A Lei do Antigo Testamento Forçava a Mulher a se Casar com Seu Estuprador?
Katie McCoy
“Se você ainda não estava comprometida quando o estupro ocorreu, você e seu estuprador eram obrigados a se casar, sem a possibilidade de divórcio.” — Rachel Held Evans, autora de A Year of Biblical Womanhood.
“As leis [em Dt 22:23–29] na verdade não proíbem o estupro; elas a institucionalizam…” — Harold Washington, St. Paul School of Theology.
“Sua Bíblia objetiva divinamente inspirada está cheia de estupro sancionado.” — Conta oficial do Twitter da Igreja de Satanás.
Esta é uma acusação frequente sobre o tratamento das mulheres pela Escritura. Mas é isso o que a Bíblia realmente diz?
Como toda lei bíblica, Deuteronômio 22:28–29 reflete o caráter de Deus; quando vemos o significado da lei, vemos o coração do legislador. Esta lei descreve como a comunidade de Israel reagiu quando uma virgem não desposada foi violada por meio de relações sexuais antes do casamento.[1]
O verbo usado para explicar o que aconteceu com a mulher é תָּפַשׂ (tāpas). Tāpas significa “apoderar-se [de]”,[2] ou “manejar”.[3] Como חָזַק (ḥāzaq, a palavra para “força”) usada nos vv. 25–27, tāpas também pode ser traduzida como “apreender”.[4] Ao contrário de ḥāzaq, no entanto, tāpas não carrega a mesma conotação de força. Como explica um estudioso do hebraico, tāpas não infere, por si só, agressão; significa que ela foi “agarrada”, mas não necessariamente “atacada”.[5]
Há uma diferença delicada entre esses dois verbos, mas faz toda a diferença. Tāpas é frequentemente usado para descrever uma captura.[6] Tāpas também aparece em Gênesis 39:12; quando a esposa de Potifar tentou seduzir José, ela o agarrou (tāpas) para diminuir sua intenção. Isso é distinto de ḥāzaq, que descreve uma superação forçada. Daniel Block observa que, diferentemente da lei nos versículos 25–27, essa lei não menciona um grito por ajuda, nem relata a violência masculina.[7] É provável que a mulher nos versículos 28–29 tenha experimentado uma persuasão esmagadora, talvez uma perda de sua vontade, mas não necessariamente uma agressão sexual.
Isso não atenua a seriedade do ato. Esta mulher foi de fato violada; ela foi desonrada e humilhada.[8] No entanto, os versículos 28–29 não indicam necessariamente que ela foi estuprada. Se o autor de Deuteronômio, Moisés (e o Espírito Santo que o inspirou)[9] pretendesse descrever isso como um ataque sexual, parece improvável que ele tivesse escolhido tāpas em vez de ḥāzaq — o verbo usado logo antes. Dadas as diferenças lexicais entre ḥāzaq e tāpas, e quão estreitamente elas aparecem nessas duas leis consecutivas, parece mais provável que esses dois verbos distintos se destinem a transmitir dois cenários distintos.
Além disso, tāpas não aparece em nenhuma das histórias bíblicas que descrevem agressão sexual que foram escritas após a Lei.[10] Quando autores bíblicos posteriores descreveram um estupro, eles usaram o ḥāzaq (que apareceu nos vv. 25–27) em vez de tāpas. Podemos razoavelmente concluir que os narradores bíblicos (e, novamente, o Espírito Santo) sabiam a diferença de significado entre ḥāzaq e tāpas no contexto da violência sexual, e usavam esses verbos com seus significados em mente.[11]
Mais um detalhe: Ao contrário das duas leis anteriores nos vv. 23–29, isso indica que o homem e a mulher foram pegos em flagrante.[12] Enquanto os versículos 25–27 se referem ao homem e à mulher como pessoas separadas, os versículos 28–29 se referem a eles como uma unidade.[13] Um estudioso hebreu vê esse detalhe como outra razão para acreditar que os vv. 28–29 não descreveram um estupro, mas consentimento mútuo.[14]
Com base em todas as evidências, podemos concluir que a virgem não desposada dos versículos 28–29 não foi necessariamente vítima de um ataque. Portanto, alegar que a Bíblia exigia que uma mulher se casasse com seu estuprador é uma interpretação errônea — e deturpada — desta lei. Novamente, isso não quer dizer que ela não tenha sido maltratada ou aproveitada; ela certamente tinha sido. No entanto, esta lei não carrega a mesma conotação de força que o cenário anterior nos versículos 25–27.
Para a jovem em Israel, essa lei assegurava que ela não fosse objetificada e descartada. Seu sedutor era obrigado a fazer restituição com seu pai, era obrigado a se casar com ela e era proibido de se divorciar dela. Em uma cultura em que o casamento de uma mulher equivalia à sua provisão financeira, essa lei garantia sua segurança. Além disso, a mulher não enfrentou consequências punitivas por ser seduzida. Supondo que o ato fosse, de fato, consensual, ela não era envergonhada e ostracizada.
Sob a lei hebraica, um homem era proibido de explorar uma mulher como objeto de prazer. Ele era responsabilizado publicamente por sua indiscrição e responsabilizado por seu futuro bem-estar.[15] Em outras palavras, ele não poderia maltratá-la e abandoná-la. Longe de explorar ou oprimir as mulheres, essa passagem mostra que a lei bíblica responsabilizava os homens pelo seu comportamento sexual.
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[1] Dt 22:28–29 difere das duas leis anteriores, pois não nomeia um local específico para determinar o consentimento da mulher.
[2] Koehler and Baumgartner, HALOT, vol. 4, ed. and trans. M. E. J. Richardson (Leiden: E.J. Brill, 1994), s.v. “תָּפַשׂ”.
[3] BDB, s.v. “תָּפַשׂ”.
[4] HALOT, vol. 4, s.v. “תָּפַשׂ”.
[5] Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1992), 286.
[6] Koehler and Baumgartner, HALOT, vol. 4, s.v. “תָּפַשׂ”. Esse verbo aparece em 1 Reis 18:40, quando Elias ordenou que o povo apreendesse (tāpas) os profetas de Baal, bem como em 2 Reis 14:13, quando o rei Joás capturou Amazias.
[7] Ibidem.
[8] Lyn M. Bechtel, “What If Dinah Is Not Raped?” JSOT (1 de junho de 1994): 26.
[9] 2 Tm 3:16–17.
[10] Cf. a discussão sobre a degradação de uma virgem não desposada (Dt 22:28–29) e seu uso de תָּפַשׂ.
[11] Isso pressupõe que autores bíblicos posteriores estavam intimamente familiarizados e frequentemente interagiam com textos bíblicos anteriores — o que alguns estudiosos chamam de intertextualidade, definidos aqui como “as interrelações entre os vários livros do AT”. John M. Sailhamer, Introduction to Old Testament Theology: A Canonical Approach (Grand Rapids: Zondervan, 1995), 156.
[12] Daniel I. Block, The Gospel According to Moses: Theological and Ethical Reflections on the Book of Deuteronomy (Eugene, OR: Cascade Books, 2012), 163.
[13] Koehler e Baumgartner, HALOT, vol. 2, s.v. “מָצָא”. O uso de מָצָא “encontrar” nesta lei ressalta esse ponto. Segundo HALOT, esta instância de מָצָא deve ser traduzida como “ser descoberta” ou “apanhada em flagrante”. Aqui, מָצָא carrega a mesma conotação que sua aparição no versículo 22, que descreve um ato consensual.
[14] Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School, 286.
[15] Ibid., 164. Como Block explica, “o homem deve cumprir todos os deveres conjugais que acompanham os direitos às relações sexuais e, assim, garantir a segurança da mulher”. Block, The Gospel According to Moses, 163.
Katie McCoy. Did Old Testament Law Force a Woman to Marry Her Rapist? Traduzido por Luan Tavares.