As Talhas de Caná
Charles H. Spurgeon
Ordenou-lhe Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima (Jo 2.7).
Você conhece a narrativa. Jesus estava numa festa de casamento e, quando o vinho acabou, ele o providenciou com generosidade. Creio que não seja adequado entrar em discussão sobre que tipo de vinho nosso Senhor Jesus criou naquela ocasião. Era vinho, e estou certo de que era realmente um bom vinho, pois ele não produziria nada que não fosse o melhor. Teria sido vinho como geralmente entendemos ser esta bebida hoje? Era vinho, sim, mas provavelmente existem muito poucas pessoas atualmente que hajam provado tal tipo de vinho. O que hoje leva este nome não é propriamente vinho natural e verdadeiro, mas, sim, bebida da qual certamente Jesus jamais teria provado uma gota sequer. As bebidas alcoólicas dos atuais fabricantes de vinho são bastante diferentes do suco de uva suavemente inebriante, comum em outros séculos. No que se refere ao vinho então usado no Oriente, era preciso alguém beber muito antes de ficar embriagado. Havia certamente casos de embriaguez pelo vinho; mas, como regra geral, o alcoolismo era vício raro naquela região na época de Jesus e em eras anteriores. Se o nosso grande exemplo vivesse nas circunstâncias atuais, cercado por um mar de bebidas mortais que arruína dezenas de milhares de pessoas, sei como teria agido. Estou certo de que não teria contribuído, fosse por palavras, fosse por atos, para o aumento dos rios de bebidas venenosas existentes e nos quais corpos e almas vêm sendo destruídos massivamente. O tipo de vinho que ele fez era tal que, se não fosse pelo fato de haverem surgido bebidas mais fortes, não haveria necessidade de se levantar nenhum protesto contra o hábito de beber. Provavelmente, em princípio, não fazia mal a ninguém; caso contrário, Jesus, nosso amado Salvador, não o teria criado.
Alguns têm levantado outro questionamento: sobre a grande quantidade de vinho que Jesus criou, pois calcula-se que tenha sido cerca de 450 litros ou mais. “Era preciso tudo isso?”, questiona alguém. “Mesmo que fosse vinho do tipo mais fraco, seria uma quantidade enormemente excessiva”, argumenta-se. Mas em que você está pensando? Em um casamento ocidental comum, nos dias de hoje, em que se reúnem, quando muito, umas cinquenta pessoas? O casamento oriental daquela época era bastante diferente. Mesmo que acontecesse em uma aldeia, como era o caso de Caná da Galileia, vinha gente de toda parte comer e beber, e a festa durava, quase sempre, de uma semana a quinze dias. Centenas de pessoas tinham de ser devidamente alimentadas durante dias pelos anfitriões da festa, a qual, geralmente, era aberta a todos. Além disso, quando o Senhor multiplicou os pães e os peixes, as pessoas comeram aquele alimento imediatamente ou pouco depois; do contrário, o pão mofaria e o peixe apodreceria; mas vinho pode ser guardado e tomado muito depois. Não tenho dúvida de que o vinho criado por Jesus Cristo era tão bom para ser guardado muito tempo quanto para ser bebido imediatamente ou pouco depois. Também por que não ajudar a família, fornecendo-lhe um estoque? Não deviam ser pessoas ricas. Poderiam vender mais tarde o vinho, caso quisessem. Seja o que for, este não é meu assunto e não quero me envolver em questão de somenos importância. Eu me abstenho de toda bebida alcoólica e acho que seria sábio se os outros fizessem a mesma coisa. Quanto a isso, cada um pense por si mesmo.
De todo modo, Jesus Cristo deu início à dispensação do evangelho não com um milagre de vingança — tal como o realizado por Deus no Egito, por meio de Moisés, transformando água em sangue — , mas com um milagre de liberalidade, ao transformar a água em vinho. Ele não apenas supre aquilo que é essencialmente necessário às pessoas, mas provê com fartura, e isto é altamente representativo do reino de sua graça. Ele não apenas dá aos pecadores o suficiente para salvá-los, mas dá com abundância, graça sobre graça. Os dons da aliança não são limitados nem restritos, não são pequenos em quantidade nem em qualidade. Dá aos homens não apenas água da vida, para que possam dela beber e com ela se refrescar, mas também vinhos puros, bem purificados (Is 25.6) para que possam se satisfazer e jubilar. Cristo dá como o dá um rei, em profusão, sem conter copos nem vasilhas. Uma quantidade como daqueles 450 litros de vinho é bastante pequena se comparada com os rios de amor e misericórdia que lhe agrada conceder livremente de seu coração generoso para com as almas mais necessitadas. Esqueçamos, portanto, toda questão relativa ao vinho; quanto menos coisas tivermos a cogitar, melhor será, tenho certeza. Vamos pensar simplesmente na misericórdia de nosso Senhor e deixar que o vinho seja um exemplo de sua graça, e a fartura deste, no caso, um modelo da abundância de sua graça, que ele tão liberalmente nos concede.
Em relação a este milagre, devemos destacar, ainda, quão simples e sem ostentação ele ocorreu. Seria de esperar que, quando aqui andou sob forma humana, o grande Senhor de todas as coisas começasse sua bela carreira de milagres chamando pelo menos os escribas e os fariseus, se não os reis e os príncipes da terra, para ver as marcas de seu chamado, a garantia e o certificado de seu comissionamento. Talvez devesse colocar todos juntos para realizar um milagre diante deles, como Moisés e Arão tiveram de fazer ante o faraó, para que pudessem se convencer de seu messiado. Não fez assim. Jesus compareceu a uma simples festa de casamento, de pessoas relativamente modestas, e ali, da maneira mais simples e mais natural deste mundo, revelou a sua glória. Ao transformar a água em vinho, ao escolher este ato como seu primeiro milagre, não chama o mestre de cerimônias da festa, nem o próprio noivo, ou qualquer dos anfitriões, e lhes diz: “Vocês sabem que o vinho acabou, não? Pois então, estou prestes a lhes mostrar uma grande maravilha: vou transformar água em vinho”. Nada disso; faz tudo em silêncio, ajudado apenas pelos servos. Pede que encham de água as talhas, recipientes que estavam ali à disposição. Não pede outras vasilhas, mas usa somente as que tinha à mão, sem fazer nenhum alarde ou exibição. Usa água que também estava disponível em abundância — e realiza um milagre, se posso dizer assim, da maneira mais simples e comum. É este o estilo de Jesus.
Se fosse um milagre desses do tipo “carismático”, provavelmente teria sido feito de maneira aparentemente misteriosa, ou teatral, sensacionalista, sem poupar parafernália. Sendo, porém, um milagre genuíno, foi feito, embora de maneira sobrenatural, quase como uma sequência do que seria natural. Jesus não encheu as talhas vazias de vinho, mas foi até onde a natureza pode ir e usou água para fazer vinho dela, seguindo assim um processo de sua providência que se realiza dia a dia. Pois o vinho é produzido da água, iniciando-se o processo quando gotas de chuva caem do céu e fluem para a terra em direção às raízes da vinha, fazendo brotar dos cachos de uva e neles o suco rubro que irá produzir o vinho. Apenas uma diferença no tempo da produção separa o vinho criado nos cachos e o surgido nas talhas. Nosso Senhor não pediu a outros que fizessem isso; os servos só tiveram que lhe trazer água comum. Só quando começaram a tirar das talhas a água — ou aquilo que achavam ser ainda água — é que iriam os servos perceber que a água fora transformada em vinho.
Não faça confusão quando procurar servir a Jesus Cristo. Ele nunca faz qualquer confusão no que realiza, mesmo quando opera milagres maravilhosos. Se você quer fazer uma coisa boa, vá e a faça da maneira mais natural que puder. Tenha um coração simples e uma mente humilde. Seja você mesmo. Não se deixe afetar pela sua provável espiritualidade, como se tivesse que caminhar sobre pernas de pau no céu. Ande com os seus próprios pés e coloque a religiosidade no devido segundo plano. Se você tem uma grande obra a fazer, faça-a com simplicidade — que é parente da excelência — , pois toda ostentação e tudo o que é enfeitado e ostensivo demais é, afinal de contas, miserável e desprezível. Somente a simples naturalidade possui beleza genuína. Tal beleza estava presente neste milagre do Salvador.
Tome estes comentários como uma espécie de prefácio, pois quero mostrar agora os princípios ocultos que se encontram neste texto bíblico e, em seguida, após mostrá-los, apresentar como devem ser aplicados.
I. Ordenou-lhe Jesus: Enchei de água essas talhas (Jo 2.7). QUAIS SÃO OS PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS NESTE MODO DE AGIR DO NOSSO SENHOR?
Em primeiro lugar: como norma, quando Cristo está para conceder uma bênção, ele dá uma ordem. Eis aí um fato que sua memória vai ajudar a estabelecer rapidamente. Nem sempre, na verdade, é assim; mas, como regra geral, uma palavra de comando precede uma palavra de poder, ou, então, vem juntamente com ela. Se ele está prestes a criar vinho, o processo aqui não consiste em apenas dizer “haja vinho”, mas começa com uma ordem dada aos homens: Enchei de água essas talhas. Eis um homem cego a quem Cristo está pronto a dar a visão. Ele coloca barro em seus olhos e, então, lhe diz: Vai, lava-te no tanque de Siloé (Jo 9.7). Ali está um homem com uma mão atrofiada e inútil para ele. Cristo quer restaurá-la e lhe diz: Estende a tua mão (Mt 12.13). O princípio se mostra aplicável até mesmo em casos em que parece não deveria se aplicar, pois mesmo a uma criança morta ele ordena: Menina, levanta-te (Lc 8.54). E até a Lázaro — que já cheirava mal por estar morto havia quatro dias — ele ordena: Lázaro, vem para fora! (Jo 11.43). Deste modo, ele concede benefício por meio de uma ordem. Os benefícios do evangelho vêm juntamente com um mandamento do evangelho.
Observe como este princípio que se verifica nos milagres está presente também nas maravilhas de sua graça divina. Eis um pecador que quer ser salvo. O que Cristo tem a dizer a este pecador, mediante os apóstolos? Crê no Senhor Jesus e serás salvo (At 16.31). E você? Pode crer nisso? Mas ele não está morto em seus pecados? Irmãos, em lugar de levantarmos questionamentos tais, aprendamos, simplesmente, que Jesus Cristo ordena que os homens creiam; e, por isso, comissionou seus discípulos a dizerem: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus (Mt 3.2). Ou seja: … Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos os homens em todo lugar se arrependam (At 17.30). Ele nos ordena irmos e pregarmos esta sua palavra: Crê no Senhor Jesus e serás salvo.
Mas por que uma ordem? E sua vontade que assim seja, e isso deveria ser suficiente para você, que se diz seu discípulo. Na verdade, tem sido exatamente sempre assim, desde os tempos mais antigos, quando o Senhor estabeleceu sua maneira própria de lidar com uma nação praticamente morta. Ali estavam ossos secos, no vale, em grande número e excessivamente secos. Ezequiel recebe então a ordem de profetizar a eles. O que diz o profeta? Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor (Ez 37.4). É esta a sua maneira de fazê-los viver novamente. Sim, por meio de uma ordem para que ouçam, coisa que, humanamente, ossos secos não podem fazer. Ele, porém, dá ordem aos mortos, aos ossos secos, aos desesperados, e, mediante o seu poder, surge a vida.
Oro para que você não seja desobediente às ordens do evangelho. Fé é um dever; caso não fosse, não leríamos nas Escrituras a respeito de obediência da fé (Rm 16.26). Por isso, quando a questão é abençoar, Jesus Cristo desafia a obediência dos homens, dando ordens reais. É o que acontece quando deixamos de não sermos convertidos e nos tornarmos crentes. Quando Deus quer abençoar o seu povo tornando-o bênção, ele o faz pronunciando uma ordem. Ao orarmos para que o Senhor se levante e mostre seu braço de poder, sua resposta, contendo uma ordem, é: Desperta, desperta, veste-te da tua fortaleza, Sião (Is 52.1). Ao rogarmos que o mundo seja trazido a seus pés, sua resposta, em forma de ordem, é: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os (Mt 28.18,19). Sua ordem é para que sejamos veículos da sua bênção. Se queremos ter a bênção de ver as conversões se multiplicando e as igrejas sendo edificadas, Cristo nos dará esse benefício, pois todo dom procede dele, como foi transformar água em vinho. Contudo, primeiro ele nos diz: “Vão e proclamem a minha salvação até os confins da terra”. Temos de encher as talhas de água. Se formos obedientes ao seu mandado, veremos de que modo poderoso ele irá operar, estará conosco e as nossas orações serão ouvidas.
Este é, enfim, o primeiro princípio que vejo aqui: Cristo dá ordens àqueles que ele deseja abençoar.
Em segundo lugar, as ordens de Cristo não são para serem questionadas, mas, sim, obedecidas. As pessoas querem vinho, e Cristo diz aos servos: Enchei de água essas talhas. Se aqueles servos pensassem da mesma forma que os críticos capciosos dos tempos modernos, teriam olhado com ceticismo para o Senhor por um momento e feito uma objeção: “Eles não querem água; esta não é uma festa da purificação, é uma festa de casamento. Não se usa beber água no casamento. Podem querer água quando forem à sinagoga ou ao templo, para lavar e ter as mãos purificadas, de acordo com os costumes. Mas agora, não, não querem água; a hora, a ocasião, tudo o mais, requer que seja servido vinho”. Todavia, o conselho que Maria tinha dado aos servos fora muito próprio: Fazei tudo quanto ele vos disser. Nós também: não nos cabe, não devemos, questionar nem criticar as ordens do Senhor, mas cumpri-las imediatamente.
Em alguns momentos, pode parecer que a ordem de Cristo não seja pertinente ao assunto em questão. O pecador pede: “Senhor, salva-me; vence o pecado em mim”. Nosso Senhor responde: “Creia”. O pecador não entende de que modo crer em Cristo poderá capacitá-lo a controlar um pecado insistente. A primeira vista, parece não haver nenhuma conexão entre crer no Salvador e dominar um mau hábito ou se livrar de um mau costume, como a intemperança, a paixão, a cobiça, a falsidade. Existe, sim, uma conexão. Mas mesmo que você não consiga visualizá-la, sua parte é não questionar e, sim, fazer aquilo que Jesus ordena que você faça. É no caminho da ordem cumprida que o milagre da misericórdia será realizado. Enchei de água essas talhas — apesar de o que você quer mesmo seja vinho. Cristo vê uma conexão total entre a água e o vinho, embora você nem a perceba. Ele tem um motivo para que as talhas sejam cheias de água, que você desconhece. Não nos cabe pedir explicações, mas sermos simplesmente obedientes. Se você fizer exatamente aquilo que Jesus ordena, da maneira que ordena e no momento em que ordena, tão somente porque ele ordena, descobrirá que os seus mandamentos não são penosos (1Jo 5.3) e em os guardar há grande recompensa (SI 19.11).
Há momentos em que essas ordens parecem ser até mesmo triviais. Podem nos parecer algo insignificante. Aquela família precisava de vinho, e Jesus diz Enchei de água essas talhas. O servos poderiam ter dito: “Isto é simplesmente passar o tempo e brincar conosco. Faríamos melhor se fôssemos falar com os amigos dessas pessoas e pedíssemos se poderiam contribuir oferecendo outras vasilhas de vinho. Melhor ainda se encontrássemos alguma adega ou estalagem onde pudéssemos comprar vinho. Mas mandar-nos ir ao poço encher essas grandes talhas, que só podem conter é muita água, está nos parecendo brincadeira”. Meus irmãos sei que, às vezes, o caminho do dever parece que não vai nos levar ao resultado desejado. Preferimos fazer outra coisa. Esta outra coisa pode até parecer estar errada, mas nos dá a impressão de que poderíamos realizar nosso plano de maneira mais fácil e direta; desse modo, lançamo-nos neste outro curso, não ordenado e talvez proibido.
Sei que muitas consciências perturbadas acham que simplesmente crer em Jesus é muito pouco. O coração enganoso sugere sempre uma maneira que parece ser mais eficaz: “Faça uma penitência; sinta amargura; chore certa quantidade de lágrimas. Mude sua mente, quebrante seu coração” — é isso o que pede a nossa carne. Jesus simplesmente nos ordena: “Creia”. Isto realmente parece ser uma coisa muito pequena a ser feita, como se não fosse possível receber a vida eterna simplesmente por colocar sua confiança em Jesus Cristo. Mas este é o princípio que quero ensinar aqui: quando Jesus Cristo está prestes a dar uma bênção, ele dá uma ordem que não deve ser questionada, mas, sim, obedecida imediatamente. Se não o crerdes, certamente não haveis de permanecer (Is 7.9); mas se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o bem desta terra (Is 1.19). Fazei tudo quanto ele vos disser.
O terceiro princípio é este: é bom cumprirmos com zelo todas as ordens que recebemos de Cristo. Ele disse: Enchei de água essas talhas, e o servos encheram-nas até em cima (Jo 2.7). Existem duas maneiras de encher uma talha. Ela ser cheia até o máximo, mas você pode ainda encher um pouco mais, até começar a transbordar. O líquido começa a se mexer quando está prestes a transbordar numa cascata cristalina. É a plenitude do enchimento. Ao cumprir as ordens de Cristo, meus caros irmãos e irmãs, que cheguemos às últimas consequências: que cumpramos as suas ordens “até em cima”. Se a ordem é “crê”, creia nele com toda a sua força, confie nele de todo o seu coração. Se é “prega o evangelho”, pregue a tempo e fora de tempo (2Tm 4.2) — e pregue o evangelho — por completo. Pregue-o até em cima. Não entregue às pessoas um evangelho pela metade. Dê-lhes um evangelho transbordante. Encha as talhas até a borda. Se é para se arrepender, peça-lhes um arrependimento profundo e sincero. Se é para crer, peça-lhes uma fé profunda, absoluta, como a de uma criança, uma fé cheia até a borda. Se a ordem é orar, ore poderosamente: encha até a beirada o vaso da oração. Se é para buscar uma bênção das Escrituras, procure-a do início ao fim: encha até a extremidade o vaso da leitura da Bíblia. As ordens de Cristo nunca devem ser cumpridas com negligência. Que coloquemos nossa alma em tudo aquilo que ele nos ordenar, ainda que não possamos entender o motivo pelo qual nos manda realizar essa tarefa. Os mandamentos de Cristo devem ser cumpridos com todo o entusiasmo e realizados ao extremo, se for possível haver um extremo.
O quarto princípio é que nossa dedicada ação em obediência a Cristo não é contrária, mas necessária, à nossa dependência dele. Vou lhes demonstrar como. Alguns irmãos me dizem: “Veja só! Você promove aquilo que chama de cultos de reavivamento, nos quais tenta despertar os homens por meio de apelos sinceros e discursos entusiasmados. Não vê que Deus faz sua própria obra? Esses esforços seus não passam de uma tentativa sua de tirar a obra das mãos de Deus. A maneira correta é confiar nele e não fazer coisa alguma”. Tudo bem, irmão. Já entendi sua posição: confiar nele e não fazer coisa alguma. Tomo a liberdade de não ter plena certeza de que você realmente confia nele, pois, se me lembro bem quem você é, acho que já estive em sua casa e sei que você é a pessoa mais tristonha, desanimada e descrente que conheço. Você nem mesmo sabe se já foi salvo nove ou dez vezes. Acho que você deveria falar de sua fé para você mesmo. Se tivesse essa fé tão maravilhosa, sem dúvida que se faria a você conforme sua fé. Quantas pessoas se achegaram à sua igreja — sua igreja abençoada, onde você exerce sua abençoada fé sem obras — mediante sua falta de ação, este ano? Quantos ingressaram nela? “Bem, nós não estamos crescendo muito”, confessa você. Realmente, acho que vocês provavelmente não cresceram. Se você pretende estender o reino do redentor por meio da inação, não acho que esteja trabalhando da maneira que Cristo aprova. Mas nós nos arriscamos a dizer-lhe que vamos prosseguir trabalhando para Cristo com todo o nosso coração e a nossa alma, usando de todos os meios disponíveis para trazer os homens a ouvir o evangelho, sentindo, mais ou menos como você, que não podemos fazer qualquer coisa que seja sem o Espírito Santo, que confiamos em Deus, penso eu, quase da maneira que você crê, porque a nossa fé tem produzido muito mais resultados do que a sua. Não me surpreenderia se, no final, sua fé sem obras se mostrasse morta, para ficar apenas nisso, e que a nossa fé, tendo obras consigo, se mostre uma fé viva no final de tudo.
Vamos colocar a questão da seguinte maneira: Jesus Cristo diz: Enchei de água essas talhas. O servo ortodoxo responderia: “Meu Senhor, creio plenamente que tu podes produzir vinho para essas pessoas sem a presença de água e, com a tua permissão, não trarei água alguma. Não vou interferir na obra de Deus. Estou bem certo de que tu não queres a nossa ajuda, Senhor gracioso. Tu podes fazer que estas talhas se encham de vinho sem que seja necessário trazer um único balde de água, e, assim, não vamos roubar a glória de ti. Vamos simplesmente nos colocar atrás e esperar por ti. Quando o vinho for feito, beberemos um pouco dele e bendiremos o teu nome. Enquanto isso, oramos para que tu nos perdoes, pois os baldes com água são difíceis de carregar, e são necessários muitos deles para encher todas essas talhas. Além disso, seria uma interferência na obra divina e, desse modo, preferimos nos aquietar”. Você não acha que os servos que falassem dessa maneira estariam mostrando que não tinham fé alguma em Jesus? Não vamos afirmar que isso pudesse comprovar sua descrença, mas que se parece muito com tal atitude, parece.
Veja agora o servo que, tão logo Jesus ordena, diz: “Não entendo isso, não vejo qualquer ligação entre pegar água e a falta de vinho; mas vou até o poço. Lá vou encher, e depois trazer, dois baldes de água. Você vem comigo, meu irmão? Venha comigo e me ajude a trazer os baldes”. E ali vão eles, voltando alegremente com a água, derramando-a em talhas até que estejam cheias até a boca. Estes me parecem ser os servos crentes, que obedecem à ordem, mesmo sem entendê-la, mas esperando que, de uma maneira ou de outra, Jesus Cristo saiba o que irá fazer, como na verdade saberá, ao realizar seu milagre. Não estamos interferindo em sua obra, queridos irmãos, quando nos empenhamos com dedicação em nossa tarefa. Estamos simplesmente demonstrando nossa fé nele se trabalhamos para ele da maneira que ele nos ordena que trabalhemos e confiando nele com uma fé plena.
Vou dar ênfase semelhante ao próximo princípio: somente a nossa ação não é suficiente. Sabemos disso, é certo, mas deixe-me lembrar-lhe mais uma vez. Eis as talhas e os baldes cheios, e mais do que isso não poderiam estar. Que abundância de água! Nota-se que, na tentativa de enchê-los até a boca, a água escorreu por todo canto. Bem, todas as seis grandes talhas estão cheias de água. Existe algum vinho ali? Nem uma gota sequer. O que eles trouxeram foi água, nada além de água que, por enquanto, permanece sendo água. Suponhamos que eles fossem levar aquela água para a festa. Tenho a impressão de que os convidados não considerariam água fresquinha uma bebida adequada para uma festa de casamento. Não sei se o deveriam, mas acho que não foram educados propriamente na crença de uma abstinência total. Certamente reclamariam com o dono da festa: “Você já nos deu até vinho, e do bom, e água, agora, não é um final feliz para esta festa”. Estou certo, porém, de que isso não aconteceria. E, no entanto, aquele líquido era água, nada mais que água pura, quando os servos a derramaram nos vasilhames. Assim também, apesar de tudo o que um pecador possa fazer ou de tudo o que um salvo possa fazer, nada existe por parte do esforço humano que consiga ajudar na salvação de uma alma até que Cristo pronuncie a palavra de poder. Paulo plantou, e Apoio regou, mas não houve crescimento até que Deus o tivesse dado. Pregue o evangelho, trabalhe com as almas, seja persuasivo, converse, exorte. Saiba, porém, que não há poder em qualquer coisa que você possa fazer até que Jesus Cristo mostre o seu poder divino. Sua presença é o nosso poder. Bendito seja o seu nome porque ele virá, encherá as talhas com água e a transformará em vinho. Somente ele pode fazer isso, e os servos que mostram disposição de encher as talhas são justamente dos primeiros a confessar que somente ele pode fazer tais coisas.
Agora, o último princípio: o de que, embora a ação humana não consiga por si mesma alcançar o fim desejado, ela tem seu lugar específico no processo e Deus determina que ela seja necessária. Por que precisava o Senhor que as talhas fossem enchidas de água? Não posso afirmar que isso fosse realmente necessário. Poderia até não ser absolutamente necessário em si, mas, com o objetivo de que o milagre pudesse ser aberto e claro para todos, necessário se tomou. Suponha que o nosso Senhor tivesse dito: “Vão até as talhas e peguem o vinho, que está lá”. Aqueles que vissem isso certamente diriam que já havia vinho antes nas talhas e que, portanto, nenhum milagre fora realizado. Quando nosso Senhor pede que as talhas sejam enchidas de água, não haverá mais espaço algum para que qualquer gota de vinho possa estar ali escondida. O mesmo aconteceu com Elias: com o objetivo de provar que não havia fogo oculto algum debaixo do altar, no monte Carmelo, ordenou que fossem até o mar e trouxessem água a fim de derramá-la sobre o altar, sobre o sacrifício e no rego em volta do altar até que estivesse cheio. Mandou: “Façam uma segunda vez”, e eles o fizeram. Disse ainda: “Façam pela terceira vez”. Eles o fizeram, e, assim, não havia mais nenhuma possibilidade de fraude. Portanto, quando o Senhor Jesus ordena aos servos que encham as talhas com água, está garantindo não haver qualquer possibilidade de vir a ser acusado de falsário. Eis por que foi necessário, portanto, que as talhas fossem cheias de água.
Além disso, foi necessário porque se tomou altamente edificante para os servos. Você pode observar, no texto, que quando o mestre-sala prova do vinho, não sabe de onde veio. Nem podia imaginar de onde ou como tinha surgido ali e mostrou-se surpreso. Mas, conforme diz a Palavra, “o sabiam os serventes”. O mesmo acontece com alguns membros das igrejas quando almas se convertem. Esses membros são boas pessoas, mas pouco sabem a respeito de conversão de pecadores. Não sentem muito prazer no reavivamento. Na verdade, tal qual o irmão mais velho do filho pródigo, têm certa prevenção para com os recém-convertidos, sobretudo quando se mostram muito efusivos com a conversão. Como esses membros se consideram muito sérios e respeitáveis, prefeririam não ter essas pessoas, que julgam ser de um nível mais baixo, sentadas ao seu lado. Sentem-se um tanto desconfortáveis por terem de ficar tão perto delas. Pouco ou nada sabem, enfim, a respeito do que realmente está acontecendo; todavia, bem o sabem os “serventes”, ou seja, os servos.
E exatamente isso o que quero dizer: crentes sinceros, que fazem a obra e enchem as talhas, sabem o que está acontecendo. Jesus ordenou que se enchessem as talhas com água com o propósito de que os homens que trouxeram a água do poço soubessem depois que aquilo fora um milagre. E eu lhe garanto: se você trouxer almas a Cristo, conhecerá o seu poder. Vai vibrar de alegria ao ouvir o clamor de glória do arrependido e perceber o brilhante raio de luz de júbilo sobre a face de quem nasce de novo, ao ter seus pecados lavados e se sentir restaurado. Se você quer conhecer o poder miraculoso de Jesus Cristo, deve ir não realizar milagres, mas, simplesmente, trazer a água e encher as talhas. Faça as suas obrigações normais de homem e mulher cristãos — coisas nas quais não há poder em si mesmas, mas que Jesus Cristo conecta à sua própria obra divina — e só o fato de você saber que participou dessa obra será excelente para sua edificação e seu conforto: “Se bem que o sabiam os serventes”.
Creio que já falei o suficiente sobre os princípios presentes neste texto.
II. Tenha paciência comigo um pouco mais, enquanto procurarei aplicar agora esses princípios a propósitos práticos. Vejamos, então, DE QUE MANEIRA EXECUTAR ESTA ORDEM DIVINA: Enchei de água essas talhas.
Primeiramente, use as habilidades que você possui no serviço de Cristo. Ali estão seis talhas. Jesus usa o que encontra disponível, à mão. Há água no poço; nosso Senhor a utiliza também. Nosso Senhor costuma empregar em sua obra o seu povo, com a capacidade e as habilidades que cada qual possui, em vez de usar os anjos ou uma nova classe de seres criados especialmente com esse propósito. Queridos irmãos e irmãs, se nenhum de vocês possui um cálice de ouro, encha seu vasilhame comum. Mesmo que você não se considere uma taça de prata de elaborado labor, ou uma peça de porcelana de Sèvres, isso não importa: encha o vaso de barro que você acha que é. Se não pode fazer cair fogo do céu, tal qual Elias, ou realizar milagres como fizeram os apóstolos, faça então o que puder. Se você não possui prata nem ouro, dê a Cristo aquilo que você tiver. Traga água mediante suas ordens e há de ser o melhor dos vinhos. O mais comum dos dons pode servir aos propósitos de Cristo. Assim como ele tomou apenas alguns pães e peixes e com eles alimentou uma multidão, assim também ele se vale de seis talhas de água e nelas cria vinho.
Você pode observar como melhorou o que se possuía, a começar pelas talhas, que estavam vazias, mas foram cheias. Encontram-se hoje aqui muitos irmãos que cursam a universidade. Estão buscando melhorar seus dons e habilidades. Vocês estão agindo corretamente, irmãos. No entanto, já ouvi uma vez quem dissesse “O Senhor Jesus não precisa daquilo que você aprendeu na escola”. É bem provável que sim, do mesmo modo que ele talvez não precisasse da água em si. Mas certamente ele também não quer de modo algum de estupidez e ignorância nem do modo de falar errado e rude e sem educação. Ele não quis usar talhas vazias, mas, sim, cheias, e os servos fizeram bem em enchê-las. Hoje, nosso Senhor não quer cabeça vazia em seus ministros, muito menos um vazio coração. Assim, meus irmãos, encham suas talhas com água. Esforcem-se, estudem, aprendam tudo o que puderem; encham as talhas com água. “Oh”, talvez alguém alegue, “mas de que maneira esses estudos os levarão à conversão? A conversão é como o vinho, e tudo o que esses jovens irmãos aprenderão será como água”. Tem razão. Mas espere até que eu ordene a esses estudantes que encham suas talhas de água, para que então o Senhor Jesus a transforme em vinho. O conhecimento humano pode ser perfeitamente santificado, de modo que venha a ser útil na propagação do conhecimento de Cristo. Espero em Deus que já haja passado aquela época em que muitos imaginavam que somente a ignorância e a rudeza poderiam ser úteis ao reino dos céus. O grande Mestre fez que todo o seu povo aprendesse tudo o que deveria aprender, especialmente que conhecesse a si mesmo e às Escrituras, para que melhor pudesse proclamar seu evangelho. “Enchei de água essas talhas.”
Assim, a fim de aplicarmos esse princípio, vamos todos usar os meios de bênção conforme indicados por Deus. Quais são esses meios?
Em primeiro lugar, a leitura das Escrituras. Já que “examinais as Escrituras”, faça-o então examinando tudo o que possa. Busque entender as Escrituras. “Se eu conhecer a Bíblia é que então serei salvo?” Não; você terá de conhecer o próprio Cristo por meio do Espírito Santo. Mais uma vez: enchei de água essas talhas; e, enquanto estudar as Escrituras, pode estar certo de que o Salvador irá abençoar sua Palavra e transformar essa água em vinho. Há sempre auxílio para você nos meios da graça, como, por exemplo, ouvir um ministro do evangelho. Lembre-se de que você deve encher a talha com água até em cima. “Mas eu posso ouvir milhares de sermões e não ser salvo.” Pode ser, mas sua tarefa é encher a talha com água, e, enquanto você ouve o evangelho, Deus o abençoa, pois a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo (Rm 10.17). Saiba usar os meios que Deus lhe indicar. E, uma vez que o nosso Senhor decidiu salvar os homens por meio da pregação da Palavra, oro para que levante quem pregue sem cessar, a tempo e fora de tempo, entre quatro paredes e nas ruas. “Mas não é a nossa pregação propriamente que os salvará”, dizem alguns. Sei disso; mas pregar é trazer a água, e, enquanto nós o fazemos, Deus, por sua vez, irá abençoar a água e a transformará em vinho. Saiamos a distribuir literatura religiosa e folhetos. “Oh, mas não será propriamente por ler este material que as pessoas serão salvas.” Certamente, não; mas, se o leem, Deus pode e vai fazer que a verdade seja lembrada em sua mente e impressa em seu coração. Enchei de água essas talhas. Cuidemos de distribuir uma infinidade de folhetos. Espalhemos literatura religiosa por toda parte. Enchei de água essas talhas, e o Senhor irá transformar água em vinho.
Não se esqueça das reuniões de oração. Que abençoado meio de graça, trazendo o poder do céu a todas as obras da igreja. Enchamos essa talha de água. Não tenho do que reclamar da sua frequência nas reuniões de oração, mas, oh, mantenham-na ativa, meus irmãos! Se você pode orar, ore! Bendito seja o nome de Deus se você tem o espírito de oração. Continuem orando! Enchei de água essas talhas, e, em resposta à sua oração, Jesus irá transformá-la em vinho. Professores de escola bíblica dominical, não negligenciem neste seu bendito meio de ser útil. Enchei de água essas talhas. Trabalhem no sistema da escola dominical com toda a sua força. “Mas as crianças não serão salvas simplesmente por serem colocadas juntas e lhes falarmos sobre Jesus. Não lhes podemos dar um novo coração.” E quem disse que vocês podem? Enchei de água essas talhas que Jesus Cristo sabe como irá transformá-la em vinho. E ele não deixará de fazê-lo enquanto formos obedientes às suas ordens.
Faça uso de todos os meios, mas saiba usá-los com a motivação correta. Volto agora àquela parte do texto que diz: “E encheram-nas até em cima”. Sempre que você estiver ensinando aos pequeninos da escola dominical, ensine-os bem. Encha até em cima. Quando você pregar, meu caro amigo, não pregue como se estivesse sonolento. Anime-se, encha o seu ministério até em cima. Quando você estiver buscando evangelizar a comunidade, não o faça sem motivação, como se não se importasse se aquelas almas venham a ser salvas ou não. Encha-as até em cima, pregue o evangelho com toda a sua força, clame pelo poder do alto. Encha cada vaso até em cima. Tudo o que valer a pena fazer, faça-o bem. Ninguém jamais serviu a Cristo bem demais. Já ouvi dizer que, em alguns cultos, pode haver zelo demais; mas, no serviço de Cristo, você pode ter quanto zelo puder e quiser e, ainda assim, jamais haverá excesso se a prudência estiver unida a ele. Enchei de água essas talhas, e até em cima. Faça tudo de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças.
Ainda no propósito de aplicação desse princípio, lembre-se que, mesmo que você tenha feito tudo o que pode, sempre haverá deficiência em tudo o que fez. Não deve haver problema algum de sua parte, ao voltar da distribuição de folhetos, da classe da escola dominical ou da pregação, ao chegar em casa, em ajoelhar-se e clamar: “Senhor, eu fiz tudo o que me ordenaste, mas nada terá sido feito se não tiver o teu toque final. Senhor, eu enchi essas talhas de água e, embora só possa simplesmente enchê-las com água, as enchi até em cima. Com o melhor da minha capacidade, Senhor, busquei ganhar vidas para ti. Sei que não pode haver uma alma salva, uma criança convertida ou qualquer glória trazida ao teu nome simplesmente por aquilo que fiz, pelos meus atos em si. Contudo, bom Mestre, fala a palavra capaz de realizar o milagre de fato, e a água que enche os vasos transforma-a em vinho. Somente tu podes fazê-lo, Senhor, eu não posso. Eu lanço este fardo sobre ti”.
Isto me leva à última aplicação do princípio, que é: tenha confiança de que o Senhor fará a obra. Veja bem, poderia haver outra maneira de encher as talhas de água. Suponha que aquelas pessoas nunca tivessem recebido a ordem de encher as talhas e que o ato de fazer isso não tivesse nenhuma relação com Cristo. Suponha que aquela ação tivesse sido apenas um lampejo de sua própria imaginação e que elas tivessem dito: “Essas pessoas não têm vinho, mas, quem sabe, elas podem querer se lavar, e então vamos encher seis talhas de água”. Nada teria acontecido a partir desse procedimento. A água teria ficado ali. Lembro-me de um menino da escola de Eton, que disse: “A água consciente viu seu Deus e ficou vermelha”, uma expressão verdadeiramente poética. A água consciente, no entanto, teria visto os servos, e não teria ficado vermelha. Teria simplesmente refletido a face deles em sua superfície brilhante, e nada além disso teria acontecido. Foi preciso que o próprio Senhor Jesus Cristo, com seu poder presente, realizasse o milagre. Mas isso aconteceu porque ele mesmo havia ordenado aos servos que enchessem as talhas com água e, desse modo, viu-se compelido — se é que posso usar tal expressão em relação ao nosso Rei — a transformá-la em vinho.
Se não fosse ele o Cristo, teria simplesmente pregado uma peça naqueles servos. Mas então eles teriam cobrado dele: “Por que nos deste uma ordem absurda como esta?” Se depois de enchermos as talhas com água Jesus não realizasse nada por nós, teríamos apenas feito o que ele nos havia ordenado; mas, como cremos nele, ouso dizer, ele se obriga a si mesmo a realizar o milagre. Do contrário, seríamos perdedores, e perdedores terríveis. Se o Senhor não mostrasse seu poder, só teríamos a lamentar, dizendo “trabalhei em vão e gastei minhas forças por nada”. Não seríamos, porém, tão perdedores quanto ele próprio, pois o mundo logo afirmaria serem as ordens de Cristo vazias, inúteis e ineficientes. Diria que a obediência à sua palavra não traz nenhum resultado. Diria o mundo: “Você encheu as talhas com água só porque ele ordenou que fizesse; esperou que ele transformasse água em vinho, mas ele não fez nada disso. Sua fé é vã; sua obediência é vã; ele não é um mestre que valha ser servido”. Nós seríamos perdedores, mas ele seria mais ainda: perderia a sua glória.
Por isso, de minha parte, creio que jamais uma palavra de Cristo possa ser dita em vão. Tenho certeza de que nenhum sermão que contenha Cristo em si possa ser pregado sem resultado. Alguma coisa positiva disso resultará, se não hoje, amanhã, mas alguma coisa boa há de resultar. Quando um sermão meu é publicado, quando o vejo impresso em um livro, já estou desde antes bem feliz em saber de almas que foram e serão salvas por este meio. Se ainda não foi impresso, apenas o preguei, já acho que algo de bom Deus fará brotar dele. Se preguei Cristo, coloquei sua verdade salvadora naquele sermão, aquela semente não poderá morrer. Mesmo que pareça morrer naquele livro por vários anos, tal qual grãos de trigo enterrados no solo, um dia viverá, crescerá e dará fruto. Ouvi falar recentemente de uma vida que foi levada a Cristo por um sermão que preguei 25 anos atrás. Quase todas as semanas, ouço falar a respeito de pessoas que foram trazidas a Cristo por sermões meus pregados em reuniões realizadas em Park Street, no Exeter Hall e nos jardins de Surrey. Sinto, portanto, que Deus não deixará uma testemunha fiel sequer cair ao chão.
Vá em frente, irmão. Encha as talhas de água. Não acredite, porém, que você está fazendo muito, mesmo quando tiver feito tudo o que pode. Não comece a se parabenizar diante dos sucessos. Tudo vem de Cristo e tudo virá de Cristo. Todavia, não diga na reunião de oração: “Paulo pode ter plantado, e Apolo pode ter regado, mas…”. Não é bem assim o que diz a passagem. Ela diz exatamente o contrário, ou seja: que Paulo plantou; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento (1Co 3.6). O crescimento é dado por Deus, uma vez que a plantação e a semeadura sejam feitas de maneira adequada. Os servos devem encher as talhas; e é o Mestre quem transforma a água em vinho.
Que o Senhor nos dê a graça de sermos obedientes às suas ordens, especialmente a este mandamento: “Creia e viva!” E que possamos encontrá-lo nas bodas celestiais para bebermos do vinho novo com ele, para todo o sempre. Amém e amém.
Charles H. Spurgeon. Milagres e Parábolas de Nosso Senhor: A Obra e o Ensino de Jesus em 173 Sermões Selecionados. São Paulo: Ed. Hagnos, 2016, pp. 94–102.