Casamento Civil

Vincent Cheung

Luan Tavares
6 min readAug 18, 2020

O casamento é uma ordenança da criação e não uma ordenança do culto (a palavra refere-se a uma forma de adoração, não necessariamente negativa¹). É fundamentalmente diferente de algo como o batismo e a comunhão.

O batismo e a comunhão foram estabelecidos no contexto do culto e, portanto, devem estar associados ao culto adequado. Por essa razão, o batismo e a comunhão católica não contam. Se bem me lembro, Calvino sugeriu que uma pessoa que tenha sido batizada no Catolicismo não precisa ser batizada novamente. Eu discordo. Essa pessoa nunca foi batizada. Um mórmon ou um budista pode jogar um balde de água em mim, mas isso não equivale ao batismo cristão. Eu nego que os católicos sejam cristãos e, portanto, nego que o batismo católico é o batismo cristão. Portanto, eu me oponho a muitos cristãos Reformados e a outros cristãos sobre esse assunto.

É dito que a legitimidade e a eficácia do rito estão associadas à fé do destinatário. Eu concordo, mas se a pessoa considera o batismo não cristão legítimo, então sua fé é defeituosa. Assim, o batismo católico ou mórmon nunca é o batismo cristão, porque a pessoa que aceita de bom grado esse batismo não pode ser um cristão, de modo que tanto o culto como a fé são falsos. Quanto ao batismo infantil, a questão da fé do receptor pode ser irrelevante no momento do batismo; entretanto, se a Igreja de Satanás pode batizar uma criança, e o batismo é considerado legítimo quando o receptor amadurece e olha para trás com a devida fé, então é necessário ser batizado em qualquer igreja, afinal? Os pais podem realizar o rito bem o suficiente em sua própria pia da cozinha. Em qualquer caso, o batismo da Igreja de Satanás não é o batismo cristão e nunca pode se tornar o batismo cristão.

Em algumas de suas confissões, os Reformados codificaram a política que somente ministros devidamente ordenados podem realizar o batismo ou servir à comunhão. Isso é um absurdo total. Não há base bíblica para isso. Em vez disso, a Bíblia diz que todos os cristãos são sacerdotes em Cristo, e como somos sacerdotes, e como não há exceção explícita, pelo menos em princípio até mesmo uma mulher ou criança cristã pode realizar o batismo e servir a comunhão, como qualquer sacerdote que tem autoridade para declarar e dispensar as graças da divindade a que serve. Parece que a única coisa proibida às mulheres é a autoridade oficial ou governamental na igreja. Grande diferença. Por causa da ordem da igreja, alguns indivíduos, muito provavelmente os ministros, são designados para realizar o batismo e servir a comunhão, mas isso não significa que somente eles têm a autoridade para fazer isso.

Os Reformados são bastante inconsistentes e hipócritas sobre isso. Eles afirmam firmemente o sacerdócio de todos os crentes e, com base nisso, declaram que todas as vocações são santas, tão santas quanto o ministério do evangelho. Isso é uma besteira, já que nenhum sacerdote pode tornar a prostituição santa. E se o encanamento é tão santo quanto a pregação, então por que tanto o encanador quanto o pregador devem pregar a palavra de Deus ao mundo? Por que não apenas fazer mais encanamentos? Mas o pregador não é negligente se ele não fizer nenhum encanamento.

Em vez disso, a aplicação apropriada é que, uma vez que todos os crentes são sacerdotes, todos os crentes possuem a autoridade dos sacerdotes e podem desempenhar as funções dos sacerdotes. Totalmente independente da igreja e de outros crentes, os cristãos têm acesso direto a Deus através de Jesus Cristo, e eles podem administrar ― sim, até mesmo mulheres ― os dons de Deus sob Jesus Cristo. É uma negação do sacerdócio de todos os crentes limitar as funções sacerdotais aos chamados ministros “ordenados” ― como se houvesse uma classe de elite de crentes, que é precisamente a coisa que os Reformadores alegavam que se opuseram. Não há supersacerdócio dentro ou acima do sacerdócio do crente.

O casamento é diferente porque não está associado a nenhum culto. Em vez disso, o que “faz” um casamento é o acordo entre um homem e uma mulher de que eles formarão um relacionamento desse tipo. Deus é a única testemunha necessária, e ele é a testemunha de todo casamento, quer ele seja reconhecido ou não. O primeiro casamento não teve uma terceira testemunha humana. Não havia estado nem igreja, a menos que usemos a palavra “igreja” de forma tão vaga que Adão e Eva contavam como a igreja. Mesmo assim, percebemos uma diferença, já que não havia culto formal.

Portanto, nenhum estado e nenhuma igreja pode criar ou destruir um casamento ― o relacionamento não tem relação necessária com eles, mas é formado apenas entre o homem e a mulher diante de Deus. O estado e a igreja só podem reconhecer o acordo entre o homem e a mulher, e o acordo ainda permanece, mesmo se o estado e a igreja se recusarem a reconhecê-lo. A igreja deve ter um cuidado especial para se lembrar disso ― ela não tem poder místico para formar uma união, por isso não deve alegar ter tal poder.

A implicação é consistente com o que (espero!) a maioria das pessoas já reconhece. Reconhecemos que os casais não cristãos são de fato casados, não importa como o casamento tenha ocorrido. Se eles dizem que são casados, então nós acreditamos que eles são, e esperamos que eles se comportem como se fossem casados, de modo que todos os princípios bíblicos concernentes ao casamento se apliquem, incluindo liderança masculina, submissão feminina, proibições contra o adultério, e assim por diante.

Se o homem fugisse com outra mulher e se casasse ela, não iríamos encolher os ombros e dizer: “Bem, na verdade ele não era casado mesmo, e por isso não fez nada de errado”. Não, nós diríamos que ele já era casado, e portanto ele cometeu adultério e poligamia. Em outras palavras, não importa se um casal se casa sob um estado, igreja ou mesmo uma cerimônia de vodu ― se eles concordam que são casados, eles são casados. A cerimônia é apenas uma formalidade adicionada ao contrato de casamento real. Assim, um homem e uma mulher casados no Catolicismo não precisam se casar novamente, porque eles não eram casados ​​pelo Catolicismo, mas por seu próprio consentimento. É claro que a Bíblia inclui registros de cerimônias de casamento, mas como história, não como doutrina ensinando que essas cerimônias são necessárias para fazer um casamento. O que Deus uniu, que o homem não separe ― o homem não tem poder de fazer nem um, nem outro.

Os cristãos consideram o casamento como especial e espiritual. Eu concordo. No entanto, isso não permite que a igreja o torne algo que ele não é. Ele não é um sacramento. É um acordo instituído na criação, não em culto. Reservar algum poder especial à igreja para “fazer” uma união matrimonial é o pensamento católico. Seria muito hipócrita para os Protestantes, e especialmente os Reformados, discordar do que estou dizendo aqui.

Nenhuma cerimônia humana é estritamente necessária além do acordo entre o homem e a mulher. No entanto, quando vivemos em uma sociedade, muitas vezes há cerimônias e procedimentos adicionados a esse acordo matrimonial básico para que o relacionamento possa ser reconhecido nessa sociedade e para que o casal possa funcionar como uma unidade conjugal. É por isso que nos registramos no governo. Portanto, o casamento estatal é aceitável, porque nenhum estado ou igreja realmente faz o casamento.

Alguns cristãos podem se sentir desconfortáveis ​​com isso, mas o desconforto é devido às tradições humanas. A posição afirmada não afrouxa o padrão do casamento, mas o torna estrito, honrado e universal. Ela afirma que Deus considera todos os casamentos responsáveis, não apenas aqueles que foram realizados em uma igreja. Deus mantém todos os casamentos não cristãos segundo os padrões bíblicos e, é claro, eles jamais podem viver à altura desse padrão.

Qualquer pessoa que considere o casamento civil deve resolver isso com base na palavra de Deus, desafiando a tradição humana, de forma que sua consciência possa se alinhar com a verdade, e então estará livre para agir ousadamente e sem embaraço.

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¹ Nota do Tradutor: Em inglês cult, que pode ser traduzido tanto como “culto” como “seita”.

Vincent Cheung. Civil Marriage. Disponível em Sermonettes — Volume 1 (2010), pp. 90–92. Tradução: Luan Tavares (12/02/2019).

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“Tudo é possível àquele que crê.” (Marcos 9:23 NVI)

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