As Boas Obras
Gordon H. Clark
Muitas pessoas nos bancos das igrejas, e não apenas ministros liberais nos púlpitos, expressam um desgosto por doutrina e teologia. Eles querem algo prático. Bem, quem pode negar que boas obras são práticas?
Infelizmente para aqueles que não gostam de teologia e de uma declaração confessional detalhada, não pode haver doutrina muito progresso em boas obras a menos que se saiba quais obras são boas e quais são más. E quem pode negar que uma definição de boas obras é teológica, doutrinária e confessional? A disjunção popular entre doutrina e prática, entre teologia e vida, entre saber e fazer, é falsa. A teoria da prática deve preceder a prática da teoria.
O que, então, são boas obras? São aquelas ações de que um cavalheiro benevolentemente intencionado pode gostar? A doação substancial a um orfanato, hospital ou igreja é uma boa obra? Por estranho que possa parecer aos não cristãos, e mesmo aos cristãos desinformados, a resposta é que essas ações não são necessariamente boas. Elas podem ser boas; mas, novamente, podem não sê-lo. O que faz então que uma obra ou ação seja boa?
Dois requisitos devem ser cumpridos antes que um ato possa ser adequadamente chamado de bom. A Confissão de fé de Westminster diz: “As boas obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa Palavra, não as que, sem a autoridade dela, são aconselhadas pelos homens movidos por um zelo cego ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção”.
A primeira parte desta seção ensina que, a menos que tenhamos a Bíblia, será impossível saber o que é bom e o que é mau. Certamente, os pagãos sabem que há uma distinção entre certo e errado; e eles regularmente violam sua consciência; mas não sabem em particular quais ações são corretas porque sua consciência não é iluminada. A revelação bíblica é essencial para um conhecimento de quais obras são boas.
A segunda parte desta mesma seção ensina a mesma verdade de forma negativa. Sem a autoridade da Bíblia, um ato feito com boas intenções não é uma boa obra. Da mesma forma, o zelo cego e a autoridade arrogante do romanismo impõem práticas, como fazer genuflexões, fazer o sinal da cruz, usar água benta, beijar o dedão do pé da imagem de São Pedro, que não são de fato boas obras. Visto que estão à parte dos mandamentos de Deus, são práticas supersticiosas que Deus abomina. São essas as coisas que Paulo tinha em mente em Colossenses 2.18, 23, onde ele fala dos pecados da falsa humildade e do culto de si mesmo.
Assim, o primeiro requisito para uma boa obra é que seja ordenada por Deus. Mas por que foi dito que a doação para um orfanato pode não ser uma boa obra? Certamente Deus nos manda cuidar das viúvas e órfãos em suas aflições. Esse paradoxo é removido quando se considera o segundo requisito para uma boa obra.
As obras feitas pelos não regenerados, embora sejam, quanto à matéria, coisas que Deus ordena, e úteis tanto a eles mesmos quanto aos outros, contudo, porque procedem de corações não purificados pela fé, não são feitas devidamente segundo a Palavra; nem para um fim justo a glória é de Deus: são, portanto, pecaminosas e não podem agradar a Deus, nem preparar o homem para receber a graça de Deus; não obstante, o negligenciá-las é ainda mais pecaminoso e ofensivo a Deus. (seção vii)
Por que a boa obra deve proceder de um coração purificado pela fé, segue-se que “A capacidade de fazer boas obras de modo algum provém dos crentes, mas inteiramente do Espírito Santo para operar neles tanto o querer como o realizar segundo o seu beneplácito” (seção iii). Assim, embora as boas obras sejam feitas voluntariamente e não contra nossos desejos e vontades, elas não são o resultado de uma vontade “livre” independente de Deus. Deus em sua graça soberana muda nossos desejos e nos faz dispostos.
Em conclusão, pois estes artigos devem ser extremamente breves, não importa quão grande seja a totalidade de nossas boas obras, elas não fazem merecer o perdão pelo pecado ou a vida eterna. Ao contrário das teorias modernistas e romanistas de salvação por obras, o calvinismo ensina que, mesmo quando tivermos feito tudo o que podemos, ainda somos servos inúteis. A noção romana de que alguns homens podem realmente fazer mais do que Deus requer e de que os méritos extras adquiridos por esses homens servem para outros pecadores menos enérgicos é uma ilusão satânica. Só Cristo satisfez a justiça do seu Pai, e a satisfez perfeitamente. Deo soli gratia.¹
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¹ Este artigo do dr. Clark foi originalmente publicado em The Southern Presbyterian Journal, 9 de fevereiro de 1955.
CLARK, Gordon H. Ensaios sobre Ética e Política. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 161–163.
Fonte: Gordon Haddon Clark.