Características da Fé

Charles H. Spurgeon

Luan Tavares
32 min readOct 1, 2021

Então Jesus lhe disse: Se não virdes sinais e prodígios, de modo algum crereis (Jo 4.48).

Como sabemos, em sua […segunda…] carta a Teófilo, Lucas […Atos…] … cita sua carta anterior, o evangelho de Lucas, em que… fala de coisas que Jesus começou a fazer e ensinar, como se houvesse uma conexão entre seus feitos e seus ensinamentos. De fato, havia esta relação, e bastante profunda. Seus ensinamentos eram uma exposição de seus feitos, e seus feitos, a confirmação de seus ensinamentos. Jesus Cristo jamais diria “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Sua palavra e sua ação se entrosavam uma com a outra, na mais perfeita harmonia. Podemos estar certos de que era sincero e honesto naquilo que dizia porque o que fazia levava as mentes a ganhar tal convicção. Somos ainda levados a entender que aquilo que ele ensinava era verdade porque falava com autoridade, uma autoridade provada e demonstrada pelos milagres que realizava.

Meus irmãos em Cristo! Permita Deus que a nossa biografia, quando for escrita, não seja apenas um amontoado de palavras, mas possa ser a história de nossos dizeres e feitos! Que o bom Espírito de Deus possa habitar em nós de tal maneira que, no último dia, seja possível perceber que os nossos atos não entraram em choque com o nosso falar! Uma coisa é pregar; outra é praticar. Se pregação e prática não caminharem juntas, o pregador estará condenando a si mesmo, e a sua prática doentia poderá arrastar à condenação multidões, por causa da liderança que exerce, ao levar as pessoas a se afastarem de Deus. Se você afirma que é um servo de Deus, viva de acordo com essa confissão. Se acha ser necessário exortar os outros à virtude, certifique-se de que você mesmo seja o exemplo. Você não tem o direito de ensinar se não houver aprendido a lição que pretende passar aos outros.

Isso já basta como introdução. Vamos agora entrar no assunto propriamente dito. Parece-me que essa narrativa diante de nós sugere três pontos, cada um dos quais subdividindo-se em mais três. Destacarei, em primeiro lugar, três estágios da fé. Em segundo lugar, destacarei três doenças às quais a fé está sujeita. Por último, farei três perguntas sobre a sua fé.

I. Comecemos, portanto, com A FÉ EM TRÊS DE SEUS ESTÁGIOS.

A história da fé pode ser adequadamente dividida em cinco ou seis estágios diferentes de crescimento, mas a nossa narrativa sugere uma divisão em três partes. Portanto, vamos nos concentrar nisto, esta manhã.

Havia um oficial do rei que vivia em Cafarnaum. Ele ouviu rumores de que um famoso profeta e pregador está constantemente visitando as cidades da Galileia e que consta que esse poderoso pregador não apenas cativa todos os ouvintes por meio de sua eloquência, mas conquista o coração dos homens por meio de milagres que realiza, confirmatórios de sua missão. O oficial guarda tudo isso em seu coração, sem considerar que essas coisas venham a ter um dia qualquer utilidade prática para ele. Acontece que seu filho cai doente — talvez seu filho único, muito amado e querido. Em vez de amainar, a doença se toma cada vez mais grave. Uma febre sopra seu bafo quente sobre a criança e parece secar toda a umidade de seu corpo, tirando todo o viço de seu rosto. O pai consulta todos os médicos ao seu alcance; eles apenas olham para a criança e, de maneira cândida, dizem que não há esperança. Não é possível realizar nenhuma cura. A criança está a ponto de morrer. A seta da morte está praticamente enterrada em sua carne e perto de penetrar seu coração; a criança não apenas pode morrer, mas está, literalmente, à beira da morte, forçada, pela enfermidade, a receber a flecha farpada desse insaciável arqueiro. Nesse instante, o pai traz à memória as narrativas que ouviu das curas realizadas por aquele profeta, Jesus de Nazaré. Quase não existe fé em seu coração; mas, ainda que pequena, é fé suficiente para que o oficial faça uso de todo o seu empenho para atestar a veracidade daquilo que ouvira.

Jesus Cristo havia chegado outra vez a Caná, localidade a uns 25 a 30 quilômetros distante de Cafarnaum. O pai viaja o mais depressa possível até lá. Sua fé se encontra em um estágio em que, tão logo vê o mestre, começa a clamar: Senhor, desce antes que meu filho morra (Jo 4.49). Em vez de a resposta do mestre ser aquela que provavelmente esperava, talvez a que o pudesse pelo menos consolar, Jesus o repreende, embora amavelmente, pela pequenez de sua fé, dizendo: Se não virdes sinais e prodígios, de modo algum crereis (Jo 4.48). O homem, porém, dá pouca atenção à reprimenda. Dentro dele, há um único e forte desejo, que consome toda a força de sua alma. Sua mente está de tal modo tomada pela angustia e ansiedade que não dá atenção a mais nada à sua volta. “Senhor”, repete ele, desce antes que meu filho morra. Sua fé havia chegado agora a tal ponto nesse estágio que ele suplica, mas insiste com decisão, que o Senhor vá a Cafarnaum curar seu filho. O mestre fita aquele homem com um olhar de inefável benevolência e lhe diz: Vai, o teu filho vive (Jo 4.50). O pai, então, toma seu caminho de volta com alegria, rapidez e satisfação, confiando totalmente na palavra dita — embora sem ter nenhuma evidência de sua confirmação.

Chega assim ao segundo estágio de sua fé: deixa a fase da busca para a etapa da confiança. Não clama mais nem pede por uma coisa que não tem; agora, confia e crê naquilo que lhe foi dado, muito embora ainda não tenha percepção desse presente. Ainda no caminho de casa, seus servos vêm se encontrar com ele em jubilosa antecipação e lhe dizem: “Patrão, o teu filho vive”. O oficial indaga logo a que horas a febre o deixara. A resposta: por volta das 7 horas, a febre havia cessado. Ele então prossegue em seu rumo.

Alcança agora o terceiro estágio da fé. Chegando em casa, vê seu filho perfeitamente restaurado. A criança abre os braços, cobre-o de beijos, e o pai, depois de abraçá-lo e erguê-lo para certificar-se de que aquele menino era realmente o pequeno que estivera tão doente, tão pálido e abatido, vibra com sentimentos ainda mais intensos. Sua fé havia saído da esperança para a plena certeza. Assim, tal como ele próprio, toda a sua casa agora crê.

Apresentei-lhes apenas um esboço da narrativa para que vocês pudessem observar ali os três estágios da fé. Vamos agora examinar cada um deles com mais profundidade.

Ao começar dentro da alma, a fé nada mais é do que um pequeno grão de mostarda. O povo de Deus não nasce gigante; nasce normalmente, como bebês, e, como é bebê na graça, essa graça é como se estivesse na infância. No momento em que Deus a concede, a fé nada mais é do que uma criança pequena. Ou então, para usarmos outra metáfora, a fé ainda não é um fogo, sim, apenas uma fagulha, em tal condição que parece estar prestes a apagar, mas que, abanada e mantida viva, irá transformar-se em calor fortíssimo, mais forte que o daquela fornalha de Nabucodonosor. Quando o pobre homem dessa narrativa recebe sua fé, nada mais é do que algo em grau muito pequeno. E a fé daquele que busca. E este é o primeiro estágio da fé.

Perceba, porém, que é esta fé do que busca que o levou a agir. Tão logo Deus dá ao homem a fé que busca, ele não fica mais ocioso em relação à crença. Não cruza os braços como antinomiano, dizendo: “Se devo ser salvo, então serei salvo; assim, permanecerei sentado e quieto, pois, se é para ser condenado, serei condenado”. Não é mais desinteressado e indiferente como costumava ser, quando achava que ir ou não à casa de Deus era uma simples opção que se lhe apresentava. Obteve a fé que busca, e essa fé faz que passe a buscar os meios da graça, levando-o a ouvir a Palavra e a ser diligente no uso de todos os demais meios de bênção ordenados a sua alma. Se há um sermão a ser ouvido, não importa se existem dez quilômetros à frente para percorrer, pois a fé que busca coloca até asas em seus pés. Se existe uma congregação na qual Deus está abençoando as almas, esse homem irá entrar ali e estará entre a multidão. Não significa, porém, que a fé que busca lhe dá forças para se aquietar em sua posição na platéia, pensando: “Ah, quem me dera poder ouvir toda a Palavra”. Seu interesse é o de não perder uma sílaba sequer do orador. “Talvez a frase que eu perca seja exatamente aquela de que eu tanto preciso”, pensa ele. Quão determinado ele se toma de que deverá estar não apenas algumas vezes na casa de Deus, mas, sim, que deve fazê-lo com a maior frequência. Passa a ser um dos ouvintes mais entusiasmados, o mais determinado dos homens que frequentam aquele lugar de adoração. A fé que busca dá maior atividade ao homem.

Mais que isso: a fé que busca — embora possa parecer fraca em alguns aspectos — dá ao homem grande poder na oração. Tal como aquele oficial estava determinado, ao rogar: Senhor, desce antes que meu filho morra (Jo 4.49). Sim, quando entra na alma, a fé que busca faz o homem orar com determinação. Não se contenta mais com o murmúrio de algumas palavras, ao levantar-se pela manhã, ainda sonolento, assim como quando vai para a cama, à noite. Mas ele vai além: separa quinze minutos do seu trabalho, se puder, para clamar a Deus em secreto. Ainda não tem fé que possa capacitá-lo a dizer “meus pecados estão perdoados”, mas tem fé suficiente para saber que Cristo pode perdoar seus pecados; e o que mais deseja é poder saber se os seus pecados serão realmente lançados fora, para longe, por Jeová. As vezes, terá algum impedimento para orar — mas a fé que busca fará que ore no sótão, no estábulo, no celeiro, atrás de uma cerca ou até mesmo caminhando pela rua. Satanás poderá colocar milhares de dificuldades no seu caminho, que a fé que busca vai levar o homem a bater na porta da misericórdia.

Contudo, se a fé que você recebeu ainda não lhe dá paz, se ainda não o coloca no lugar onde não há condenação, não se preocupe: se for uma fé verdadeira, há de crescer e fará que isso aconteça. Ela simplesmente não foi ainda alimentada; precisa ser cuidada e exercitada; e, então, a fé que é ainda escassa irá se tornar grande e poderosa. A fé que busca há de chegar a um estágio mais alto de desenvolvimento, e você, que bateu na porta da misericórdia, entrará, e será recebido com boas-vindas à mesa de Jesus.

Perceba que, no caso desse homem, a fé que busca não apenas fez que ele fosse determinado, como também insistente e importuno, em sua petição. Pede uma vez, e a única resposta que recebe, que não entende, é uma recusa, mas aparente. Ele, todavia, não se afasta dali amuado, aborrecido, dizendo: “Ele me repreendeu”. Não. Ele insiste: Senhor, desce antes que meu filho morra. Não posso dizer como se devia sentir ao dizer isso, mas não tenho dúvida de que soube expressar seu sentimento em termos que tocam a alma, provavelmente com lágrimas rolando de seus olhos e as mãos unidas em atitude de súplica. Parece dizer: “Não posso deixar que o Senhor se vá sem que desça a Cafarnaum e salve meu filho. Oh, por favor, desce! Existe alguma coisa mais que eu possa dizer que te possa convencer a ir? Que o meu amor de pai seja o meu melhor argumento! Se meus lábios não forem bastante eloquentes, que as lágrimas dos meus olhos assumam o lugar das minhas palavras. Desce, Senhor, desce antes que meu filho morra!”

Que doces mas poderosas orações a fé que busca pode levar um homem a fazer! Já houve ocasiões em que aquele que buscava pedia a Deus com um poder tal que nem Jacó poderia ter tido no vau do Jaboque. Já vi pecador debaixo de tão grande dificuldade em sua alma, batendo na porta da misericórdia e sem poder entrar, e que, em vez de ir embora, como que se agarrar aos pilares da porta e balançá-los, como se pudesse, num instante, arrancá-los de suas profundas fundações. Já vi pecador puxando-os e empurrando-os, lutando e combatendo, por não haver entrado no reino dos céus, por crer que o reino dos céus é tomado à força, e os violentos o tomam de assalto (Mt 11.12).

Não é de surpreender que você não obtenha paz se coloca diante de Deus suas orações com frieza. Aqueça suas orações na fornalha do desejo santo, até que fiquem vermelhas, em brasa; caso contrário, não irão abrir seu caminho a fogo até o céu. Se você simplesmente faz uso da forma fria da ortodoxia, repetindo “Deus, seja misericordioso para comigo um pecador”, nunca encontrará misericórdia. Somente o homem que clama em ardente angústia e emoção profunda vinda do coração — “Deus, sê misericordioso para comigo, que eu sou pecador; salva-me ou morrerei” — é que terá sua súplica atendida. Somente aquele que concentra sua alma em cada palavra e que põe para fora a violência de seu ser em cada frase é que consegue abrir caminho por entre as portas do céu. A fé que busca uma vez concedida, pode levar um homem a agir assim. Existem alguns aqui, sem dúvida, que já chegaram a esse ponto. Acho que posso até ver, aqui, lágrimas começarem a correr dos olhos de muitos que foram dispensados de maneira aparentemente rude, mas posso ver isso também como indicação de dizerem em sua alma: “Ah, eu sei o significado disso e creio que foi Deus que me trouxe até aqui”.

Devo dizer, porém, uma palavra com relação à fraqueza da fé que busca. Ela pode fazer muita coisa certa, mas comete também muitos erros. A fraqueza da fé que busca é conhecer muito pouco. Isso pode ser perfeitamente percebido naquilo que o pobre homem insistentemente diz: “Senhor, desce, desce”. O mestre não precisava descer a Cafarnaum. O Senhor pode, como pôde, realizar o milagre sem precisar ir lá. Mas o nosso pobre amigo pensava que Jesus não poderia salvar seu filho se não fosse até lá, olhasse o menino, colocasse sua mão sobre ele, se ajoelhasse, orasse e, talvez até, quem sabe, tivesse de se colocar por cima do menino, como fez Elias. “O Senhor, desce”, repetia ele.

O mesmo não acontece com você? Você já não terá ditado a Deus a maneira pela qual ele deveria salvá-lo? Você quer, talvez, que ele envie sobre você algumas terríveis convicções e acha que, então, poderia crer. Ou você pode querer ter um sonho, ou uma visão, ou ouvir uma voz lhe dizendo: Filho, teus pecados estão perdoados (Mc 2.5). Esta é a fraqueza de sua fé. A fé que busca é forte o suficiente para fazer você orar, mas não tem poder para tirar de sua mente fantasias tolas. Você está querendo ver sinais e maravilhas, caso contrário não poderá crer? Oh, meu nobre amigo, se Jesus optasse por dizer a palavra e seu filho fosse curado, isso não lhe agradaria, mesmo que ele não descesse a Cafarnaum? “Oh, não havia pensado nisso!”, diria talvez o oficial, e assim por diante. Oh, pobre pecador, se Jesus quisesse lhe dar paz esta manhã, neste lugar, ou fazê-lo passar um mês sob o flagelo da lei não seriam opções que cabem somente ao Senhor Jesus? Se você simplesmente passou por essa porta e aqui foi capacitado a crer em Cristo e assim encontrar a paz, ou se tivesse de passar pelo fogo e pela água, assim como todos os seus pecados pela sua cabeça, não estaria isso de acordo com o Senhor, não seria uma salvação tão boa como de qualquer outra forma? Eis, portanto, a fraqueza de sua fé. Embora exista muita excelência nela por levá-lo a orar, existe nela a falha de fazer você querer prescrever, e de maneira imprudente, de que modo o Todo-poderoso deveria agir para o abençoar; ou seja, a impugnar a soberania divina e ditar, de forma a mais ignorante, de que maneira deverá vir a bênção prometida.

O oficial passa agora para o segundo estágio da fé. O mestre estendeu sua mão e lhe disse: Vai, o teu filho vive (Jo 4.50). Consegue imaginar, então, a mudança repentina de fisionomia no oficial? As rugas em sua testa são suavizadas em um instante, não existem mais. Aqueles olhos enchem-se de lágrimas, mas de outro tipo agora — lágrimas de alegria. Ele aperta as mãos, sai rapidamente e de maneira silenciosa, seu coração pronto a explodir de gratidão, toda a sua alma cheia de confiança. “Por que você está tão feliz?”, “Porque meu filho está curado”, diria ele. “Mas você ainda não o viu curado.” “O mestre me afirmou que ele está curado, e eu creio nele.” “Mas pode ser que, quando você chegar em casa, descubra que sua fé foi uma ilusão, e seu filho nada mais é do que um corpo inerte.” “Não”, reponde ele com firmeza. “Eu creio nesse homem. Antes, coloquei minha fé e esperança nele e o busquei; agora, que o encontrei e ouvi, creio nele!” “Mas você não tem prova alguma de que seu filho esteja curado!” “Não preciso de nenhuma prova. A palavra desse profeta divino é o suficiente para mim. Ele falou, e eu sei que é verdade. Disse-me para eu ir para casa. Meu filho vive. Vou seguir o meu caminho, muito tranquilo e em muita paz.”

Preste atenção agora, quando sua fé chega a um segundo estágio, em que você é capaz de aceitar a palavra de Cristo. Você começa, então, a conhecer a felicidade de crer. E nesse momento que sua fé conduz à salvação de sua alma. Acredite, pecador, no que a Palavra de Deus diz: Aquele que crê no Senhor Jesus Cristo será salvo (At 16.31). Mas alguém poderá alegar: “Eu não sinto qualquer evidência disso”. Não deixe de crer, por causa disso. “Mas”, diz outra pessoa, “eu não sinto alegria no coração”. Creia, e o seu coração não ficará mais triste; essa alegria logo há de vir depois. Heroica é a fé que crê em Jesus em face de milhares de contradições. Quando o Senhor lhe concede essa fé, você pode dizer: “Não confio na carne ou no sangue. Aquele que me disse ‘creia, e você será salvo’ deu-me a graça para crer e, portanto, tenho total confiança de que sou salvo. Lancei minha alma sobre o amor, o sangue e o poder de Cristo, seja para afundar, seja para sobrenadar; e, embora minha consciência ainda não haja dado nenhum testemunho à minha alma, embora as dúvidas me aflijam e as lágrimas ainda me atinjam, contudo honrarei meu mestre, crendo em sua palavra, mesmo que possa parecer contrária ao bom senso puramente humano, mesmo que minha razão tente se rebelar contra ela e meus sentimentos passados ousem injuriá-la como uma mentira”.

É bastante honroso para um homem que tem um seguidor que creia inquestionavelmente nele. Tal homem, digamos, apresenta uma opinião que contradiz a opinião comum do mundo, manifestando-a ao público, que grita e assobia zombando dele; todavia, ele tem um discípulo que afirma: “Eu creio no meu mestre; creio que aquilo que ele diz é verdadeiro”. Existe algo de nobre nisso — no homem que recebe uma homenagem como essa. Ele pode dizer: “Sou mestre de pelo menos um coração”. No momento em que, diante de tudo o que seja conflitante, você se coloca de pé a favor de Cristo e declara crer em suas palavras, está lhe prestando uma homenagem muito maior do que todos os querubins e serafins diante do trono da graça. Ouse crer; confie em Cristo, eu lhe digo, e você será salvo.

Nesse estágio da fé é que o homem começa a desfrutar da quietude e da paz da mente. Muitos excelentes expositores afirmam que a distância entre Caná e Cafarnaum seria de 25 a 35 quilômetros. Suponho que tal distância haja mudado nos dias atuais. De todo modo, não levou muito tempo para que esse homem chegasse a sua casa e visse seu filho curado. Fora à hora sétima que o mestre dissera “o teu filho vive”. Fica evidente, pelo texto evangélico, que o oficial só veio a se encontrar com seus servos no dia seguinte, porque eles lhe informaram: Ontem à hora sétima a febre o deixou (Jo 4.52). Com base nisso, o que podemos concluir? Eu faço a seguinte dedução: o oficial estava tão seguro de estar o seu filho vivo e bem de saúde que não teve pressa excessiva ao voltar. Não foi para casa correndo, como se precisasse chegar a tempo de consultar outro médico, caso Cristo não tivesse sido bem-sucedido. Seguiu seu caminho de maneira calma e tranquila, confiante na verdade dita por Jesus. Bem dizia um dos pais da igreja: “Aquele que crê não se apresse”. Nesse caso, isso foi inteiramente verdadeiro. O homem estava calmo. Talvez estivesse a uma distância de doze horas de casa, muito embora tenha precisado viajar apenas 25 a 30 quilômetros. Aquele que recebe a palavra de Cristo plenamente como a base de sua esperança coloca-se sobre uma rocha firme enquanto todos os outros terrenos nada mais lhe são que areia.

Meus irmãos e irmãs, alguns de vocês já chegaram até aqui. Estão recebendo plenamente a palavra de Cristo. Não vai demorar muito para que você entre no terceiro e melhor estágio de sua fé. Contudo, enquanto não chegar lá, continue crescendo no seu Senhor e mestre, continue confiando nele. Mesmo que ele não o leve logo à casa do banquete, continue confiando nele. Se ele precisar trancá-lo em algum lugar, continue confiando nele. Diga Ainda que ele me mate, nele esperarei (Jó 13.15). Por mais que ele possa permitir que as flechas da aflição perfurem sua carne, confie nele. Ainda que o quebre em pedaços com sua poderosa mão direita, confie nele. Chegará o tempo em que ele fará sobressair a sua justiça como a luz, e o seu direito como o meio-dia (SI 37.6).

Vamos prosseguir agora rapidamente para o terceiro e melhor estágio da fé. Os servos se encontram com o oficial — seu filho está curado. Chega em casa, abraça o filho e constata que está perfeitamente restaurado. Então, como diz a narrativa, creu ele e toda a sua casa (Jo 4 53). Mas você notou que no versículo 50 já se diz que ele creu? E o homem creu na palavra que Jesus lhe dissera (Jo 4.50). Alguns expositores bíblicos têm ficado grandemente perturbados, pois não sabem exatamente em que momento aquele homem creu. O bom Calvino esclarece o assunto — e seus comentários possuem sempre grande peso e são sempre excelentes. Não hesito em afirmar que Calvino é o maior expositor que jamais existiu em esclarecer a Palavra de Deus. Em seus comentários, frequentemente eu o vejo cortando suas próprias Institutas em pedaços, sem tentar dar um significado calvinista à passagem, mas sempre tentando interpretar a Palavra de Deus como ela se apresenta. Diz ele, então, que esse homem teve, em um primeiro momento, uma simples fé, que apenas confiou em Cristo. Ele creu na palavra que Cristo lhe disse. Posteriormente, teve a fé plena, ao receber Cristo em sua alma, para tomar-se seu discípulo e confiar nele como o Messias. Acho que não estou errado em usar justamente isso como ilustração da fé em seu estágio mais elevado. O oficial confirmou que seu filho havia sido curado no exato momento em que Jesus disse que o seria. “Agora eu creio”, diz a si mesmo — o que quer dizer: creu, então, com plena certeza de fé. Sua mente fora liberta de todas as suas dúvidas. Creu em Jesus de Nazaré como o Cristo de Deus e, nessa condição, entendeu que ele certamente era o Enviado de Deus, e as dúvidas e os maus pressentimentos não ocuparam mais sua alma.

Ah! Conheço muitas pobres criaturas que querem chegar a esse estágio, mas querem chegar lá logo de início. São como um homem que deseja subir uma escada sem passar pelos degraus inferiores. Argumentam o seguinte: “Se eu tivesse plena certeza de fé, então acreditaria que sou filho de Deus”. Não, não. Creia, confie na palavra de Cristo como ela lhe é apresentada e, então, você sentirá em sua alma o testemunho do Espírito de que é nascido de Deus. A certeza é uma flor. Você deve plantar primeiro o bulbo — aquele bulbo simples e aparentemente invisível da fé — , plantar a semente, para que, depois, possa ter a flor. A semente de uma pequena fé brota, e, então, você tem uma espiga no talo pleno da certeza da fé.

Quero, porém, que você perceba que, quando esse homem chegou à plena certeza da fé, sua casa também creu. Há um texto citado com bastante frequência, mas acho que ainda não o ouvi citado da maneira correta — aliás, existem pessoas que nada sabem dos autores além do que ouviram falar deles e as que só sabem da Bíblia o que ouviram outros dizerem. Quero me referir àquele versículo que diz: Crê no Senhor Jesus e serás salvo […] O que aconteceu para que as últimas palavras sejam constantemente cortadas? “… tu e a tua casa” — estas palavras me parecem tão importantes quanto as primeiras! Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa. Será que a fé do pai levou a família a ser salva também? Sim? Não? Sim — ela o fez de alguma maneira, a saber: a fé do pai o fez pedir a Deus por sua família, Deus ouviu sua oração, e a família foi salva. Mas também não — pois a fé do pai não poderia substituir a fé da esposa, dos filhos, da família; eles também teriam de crer. Em ambos os sentidos da palavra, eu digo então: “sim e não”. Quando um homem crê, há esperança de que seus filhos sejam salvos. Mais do que isso, existe uma promessa, e o pai não deve descansar até ver todos os filhos salvos. Se negligenciar, é porque não crê corretamente. Existem muitos homens que creem apenas para si mesmos. Mas, se eu tenho uma promessa, devo crer nela no seu sentido mais amplo. Por que minha fé não poderia ser tão ampla quanto a promessa? Uma coisa, então, deverá ser destacada: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa (At 16.31). Coloco meu clamor diante de Deus pelos meus pequeninos — pois, quando me dirijo a Deus em oração, posso pedir: “Senhor, eu creio, e tu disseste que eu serei salvo, assim como a minha casa. Tu me salvaste, mas ainda não terás cumprido toda a promessa até que tenhas salvo minha casa também”.

Afirma-se, por vezes, que aqueles, como nós, que creem ser o batismo infantil uma heresia, sem contar com um texto bíblico claro a respeito disso, estejamos negligenciando quanto à salvação de nossos filhos. Não poderia haver aleivosia maior do que essa. Na verdade, o que estamos fazendo aos nossos filhos é a melhor coisa que possivelmente lhes poderíamos fazer, ao lhe ensinarmos que eles não são propriamente membros da igreja de Cristo; que não se tomam cristãos só por serem “cristianizados” na pia batismal; que devem, primeiro, nascer de novo, e que esse novo nascimento deve acontecer dentro deles, coisa que devem perceber e entender de maneira consciente, e não que possamos fazer em seu lugar, por eles, em sua infância, enquanto ainda usam fraldas, apenas aspergindo água em sua cabeça. Achamos, inclusive, que existe muito mais possibilidade de eles se converterem do que aqueles que são criados na noção errada que lhes é ensinada por aquela expressão do catecismo católico — expressão ímpia, blasfema e falsa: “No meu batismo, fui feito membro de Cristo, filho de Deus, herdeiro do reino dos céus”. O papa de Roma nunca pronunciou uma sentença mais profana do que essa. Nunca disse uma sílaba mais contraditória a todo o teor da Palavra de Deus. Nem crianças nem adultos são salvos pelo batismo. Quem crer e for batizado será salvo (Mc 16.16). O batismo não precede a crença. Também não é um ato conjugado, ou uma obra conjugada, à nossa salvação, pois a salvação é uma obra da graça, ligada à fé e somente à fé. Batizado ou não, se você não crer, está perdido. Contudo, não batizado, se você crer, será salvo. Nossos filhos que morrem na infância, sem qualquer supersticioso ritual santificado, não obstante, são salvos.

II. Chegamos agora à segunda parte de nosso assunto: AS TRES DOENÇAS ÀS QUAIS A FÉ ESTÁ SUJEITA. Essas três doenças se subdividem em diferentes estágios.

Vamos abordar, em primeiro lugar, a fé que busca. O poder da fé que busca reside em sua força de levar o homem a orar. E aqui está sua doença: quando estamos procurando começar, somos muito propensos a suspender nossa vida de oração. Com que frequência o diabo sussurra no ouvido do homem: “Não ore, isso não leva a nada. Você sabe que as portas do céu vão bater na sua cara!” Se o homem acha que recebeu uma resposta à sua oração, Satanás diz: “Você não precisa orar mais; já recebeu o que havia pedido”. Mas, se depois de um mês de clamor, ele não recebe a bênção, Satanás sussurra: “Como você é tolo por ficar parado aí no portão da misericórdia! Saia daí! Vá embora! O portão está muito bem trancado, e você nunca será ouvido”. Meus amigos, como vocês estão sujeitos a essa doença enquanto buscam Cristo! Insisto em que clamem e trabalhem contra ela, sem nunca deixar de orar. Um homem jamais afundará no rio da ira divina se clamar. Clame a Deus por misericórdia, e a misericórdia nunca se afastará de você. Não deixe que Satanás o afaste da porta temporariamente fechada, mas empurre-a, quer ele queira, quer não. Se desistir da oração, você estará selando sua condenação. Se renunciar à súplica, você estará renunciando a Cristo e ao céu. Continue em oração. Mesmo que a bênção possa demorar, mais cedo ou mais tarde ela virá; no tempo próprio de Deus, ela há de se mostrar a você.

A doença que mais provavelmente se abate sobre aqueles que já estão no segundo estágio — ou seja, aqueles que já confiam inquestionavelmente em Cristo — é a doença de querer ver sinais e maravilhas para então crer. No começo do meu ministério, junto a uma população rural, conheci pessoas que achavam serem cristãs simplesmente porque, segundo imaginavam, tinham visto determinados sinais e maravilhas. Histórias das mais ridículas me eram então narradas por pessoas ingênuas e sinceras, como motivo pelo qual acreditavam terem sido salvas. Ouvi uma vez um relato, que é mais ou menos como se segue.

— Eu creio que os meus pecados foram eliminados.
— Por quê?
— Bem, senhor, eu estava ajoelhado no quintal da minha casa e vi uma grande nuvem. Pensei que Deus poderia fazer que aquela nuvem fosse embora, se isso fosse de seu agrado, e ela foi embora. Eu então cheguei à conclusão de que a nuvem e os meus pecados haviam ido embora e, desde então, não tenho tido nenhuma dúvida disso.

“Bem”, pensei, na ocasião, “você tem boas razões para duvidar, pois isso é totalmente absurdo”.

Se eu fosse contar todos os caprichos e fantasias que algumas pessoas têm em sua mente, você poderia até achar graça, mas isso não iria adiantar coisa alguma. Não haja dúvida de que os homens podem montar qualquer história estúpida, qualquer fantasia estranha, com o objetivo de nos fazer pensar que é assim que podemos confiar em Cristo. Ó meu caro amigo, se você não tem outra razão para crer que está em Cristo do que simplesmente um sonho ou uma visão, é hora de começar tudo de novo. Tenho a certeza de que alguns têm-se alarmado, convencido e talvez até convertido por estranhas excentricidades de sua imaginação. Mas se você for confiar nessas coisas como sendo uma garantia real dada por Deus, se for olhar para isso como evidência verdadeira de que é salvo, afianço-lhe que estará simplesmente se apoiando em um sonho fugaz, uma ilusão. Seria a mesma coisa que tentar construir um castelo no ar ou uma casa sobre a areia.

Aquele que crê em Cristo, o faz tão somente por causa daquilo que ele diz e faz e que está na Palavra. Não crê em Cristo porque sonhou com o Senhor, ou porque ouviu uma voz — que poderia ser o gorjeio de um pássaro cantando — , ou porque achou que tenha visto um anjo no céu, ou uma névoa que assumiu um formato peculiar, ou qualquer outra coisa assim. Não; precisamos parar de vez com essa história de querer ver sinais e maravilhas. Se vierem, seja agradecido; mas, se não vierem, simplesmente confie na palavra que diz: Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens (Mt 12.31). Não digo isso para ferir qualquer consciência, pois talvez tal consciência possa encontrar algum conforto em maravilhas assim tão singulares. Digo essas coisas, e de modo honesto, para que você não se deixe iludir. Faço-lhe um apelo e advertência solene para que não coloque sua confiança em nenhuma coisa que ache que tenha visto, ouvido ou sonhado. Este livro que tenho aqui nas mãos, a Bíblia, é a palavra segura do testemunho de Deus, ao qual fazemos muito bem em dar toda a atenção, tal como uma luz que brilha intensamente nas trevas. Confie no Senhor; espere pacientemente por ele; lance toda a sua confiança em quem você pode colocar todos os seus pecados, a saber, Jesus Cristo somente — e você será salvo, tenha ou não visto qualquer um desses sinais e maravilhas.

Receio que alguns cristãos, em Londres, caíram nesse erro de esperar ver sinais e maravilhas. Eles têm promovido reuniões de oração especiais visando a um reavivamento. Como as pessoas não têm, nessas reuniões, caído no chão como se tivessem desmaiado ou não têm gritado ou feito uma ruidosa barulheira, talvez os promotores do evento tenham achado que o reavivamento não veio. Que tenhamos olhos apenas para ver os dons de Deus da maneira que Deus escolha nos conceder! Não queremos propriamente “o reavivamento do norte da Irlanda”; queremos o reavivamento em sua bondade, sim, mas não dessa forma em particular. Se o Senhor nos mandar um reavivamento de outro modo, ficaremos ainda mais felizes por não termos tido aquelas obras da carne excepcionais. Se o Espírito trabalhar na alma, seremos felizes em constatar a verdadeira conversão e, se ele escolher trabalhar no corpo também, ficaremos muito gratos por ver isso. Se o coração dos homens for renovado, que importância tem eles gritarem ou não? Se sua consciência for despertada, que importa se eles caírem ou não caírem no chão? Se simplesmente encontraram Cristo, por que lamentar, ou que diferença faz não terem ficado prostrados por cinco ou seis semanas, sem movimento e sem sentido? Aceite ficar sem sinais e maravilhas. De minha parte, não tenho nenhuma ansiedade por eles. Quero ver a obra de Deus sendo feita à moda de Deus — um reavivamento verdadeiro e completo, no qual sinais e maravilhas podem ser dispensados, pois não são exigidos pela fé e serem até alvo de zombaria dos que não têm fé.

Tendo falado, portanto, de duas doenças, vou agora mencionar a terceira. A terceira doença, que se coloca no nosso caminho de obtenção do mais elevado grau de fé, ou seja, da plena segurança em nossa fé, é a negligência na observação. O oficial do nosso texto indagou a seus servos, interessado, sobre a hora em que seu filho fora curado. Por meio da resposta deles, obteve a segurança e firmeza em sua fé. Não costumamos observar a mão de Deus como deveriamos. Os pioneiros puritanos, quando chovia, diziam, poeticamente, que Deus havia desarrolhado as garrafas do céu. Hoje, quando chove, dizemos simplesmente que as nuvens se condensaram. Se os mesmos puritanos tinham de cortar um campo de feno, oravam pedindo ao Senhor que lhes desse um dia ensolarado. Nós, não; talvez nos consideremos mais sábios do que somos. Consideramos que não há muito ou nenhum valor em orar por coisas assim, por acharmos que elas fazem parte do curso normal da natureza. Eles acreditavam que Deus estava presente em uma tempestade, assim como em qualquer nuvem de poeira. Falavam de um Deus presente em todas as coisas, enquanto nós as tratamos mais como leis da natureza — como se as leis naturais pudessem existir senão porque existe justamente Alguém para criá-las e executá-las e um poder divino que coloca todo esse mecanismo em ação. Não alcançamos segurança em nossa fé porque não prestamos atenção e não observamos o suficiente. Se você prestasse mais atenção à bondade providencial de Deus no seu dia a dia; se observasse a resposta às suas orações; se simplesmente percebesse e anotasse as contínuas misericórdias de Deus para com você, realmente acho que você se tomaria tal qual aquele pai, que foi levado à plena certeza de fé porque se interessou em saber, e confirmou, que, na exata hora em que Jesus falara, havia ocorrido a cura de seu filho. Seja atento, cristão. Aquele que busca perceber a obra da providência nunca terá falta de uma previdência a perceber em todas as coisas.

Guarde bem, portanto, essas três doenças da fé : cessação de oração, falsa esperança em ver sinais e maravilhas e negligência na observação das demonstrações da mão de Deus.

III. Chego agora ao terceiro ponto, sobre o qual, de maneira breve, mas significativa, existem TRÊS PERGUNTAS A SEREM FEITAS QUANTO À SUA FÉ.

Em primeiro lugar, se você diz “Eu tenho fé”, que assim seja. Existem muitos homens que dizem possuir ouro, mas nada têm; muitos que se consideram ricos e que possuem cada vez mais bens, mas que, na verdade, estão pobres, nus e na miséria. Assim, antes de mais nada, eu pergunto: sua fé o leva a orar? Não a oração do homem que repete, como um papagaio, aquela prece que um dia aprendeu a decorar; mas, na verdade, você ora como ora uma criança? Conta a Deus com sinceridade quais são seus desejos e vontades? Você realmente busca a sua face e pede a sua misericórdia? Se você vive sem oração, é uma alma sem Cristo. Sua fé é uma ilusão, e a confiança que dela possa resultar não passa de um sonho volátil que acabará por destruí-lo. Acorde desse seu sono mortal, pois, enquanto você estiver embotado por sua falsa oração, Deus não poderá responder a ela. Você não viverá para Deus se não se trancar com ele em seus aposentos. Quem nunca se ajoelha na terra, jamais poderá colocar-se de pé no céu. Aquele que nunca lutou, como Jacó, com um anjo aqui embaixo, nunca será admitido no céu por aquele anjo, lá em cima.

Sei que estou falando hoje a algumas pessoas que não oram. Você certamente tem sempre tempo disponível para estar presente em seu local de trabalho, mas não para se trancar em seus aposentos para orar. Você provavelmente nunca ora com sua família, mas não é bem sobre isso que quero falar agora com você. E sobre a sua oração particular, que você tem negligenciado. As vezes, você se levanta pela manhã bem em cima da hora para os seus compromissos e até se ajoelha para orar; mas onde está a oração? Você também não observa nenhum outro momento de súplica em seu dia. Para você, a oração parece ser um tipo de luxo caro demais para a ele se entregar com frequência.

Ah! Mas aqueles que têm fé verdadeira em seu coração estão sempre orando, quase que o dia inteiro. Não quero dizer que fiquem sempre ajoelhados; mas para esses é comum, enquanto realizam seu trabalho ou cuidam de seus negócios, enquanto estão na fábrica, na loja ou no escritório, que seu coração encontre um pequeno espaço, nem que seja de alguns minutos apenas, para se recostarem no peito de seu Deus, voltando depois para baixo novamente, para suas atividades terrenas e o lidar face a face, restaurados, com os homens neste mundo. Essas breves orações — não as que enchem plenamente o incensário pela manhã, mas as que lançam pequenas quantidades de incenso no ar durante o dia, mantendo o aroma sempre santo e perfumado — são a maneira melhor de viver, sendo essa a vida verdadeira de um genuíno crente.

Se a sua fé não faz que você ore, você não tem mais nada a fazer com ela: livre-se dessa falsa fé, e Deus irá ajudá-lo a começar tudo de novo.

Contudo, você insiste em afirmar: “Eu tenho fé”. Vou então lhe fazer a segunda pergunta. Esta fé faz que você seja obediente? Jesus disse ao oficial: “Vai”, e ele foi, sem dizer nem mais uma palavra. Embora bem pudesse ter desejado permanecer e ouvir mais o mestre, o oficial obedeceu. Sua fé faz você obedecer? Nos dias atuais, temos um tipo de cristão dos mais lamentáveis: o homem sem integridade. Já ouvi negociantes comentarem isto: que conhecem homens de negócios que não têm temor a Deus, mas são homens justos e corretos em suas transações comerciais; e que, por outro lado, conhecem cristãos professos, não declaradamente desonestos, mas que costumam passar dos limites da honestidade aqui e ali, nos negócios. Não são aqueles cavalos que não andam, mas, sim, aqueles que de vez em quando empacam. Se têm pagamento a fazer, burlam, não cumprem os prazos ou não são exatos nas contas. O fato é que, às vezes

— por que não dizer o que é verdade? — você pega cristãos cometendo atos sujos; professores de religião manchando a si mesmos com atitudes que homens puramente mundanos desprezariam.

Senhores, dou meu testemunho, esta manhã, como ministro de Deus, sincero e honesto demais para alterar uma palavra sequer a fim de agradar a qualquer homem que seja. Você não é um cristão autêntico se age nos negócios abaixo da dignidade de qualquer homem honesto. Se Deus ainda não fez que você se torne honesto, então você ainda não é salvo. Pode estar certo de que, se prosseguir assim, desobediente às leis morais de Deus, se a sua vida for inconsistente e lasciva, se sua atitude e sua conversa continuarem manchadas com coisas que até um mundano rejeitaria, o amor de Deus não está em você. Não estou pedindo perfeição; o que realmente peço é honestidade. Se a sua religião ainda não levou você ao mesmo tempo a cuidar de sua vida comum e orar; se você não foi feito ainda uma nova criatura em Cristo Jesus, sua fé é simplesmente um nome vazio, como o metal que soa ou como o címbalo que retine (1Co 13.1).

Quero lhe fazer só mais uma pergunta sobre sua fé e, então, encerrarei. Se você diz “Eu tenho fé”

— essa fé abençoa sua casa? O bondoso Rowland Hill disse certa vez, em sua maneira singular de se expressar, que, quando o homem se toma cristão, até seu cachorro e seu gato precisam também ser os melhores. Acho que foi Jay que disse que, quando o homem se toma cristão, ele melhora em todas as relações. Toma-se um marido melhor, um empregado melhor, um chefe melhor, um pai melhor do que antes; do contrário, sua fé cristã não é genuína. Meus caros irmãos e irmãs em Cristo, vocês já pensaram em abençoar seu lar? Há condição de alguém dizer “eu tenho a minha fé em Cristo só para mim mesmo”? Se assim é, não fique preocupado quanto a ela lhe ser “tirada”. Você não precisa colocá-la sob trancas e a sete chaves. O diabo não está muito interessado em tirá-la de você. Receio que um homem que pode guardar sua bondade para tão pouco ou nenhum uso não venha a ter reserva suficiente nem para o seu próprio uso, quanto mais para abençoar os outros.

Contudo, é estranho dizer, às vezes você encontra pais que parecem menos interessados na salvação de seus filhos do que na salvação das crianças pobres do orfanato. Querem ver seu filho se saindo bem na vida e a linda filha fazendo um belo casamento; mas parece que não há nenhuma preocupação em sua mente quanto à sua conversão. E verdade que o pai frequenta a igreja; congrega-se, juntamente com a família, em uma comunidade cristã de adoração. Ele espera que seus filhos possam se dar bem na vida. Têm, pelo menos, o benefício da esperança do pai — certamente um grande legado. Além disso, quando o pai morrer, deixará para eles os seus bens e, em razão destes, poderão prosperar. Mas, ao que parece, a alma paterna jamais ficou preocupada se eles serão salvos ou não. Adeus a essa falsa crença em Deus! Jogue-a no lixo. Que seja enterrada, “como o sepultamento de um asno”, jogada “fora do arraial”, como coisa impura. Não é esta, sem dúvida, a religião de Deus, de Cristo. Quem não se importa com sua própria casa é pior do que um ímpio e um publicano.

Não se contente, portanto, meu irmão em Cristo, até que seus filhos sejam salvos. Lance essa promessa diante de Deus. A promessa é para você e seus filhos; mas a palavra original “filhos”, aqui, se refere a filhos, netos e quaisquer outros descendentes que você possa ter. Não deixe de pedir a salvação deles a Deus, até estar certo de que todos os seus filhos — e, se você os tiver, seus netos — sejam salvos. Coloco-me aqui hoje como prova de que Deus é fiel à sua promessa. Posso olhar para trás, há quatro ou cinco gerações, e ver que Deus se agradou de ouvir as orações do meu tataravô, que costumava orar pedindo que seus filhos pudessem viver diante do Senhor até a última geração — e Deus nunca abandonou nossa casa, mas tem se agradado de levar todos, um a um, a temer e amar seu santo nome. Que seja assim com você. Ao orar pedindo isso, você não estará solicitando mais do que Deus se compromete a lhe dar. Ele não poderia jamais recusá-lo, a não ser que deixasse de cumprir suas promessas; não poderia se recusar a lhe dar tanto sua própria alma quanto a de seus descendentes como resposta à sua oração de fé. Alguém pode alegar: “Ah, mas você não conhece os meus filhos!” Não, não conheço, meu querido amigo, mas sei que, se você for cristão, são filhos a quem Deus promete abençoar. “Mas eles são tão desobedientes que partem meu coração!” Então peça a Deus que quebrante o coração deles, e eles não irão mais partir o seu. “Mas eles são capazes de fazer descer minhas cãs com tristeza ao Seol (Gn 42.38). Ore então para que Deus os possa levar ao arrependimento e à oração, à súplica e à cruz, e eles não levarão você à sepultura. “Mas os meus filhos têm o coração muito duro!” Olhe para o seu próprio coração. Acha que eles não podem ser salvos? Olhe para você mesmo: aquele que o salvou pode salvá-los. Chegue ao Senhor em oração e diga: “Senhor, não te deixarei ir, se me não abençoares (Gn 32.26). Mas se acha que os seus filhos estão à beira da morte espiritual, prestes a serem condenados pelos seus pecados, peça e insista, então, tal como o oficial do rei a Jesus: “Senhor, desce antes que meu filho morra; salva-o pela tua misericórdia”.

“Tu, que habitas nos altos céus: nunca haverás de rejeitar o teu povo. Longe de nós pensar que o Senhor venha a se esquecer de suas promessas. Em nome de todo o teu povo, colocamos aqui a mão sobre a tua Palavra de maneira solene e apelamos aqui pela tua aliança. Disseste, Senhor, que tua misericórdia estaria sobre o filhos dos filhos daqueles que te temessem e guardassem os teus mandamentos. Declaraste que esta promessa é para nós e os nossos filhos. Senhor, não deixarás de cumprir a tua própria aliança. Desafiamos a tua palavra por meio de uma santa fé, nesta manhã: Faze assim como disseste (Gn 18.5)”.

Charles H. Spurgeon. Milagres e Parábolas de Nosso Senhor: A Obra e o Ensino de Jesus em 173 Sermões Selecionados. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 141–150.

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Luan Tavares
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Written by Luan Tavares

“Tudo é possível àquele que crê.” (Marcos 9:23 NVI)

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