.
³ William Gouge, Domestical Duties, p. 223.

— Greg L. Price. Controle de Natalidade: A posição protestante, bíblica e histórica, 2019, pp. 43–58. Tradução: Fernanda Maciel. Revisão: Maycon Ribeiro.

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“Tudo é possível àquele que crê.” (Marcos 9:23 NVI)

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